"Esses dois pilares sustentam o bolsonarismo hoje", resumiu assim, em entrevista à Lusa, Renato Freitas, um dos novos nomes proeminentes na esquerda brasileira.
"A hipocrisia religiosa fez com as pessoas começassem a criar um deus de ultima hora, pela conveniência, de acordo com os seus interesses próprios. Um deus que justificasse a frase 'bandido bom é bandido morto'", disse, lembrando uma frase proferida pelo atual Presidente brasileiro.
"Essa frase é anticristã por essência" porque "Cristo perdoa", disse o professor universitário e advogado popular, de 38 anos, que se define como cristão.
"Religião cristã é uma religião da vida, da verdade. Ou seja, eles deturparam os principais princípios cristãos e construíram uma religião de ocasião que tem um compromisso com o poder" frisou.
O deputado estadual, um confesso cristão, teve a sua candidatura suspensa até à véspera das eleições de 02 de outubro, na sequência de uma manifestação pacífica na Igreja Nossa Senhora do Rosário dos Pretos, em protesto contra o assassinato do congolês Moïse Kabagambe no Rio de Janeiro.
Vinte e três vereadores votaram a favor do "procedimento incompatível com o decoro parlamentar", para suspender o mandato do petista negro. O mandato foi entretanto reposto.
"Sou petista, de esquerda, tive um caso de conflito, meramente aparente, com a igreja" explicou, denunciando que "eles conseguiram monopolizar o discurso e dizer que eu desrespeitei a igreja"
Esta situação chegou aos ouvidos do papa Francisco, tendo o pontífice o convidado para um encontro em Itália, que se realizou no final de setembro. Aí, Renato denunciou o racismo de que foi vítima enquanto vereador em Curitiba e a os problemas de outros legisladores negros que estão a ser alvo no país.
Ainda sobre as questões religiosas no Brasil, como parte importante das eleições presidenciais, Renato Freitas considerou que a estratégia de Lula da Silva para vencer terá de passar por explorar essas contradições em Bolsonaro.
"A política económica foi renegada, foi deixada de lado como menos importante, como o desemprego, inclusão, garantia de direito", disse, acrescentado, que "essa é a realidade do momento e o que "faz sucesso são as discussões morais, religiosas e sobre segurança pública".
"A nossa estratégia é incidir exatamente nesse discurso. Demonstrar por A mais B, e temos elementos para isso, que está ocorrendo no nosso país uma religião anticristã, algo muito assustador, contraditória, que evidencia a mentira, a hipocrisia", detalhou.
O deputado acredita mesmo que essa é a estratégia que levará Lula à vitória: a de criticar a hipocrisia religiosa pela lógica e a partir da lógica teológica, cristã.
Uma estratégia que começou tarde na campanha de Lula mas que começou a ser visível durante esta semana com ações publicitárias associando Bolsonaro ao demónio e à mentira, mas também a negar que Lula é a favor do aborto, ou de casas de banho unissexo.
"É exatamente esse tipo de críticas e nesses termos, nessa linguagem, que nós devemos lutar o bolsonarismo, porque nós não devemos abandonar o cristianismo, ou mesmo o protestantismo, achando que está tudo perdido", frisou o político.
Renato Freitas vai mais longe e considera que muitas das pessoas que caem no discurso de Bolsonaro "são pessoas pobres, trabalhadoras, que vivem as contradições do dia-a-dia e que estão inclinadas pela realidade material em estar do nosso lado"
Mas por vários fatores, "por ideologia, por pastores vendidos, por falsos pastores, falsos profetas" votam em Bolsonaro.
Ainda assim, na sua opinião, apesar dos dados económicos brasileiros, a dignidade da população e as condições de vida terem piorado ao longo dos quatro anos de mandato do chefe de Estado, "igrejas evangélicas junto à parte mais militarizada ainda dão um apoio incondicional ao Bolsonaro"
A acrescentar, considerou o deputado petista, existe parte de um classe média brasileira branca, especialmente no sul do país, que acha que o problema do país "é a população negra, indígena, que trás um atraso em relação à sociedade europeia. Eles, em tese, seriam superiores".
"Essa lógica ainda funciona para manter o Bolsonaro no poder, aqui em Curitiba ganha muito voto por causa desse pensamento racista e evolucionista", frisou.
Luiz Inácio Lula da Silva venceu a primeira volta das eleições com 48,4% dos votos e Jair Bolsonaro recebeu 43,2%, pelo que os dois candidatos terão de se enfrentar numa segunda volta marcada para 30 de outubro.
MIM // PJA
Lusa/Fim