
Os carros com um design arrojado e surpreendente agilidade, transportavam o condutor a viver num mundo virtual as emoções de cada aceleração, travagem e ultrapassagem. Em 1994, o videojogo Ridge Racer revelou-se uma máquina de arranques no mundo digital. Lançado pela empresa japonesa de videojogos Namco, o jogo serviu como porta de entrada para uma nova era no entretenimento doméstico. Ridge Racer expandia para o ambiente doméstico a experiência arcade de jogos simples, de curta duração e viciantes que pululavam nos salões de jogos.
O jogo apresentava pistas repletas de curvas desafiantes e barreiras que exigiam o verdadeiro sentido de condução. Fora do ambiente virtual, Ridge Racer significava também uma alfinetada nos que duvidavam da era dos gráficos 3D. A jogabilidade ia direta ao ponto: escolher o carro, alinhar o volante e partir à caça da vitória, com o temporizador a marcar cada segundo precioso. A banda sonora vibrante ajudava a compor o ritmo da corrida. Naquela primeira metade da década de 1990, Ridge Racer mimetizava um Cavalo de Troia: entrava nas nossas vidas à boleia de uma das mais icónicas consolas.
Antes, a década de 1980 fora decisiva para a indústria dos videojogos, marcada por rápidos avanços tecnológicos e pela popularização dos jogos eletrónicos em todo o mundo. A “idade de ouro dos árcades” ‘minerou’ títulos icónicos como Pac-Man, Donkey Kong e Space Invaders. Divertimento nos ecrãs que enxameavam os ruidosos salões de jogos enquanto capturavam a imaginação e a atenção de milhões de utilizadores.
Nas casas, os videojogos começaram a ganhar terreno com consolas como a Atari 2600, lançada em 1977, que permitiu levar a experiência dos arcades para a sala de estar. Apesar do colapso do mercado norte-americano de videojogos em 1983, devido a uma oferta de baixa qualidade, a indústria recuperou rapidamente graças ao sucesso da consola Nintendo Entertainment System (NES), lançada em 1985. Este sistema trouxe uma nova geração de jogos com melhor qualidade e personagens memoráveis como Mario, devedor do jogo-sucesso Super Mario Bros.
Paralelamente, os computadores pessoais começaram a entrar na equação, oferecendo novas possibilidades para jogos mais complexos e diversificados, incluindo estratégias e aventuras.

O nascimento de um gigante
O nascimento da PlayStation ganhou contornos de obra de ficção, marcado por reviravoltas, parcerias falhadas e um golpe de sorte que levou a japonesa da eletrónica e tecnologia Sony a tornar-se um dos gigantes da indústria. Para lhe traçarmos o início há que recuar até aos finais da década de 1980 e dealbar da década seguinte. Na época, a Sony procurava expandir a sua influência no mercado dos videojogos. A empresa nascida em 1945 chegou a desenvolver uma parceria com a já referida Nintendo, fundada em 1889, então uma fabricante de cartas de jogo tradicionais japonesas chamadas hanafuda. Com o tempo, a Nintendo reinventou-se várias vezes — até se transformar, a partir dos anos 1970, numa das principais potências da indústria dos videojogos.
À Sony, a Nintendo pedia um acessório para a Super Nintendo Entertainment System (SNES), que permitisse a leitura de discos compactos (CD-ROMs), uma tecnologia emergente na época (o projeto Play Station). Um ‘casamento’ entre dois titãs do “país do sol nascente” que assumiu laivos de traição no início da década de 1990.
O palco para a reviravolta na parceria Sony/Nintendo deu-se nos Estados Unidos da América, em Las Vegas, no decorrer do CES (Consumer Electronics Show) uma das maiores e mais importantes feiras de tecnologia do mundo. Em 1991, os olhos de dezenas de milhares de visitantes, saltitavam com energia pueril perante novidades como o Sega Game Gear, um sistema portátil de jogos, a Digital Compact Cassette (DCC), a oferecer uma qualidade de áudio superior às cassetes analógicas digitais; ou o Data Discman, um dispositivo portátil que permitia a leitura de livros digitais armazenados em CDs de 3,5 polegadas.
No palco de todas as inovações tecnológicas e digitais, serviu a um anúncio inesperado da Nintendo. Com pompa e muita circunstância, a japonesa dava conta da parceria com a neerlandesa Philips, empresa dedicada à eletrónica de consumo. A Sony via-se arredada da parceria milionária com a sua congénere japonesa num momento em que já havia desenvolvido um protótipo funcional da consola. Uma história aprofundada no livro do jornalista e escritor americanos Steven L. Kent – The Ultimate History of Video Games.
Da humilhação nasceu o sucesso
Da humilhação pública no CES de 1991, nasceria quatro anos depois a consola que até à data ultrapassou, em vendas, as 581 milhões de unidades (número acumulado de todas as versões de consolas da Sony de acordo com dados disponibilizados pela empresa no seu site oficial). Valeu à Sony, a perseverança e teimosia do engenheiro japonês Ken Kutaragi. No currículo deste homem nascido em 1950, figura um episódio com mácula. A trabalhar na Sony, Kutagari desenvolveu secretamente um chip para a Super Nintendo. Ter-lhe-á valido o talento a evitar o despedimento quase certo por parte do CEO da empresa Norio Ohga.
Kutaragi insistiu em dotar a PlayStation de capacidades gráficas 3D, um aspeto revolucionário na época. Esta aposta não só atraiu grandes estúdios de desenvolvimento, como também mudou para sempre o design e a experiência dos videojogos. Concebida para explorar o potencial dos CDs, a PlayStation oferecia melhor qualidade de áudio, gráficos mais detalhados e jogos muito mais envolventes do que os tradicionais cartuchos.
Apesar de ser conhecido como um génio difícil, teimoso e autoritário — características que mais tarde se refletiriam em decisões arriscadas no desenvolvimento da PS3 — o legado de Kutaragi é indiscutível. Este engenheiro criou a linha PlayStation, incluindo a PS2, a consola mais vendida de sempre.

O lançamento no Japão e a chegada ao ocidente
Na manhã fria de 3 de dezembro de 1994, centenas de pessoas formaram filas à porta de lojas de eletrónica em Tóquio e outras metrópoles nipónicas. Fruto de uma estratégia de marketing agressiva e de uma forte aposta na facilidade de desenvolvimento para os criadores de jogos, a Sony apaladara o prato rico de tecnologia e jogabilidade que tinha para oferecer aos consumidores asiáticos. No primeiro dia, cerca de 100.000 unidades da PlayStation viajaram para as mãos dos compradores. Enquanto a Sega Saturn, a sua principal concorrente, oferecia um hardware mais complexo, a PlayStation destacava-se pela sua arquitetura amigável, permitindo às produtoras criar experiências inovadoras sem grandes entraves técnicos.
O sucesso no Japão abriu caminho para o lançamento no Ocidente. Nos Estados Unidos, a consola chegou a 9 de setembro de 1995, com uma apresentação prévia no Electronic Entertainment Expo (E3). Neste salão de videojogos realizado anualmente em Los Angeles, a Sega anunciou que a sua nova consola, a Saturn, seria lançada de imediato por 399 dólares. Em resposta, a Sony simplesmente subiu ao palco e anunciou o preço da PlayStation: 299 dólares, recorda a GamePro Magazine, na sua edição de setembro de 1995. O momento marcaria um ponto de viragem, com muitos jogadores e lojas a optarem pela consola da Sony devido ao preço mais acessível e ao melhor suporte para desenvolvedores.
Na Europa, a PlayStation contou com lançamento a 29 de setembro de 1995. Embora os dados referentes a vendas na Europa Ocidental sejam escassos, no final de 1996, as vendas no velho continente totalizaram 2,2 milhões de unidades. A PlayStation encontrou um mercado ansioso por uma alternativa às ofertas da Sega e da Nintendo. Tal como nos Estados Unidos, pesou na escolha dos consumidores o preço de lançamento competitivo e um alinhamento de jogos apelativo.

O impacto e o legado
A PlayStation introduziu várias inovações que redefiniram a indústria dos videojogos. A utilização de CDs permitiu o desenvolvimento de títulos com histórias mais ricas e visuais impressionantes para a época. Títulos como Final Fantasy VII, Gran Turismo, Metal Gear Solid e Resident Evil tornaram-se clássicos.
Outra grande inovação foi o comando DualShock, lançado em 1997, que introduziu vários padrões que se tornariam comuns nos controladores de consolas futuras, incluindo a vibração e os dois sticks analógicos.
Três décadas após o lançamento da primeira consola, a PlayStation continua a ocupar um lugar relevante no panorama dos videojogos. A trajetória da Sony neste setor reflete não só sucessos comerciais e inovações tecnológicas, mas também erros de avaliação, disputas estratégicas e transformações nos hábitos de consumo digital desde os anos 1990.
Lançada em 2000, a PlayStation 2 consolidou a presença da Sony na indústria. A integração de DVDs, numa altura em que o suporte começava a substituir o VHS, contribuiu para a aceitação do mercado. O catálogo diversificado e o contexto favorável — com os videojogos a afirmarem-se como forma dominante de lazer entre os mais jovens — ajudaram a tornar a PS2 a consola mais vendida da história. Títulos como Shadow of the Colossus ou Gran Turismo 4 demonstraram as possibilidades técnicas da época.
A geração seguinte revelou mais dificuldades em angariar as simpatias dos consumidores. A PlayStation 3, lançada em 2006, sofreu com um preço inicial elevado e uma arquitetura complexa, que dificultou a adaptação por parte dos estúdios. A aposta na leitura de Blu-ray ajudou a impulsionar esse formato, mas a consola demorou a afirmar-se comercialmente, em parte devido à forte concorrência da Xbox 360. Ainda assim, deste período emergiram séries com peso cultural duradouro, como Uncharted ou The Last of Us, que ajudaram a redefinir as expectativas em torno das narrativas nos videojogos.

Com a PS4, apresentada em 2013, a Sony adotou uma estratégia mais pragmática, facilitando o trabalho dos criadores e focando-se numa oferta acessível e tecnicamente sólida. O resultado foi um crescimento sustentado, com a consola a liderar as vendas na sua geração, embora a paisagem digital começasse já a mostrar sinais de mudança com o avanço do jogo em nuvem e os serviços por subscrição.
A chegada da PS5, em 2020, coincidiu com a pandemia e revelou novas tensões na distribuição e no acesso ao hardware. A escassez de componentes e a especulação nos preços tornaram a consola, em muitos mercados, um bem de difícil acesso. Apesar disso, o desempenho técnico e as inovações do comando DualSense foram bem recebidos tanto por jogadores como por críticos.
Mais do que uma série de dispositivos, a PlayStation consolidou-se como uma marca cultural. As suas personagens e universos ganharam visibilidade fora do panteão dos videojogos, refletindo a crescente interseção entre tecnologia, entretenimento e identidade digital.