"O meu sonho é esse. Eu quero transformar Quelimane na capital africana da bicicleta e estamos a desenvolver várias políticas públicas", disse à agência Lusa o autarca da maior cidade e capital da província da Zambézia.

Em entrevista à agência Lusa, na Figueira da Foz, durante uma visita de vários dias a Portugal, Manuel de Araújo frisou que Quelimane "é a capital da bicicleta em Moçambique", um 'título' que começou a ganhar forma durante o seu primeiro mandato na autarquia, quando foi eleito, por apenas 18 meses, nas eleições intercalares de 2011.

"Usei a bicicleta como instrumento de campanha. Trazer a bicicleta para o centro da política municipal, para o centro da governação", afirmou.

Conta que os primeiros a terem de ser convencidos das vantagens do uso da bicicleta foi o seu 'staff' de campanha: "A forma que um candidato tinha para mostrar que tinha muitos apoiantes, naquela altura, era a quantidade de carros que tinha na rua", lembrou.

Por outro lado, quem andava de bicicleta em Quelimane "era visto como pária, visto como pobre. Uma espécie de cidadão de segunda ou até de terceira", sustenta Manuel de Araújo.

Tendo usado a bicicleta "como veículo e instrumento de campanha" eleitoral, isso permitiu uma redução dos custos de combustível, gasolina e gasóleo, em "60 a 70%", notou, sublinhando que em Quelimane "a bicicleta venceu o carro".

Convencida a equipa de campanha, que aceitou a novidade "de forma muito relutante", a bicicleta passou a ser "um instrumento de inclusão e de proximidade às pessoas".

Manuel de Araújo deu o exemplo e passou a ir de casa para a Câmara Municipal de bicicleta "sem complexos" e a circular em duas rodas pelo município, tomando como exemplos o primeiro-ministro britânico Boris Johnson e vários governantes de países do norte da Europa.

Atualmente no seu terceiro mandato como presidente do município de 400 mil habitantes -- foi reeleito em 2013 pelo Movimento Democrático de Moçambique e, em 2018, candidatou-se pela Renamo [Resistência Nacional Moçambicana] e voltou a vencer as eleições -- Manuel de Araújo, 51 anos, tem nos primeiros três quilómetros de ciclovia, atualmente em construção, um sonho que espera ver concretizado a 21 de agosto, por ocasião da celebração dos 80 anos da cidade de Quelimane.

"É a primeira ciclovia de Quelimane e a primeira de Moçambique", destacou o autarca, lembrando que a própria capital, Maputo, "não tem um metro de ciclovia".

Sem dinheiro para executar a obra, recebeu uma ajuda financeira de Portugal, no âmbito da Aliança para a Descarbonização dos Transportes, organismo que tem sede em Lisboa, e da qual Quelimane passou a ser membro, depois de um encontro e de um acordo assinado em Maputo com o ministro do Ambiente português, João Pedro Matos Fernandes.

"Os 23 mil euros foram-nos dados pelo Fundo Ambiental de Portugal. Lançamos um concurso e estamos a construir a primeira ciclovia de Moçambique", reafirmou.

Em Quelimane, segundo Manuel de Araújo, para além de um meio de transporte, a bicicleta "passou a ser um instrumento de inclusão e de emprego", com cerca de cinco mil jovens "que têm o seu emprego" devido ao veículo de duas rodas, adaptado ao transporte de um passageiro.

"O meio de transporte público mais usado na cidade de Quelimane é o táxi-bicicleta", revelou o autarca, explicando que a zona traseira do veículo, atrás do selim -- que, em alguns modelos elétricos, em Portugal e noutros países, é ocupada pela bateria -- na cidade moçambicana é transformada num segundo assento.

"Andar de bicicleta em Quelimane passou a ser moda, as pessoas sentem orgulho. E os ciclistas, que eram desprezados pela polícia, hoje os munícipes de Quelimane chamam-lhes 'os filhos do Araújo' (...) E na África austral, nos países de expressão inglesa, eu tenho o cognome de 'cycling man', o presidente do município que anda de bicicleta", observou.

Na recente visita a Portugal, Manuel de Araújo firmou vários acordos de cooperação em áreas como a formação ou a mobilidade, entre outras, com as autarquias de Coimbra, Leiria, Cantanhede ou Águeda, o município do distrito de Aveiro que tem tradição industrial nos velocípedes.

"Um dos meus sonhos era conseguir a instalação de uma dessas fábricas [em Quelimane]. É como um namoro, é um processo, conseguir um investimento para uma fábrica de bicicletas, nem que fosse de montagem, lá", referiu.

Nesta viagem à Europa, Manuel Araújo -- que fez um mestrado e doutoramento em Londres, onde viveu 10 anos - deslocou-se ainda a França - a Paris, Marselha e Grenoble, a chamada Capital Verde europeia - no intuito de ali conhecer as intervenções e projetos em curso: "Quero ser capital verde africana, fui para lá para me inspirar neles", revelou.

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