
Telma Monteiro foi uma das figuras, das muitas do desporto nacional, assim como especificamente do judo, que marcaram presença no complexo de ténis do Jamor para participar no lançamento da campanha nacional do IPDJ Agora tu, Ativa-te, que visa incentivar, implementar e aumentar hábitos de vida ativos e mais saudáveis, se possíveis diários, para combater o sedentarismo e levar à atividade física ou até desportiva.
No entanto, o assunto da suspensão da Federação Portuguesa de Judo, por um ano, por parte da federação internacional era, naturalmente, um dos temas quentes do momento. A BOLA quis saber a opinião da melhor judoca nacional de sempre, que se retirou no início do passado verão.
— A notícia de terça-feira, de que a federação de judo havia sido suspensa por um ano, pela federação internacional, devido a dívidas [800 mil euros], apanhou-a de surpresa?
— Apanhou-me de surpresa o valor em questão. Já se tem falado muito das dificuldades financeiras que a federação tem tido, mas não sabia que existia uma dívida tão grande à federação internacional. É triste para os atletas que vivem uma fase boa e têm de lidar com estas situações que não têm nada a ver com eles. Foi triste.
— Já não competindo hoje em dia, mas tendo-o feito até ao passado verão, saber disto a 15 dias do Mundial [Budapeste] e ter de competir com um dorsal que não diz Portugal nas costas seria complicado? Quando entra para o tapete, é o judoca em si, mas até lá mexe com ele?
— Acho que os atletas têm de tentar abstrair-se disso, mas é triste porque uma das principais coisas que sentimos é um orgulho enorme quando vamos representar o país, temos a bandeira e ouvimos o hino – e sabemos que isso pode acontecer agora, se Deus quiser- Temos essa cereja no topo do bolo. Como é óbvio, esse é um momento de grande orgulho. E assim, parece que carregamos uma bandeira, que é a bandeira da FIJ, mas que, no fundo, representa algo que não está bem. Caso isto não se resolva até lá. É algo que me desgosta porque, no fundo, são os atletas. Vejo que quando saem as notícias é a cara dos atletas. Quem fica prejudicado e sofre as sequências, se a federação corre o risco de deixar de ter o estatuto de utilidade pública, são os atletas e os clubes que investem. No fundo, foram os que menos fizeram para estar nesta situação. Espero que esta parte se resolva.
Mas, como já disse noutras entrevistas, acho que é um momento para refletirmos. Porque é que as pessoas, quando chegam a uma posição de gerir uma entidade pública, uma federação, têm tanta facilidade em tomar decisões que prejudicam tanto o desporto? As entidades desportivas todas têm que parar para refletir, porquê tanta facilidade e saírem impunes? Acho que é inadmissível.
— Receia que isso se reflita no crescimento do judo em Portugal?
— Acho que já estão a haver consequências das ações que foram feitas ao longo dos anos. No entanto, isso não é uma surpresa para nós. Tenho receio que continue a acontecer. Mas não é só na federação de judo, é também nas outras federações, porque situações como estas também aconteceram. Temos que chegar a um ponto em que é preciso dizer: basta! Como é que pode continuar a acontecer? Como é que as pessoas continuam a ser eleitas para estarem a dirigir federações, desenvolver a modalidade em si, não só no alto rendimento mas também promove-la na sociedade, e depois chegamos a um ponto em que temos estas situações?
Este é um caso de uma gestão danosa. E é danoso para a modalidade. Mas depois essas pessoas continuam a sua vida. O que é que se pode fazer para que não volte a acontecer? Temos que parar, de uma vez por todas, e refletir o que é que podemos fazer para que não aconteça com esta regularidade. E repito, não é só no judo, existem outras federações, infelizmente. Agora é notícia, mas depois deixa de ser, porque há outras coisas a acontecer e não se faz nada. Temos que realmente colocar um ponto final nestas situações.
— Para quem ganhou tantas medalhas e títulos, nem no seu imaginário pensou um dia que pudesse ter de subir a um pódio e não ver lá a bandeira nacional?
— Obviamente que acredito que os atletas têm essa capacidade. Creio que eu teria a capacidade de dar a volta por cima à situação. Os judocas não têm que ter vergonha de nada, porque não fizeram nada de errado. Acredito na sua resiliência e aptidão para lutar e representar Portugal da melhor maneira. Mas é decepcionante, porque são eles que vão dar a cara, entrar no tapete e representar o País pelos atos que não cometeram.
— Se fosse desafiada para falar com os seis que vão agora ao Mundial de Budapeste [Catarina Costa/-48 kg, Taís Pina/-70 kg, Patrícia Sampaio/-78 kg, Miguel Gago/-66 kg, Otari Kvantidze-73 kg e Jorge Fonseca/-100 kg], para transformar este momento em combustível para a competição, aceitava?
— Tenho contacto regular com eles. E conhecendo os atletas que são, acredito que têm capacidade de dar a volta à situação e focar-se naquilo que é a tarefa deles e continuarem a sentir orgulho no seu trabalho e na modalidade que representam, porque no judo existem valores completamente distintos daquilo que está a ser praticado no dirigismo. No judo os valores são completamente diferentes e nós representamos o judo. Depois representamos também o país e o judo do país. Portanto, o resto são consequências que nada têm a ver com eles. Só têm que estar orgulhosos e saber que são resilientes e capazes de aguentar esta situação. Se tivesse de lhes dizer era isso. Cabeça para cima e sentir orgulho porque têm capacidade. Esta situação não tem nada a ver com as duas capacidades.