Arranja este sábado em Serralves, no Porto, a 33ª edição do festival Jazz no Parque, evento que conta, uma vez mais, com a curadoria artística de Rodrigo Amado, nome central no jazz nacional e na cena internacional de músicas criativas. “Numa altura em que a arte contemporânea se encontra ‘sitiada’ por uma profunda crise a nível mundial, com origem nos temas incontornáveis da guerra e das alterações climáticas, o Jazz no Parque dá continuidade a uma aposta em projetos que desafiam as convenções e expandem os limites estilísticos do género”, explica o saxofonista.

Esse desafio de convenções ficará patente logo no primeiro dia do programa em que duas mulheres, a pianista polaca Marta Warelis, que se apresenta a solo (17h) e a saxofonista alemã residente em Nova Iorque Ingrid Laubrock, à frente de um novo trio com Michael Formanek no contrabaixo e Jim Black na bateria (18h30), assumem a dianteira numa programação que também volta a apostar forte em talento nacional: no segundo dia, domingo, a vocalista Mariana Dionísio e o baterista João Pereira dialogam em “Tracapangã”, inventando sons, palavras e ritmos numa viagem ao desconhecido (18h); e o premiado baterista Mário Costa estreia novo trio com os reputados Bruno Chevillon no contrabaixo e Emile Parisien no saxofone, antecipando novo projecto “Homo Sapiens”.

“A projeção internacional da cena lusa é cada vez maior e isso é visível na programação deste ano” Rodrigo Amado

À BLITZ, Rodrigo Amado adianta que a sua intenção, que também o tem guiado na conceção dos programas nas edições anteriores deste Jazz no Parque, passa por dar atenção a projetos “que se destacam pela urgência e criatividade, projetos ou músicos com percursos que estão a acontecer agora, cuja música está ligada ao momento presente”. O saxofonista refere ainda que tal impulso resulta de natural inquietação: “Como músico, mas também como ouvinte, estou num espaço permanente de pesquisa musical, a tentar perceber quais são os grupos e músicos mais consistentes e relevantes. De todos esses, interessam-me particularmente projetos que cruzam diferentes linguagens e influências, conseguindo chegar a uma música genuinamente contemporânea, onde são bem visíveis as raízes que a alimentam. Interessam-me também, no caso de Serralves, projetos que mantenham uma clara, mesmo que ténue, ligação ao jazz.”

O programador não esconde também que a “forte limitação orçamental” a par da “aposta inequívoca” no talento gerado dentro de portas são outros vetores que ditam o desenho do cartaz, tal como “a vontade grande de reforçar os laços com a comunidade musical local do Porto”. Deixa claro que não faz quaisquer favores ao músicos portugueses que programa, nem quaisquer concessões a possíveis expectativas do público e fala de uma cena musical nacional de elevada craveira: “O nosso país sempre teve hábitos de audição bastante saudáveis e de amplo espectro, particularmente se compararmos com outros países do sul da Europa como Espanha, Itália ou Grécia”, refere o músico.

“Claro que, no que ao jazz ou outras músicas criativas diz respeito, estamos sempre a falar de um grupo restrito de pessoas. Mas esses núcleos são sempre muito importantes e cumprem uma função formativa. Ao longo das últimas edições do Jazz no Parque fui frequentemente surpreendido pela receptividade demonstrada pelo público relativamente a projectos mais exigentes, menos convencionais. Lembro-me por exemplo do concerto da Camila Nebia e Sofia Borges no palco do ténis. Apenas saxofone e bateria num diálogo musical intenso e complexo, com uma enorme componente de improvisação. O público estava nitidamente ligado à música e todos ficaram até ao fim. Em relação ao jazz que se faz no nosso país, parece-me claro que estamos a atravessar um período excepcional, a nível criativo e a nível de consistência e relevância. A projeção internacional da cena lusa é cada vez maior. E isso é visível na programação deste ano”.

O saxofonista Rodrigo Amado, programador do Jazz no Parque
O saxofonista Rodrigo Amado, programador do Jazz no Parque Expresso

“Aqui o espaço deve servir a música e não o contrário” Rodrigo Amado

O segundo fim de semana de Jazz no Parque manterá a elevada qualidade da música que ressoará nos espaços exteriores de Serralves com concertos no dia 13 do trio The Selva – com Ricardo Jacinto no violoncelo, Gonçalo Almeida no contrabaixo e Nuno Morão na bateria – (17h00) e ainda do guitarrista Marcelo dos Reis, que aí apresentará o seu trabalho “Flora” com a ajuda de Miguel Falcão no contrabaixo e de Luís Filipe Silva na bateria (18h30). O programa 2024 de Jazz no Parque conclui-se dia 14, com um espetáculo final (18h30), designado “Arbol Adentro”, título de um registo lançado pela portuense Porta-Jazz e assinado pelo contrabaixista argentino há muito residente em Portugal Demian Cabaud. O coletivo liderado por Cabaud inclui uma série de veteranos da dinâmica cena da Invicta: João Pedro Brandão no saxofone alto, José Pedro Coelho no saxofone tenor, João Grilo no piano e Marcos Cavaleiro na bateria.

O esplendor de todas estas inventivas músicas na relva de Serralves é imagem que não passa despercebida a Rodrigo Amado que admite que o evento que programa acontece num “cenário realmente privilegiado”: “Quem já passou pelos Jardins de Serralves num fim de tarde de Verão sabe do que falamos. Mas na realidade, ao programar, penso primeiro na música. É apenas depois de ter os grupos / músicos escolhidos que vou então pensar quais os concertos mais adequados ao Auditório do Museu, normalmente espectáculos mais intimistas, com uma componente acústica mais delicada, e quais os mais indicados para o palco exterior do ténis, normalmente projetos mais expansivos. Penso que aqui o espaço deve servir a música e não o contrário”.