Ao décimo primeiro filme da série James Bond, o agente secreto “a serviço de sua majestade” deixou a segurança da atmosfera do planeta Terra para se embrenhar na microgravidade em órbita ao nosso planeta. Em 007 – Aventura no Espaço (Moonraker, no título original), película de 1979, o ator Roger Moore tem em mãos mais uma missão contra o mal: a corporação Drax Industries ameaça a existência da humanidade com as toxinas produzidas por uma orquídea rara da Amazónia.

A partir do livro assinado pelo escritor britânico Ian Fleming, o realizador Lewis Gilbert, enreda 007 numa teia que o leva da Califórnia a Veneza, do Rio de Janeiro à floresta amazónica e ao espaço. A década de 1970 revelou-se profícua em aventuras espaciais. Os estúdios cinematográficos competiam não só pelas estrelas do firmamento, também as procuravam no panteão da Sétima Arte. A saga Star Wars enchia salas de cinema. Os argumentistas da série 007 quiseram entrar nessa competição. Na época, escolheram um painel de consultores científicos. Havia que levar alguma credibilidade às ações espaciais do agente secreto britânico. Entre estes consultores para as ciências do espaço encontrava-se um jornalista, correspondente do jornal americano Christian Science Monitor, também membro da Royal Astronomical Society, Eric Burgess. Entre os muitos contributos que Burgess deixou para a popularização e divulgação dos segredos do universo, um materializou-se à boleia de uma das mais emblemáticas missões de exploração espacial da NASA. Na década de 1950, os Estados Unidos queriam libertar a humanidade dos grilhões da gravidade terrestre, estudar a órbita do nosso planeta e testar tecnologias para futuras missões interplanetárias. Neste contexto nascia o Programa Pioneer e, com ele, duas missões dos anos de 1970 que, hoje, volvidas mais de cinco décadas, mantêm o seu rumo fora do nosso Sistema Solar. À boleia das sondas espaciais Pioneer 10 (1972) e Pioneer 11 (1973) viaja uma “carta” endereçada pela humanidade a uma hipotética civilização extraterrestre.

Longe, a uma distância que será, no presente, de 16 milhares de milhões de Km do Sol, navega no mar cósmico o testemunho idealizado no início da década de 1970 por Eric Burgess. O jornalista e cientista amador acreditou que as sondas Pioneer poderiam carregar uma mensagem da humanidade, uma placa com indicações precisas sobre a nossa localização no Universo. Uma intenção que se corporizou num encontro com o astrónomo e divulgador científico Carl Sagan (autor da série televisiva Cosmos – Uma Viagem Pessoal e do livro que lhe sucedeu), então diretor do laboratório de estudos planetários da Universidade Cornell, em Nova Iorque e também consultor da NASA.

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pioneer 11 A placa revestida a ouro que segue a bordo da sonda espacial Pioneer 11. Antes, uma placa análoga foi colocada a bordo da sonda Pioneer 10. créditos: Wikimedia Commons

Projetada por Carl Sagan e Frank Drake (diretor do Centro Nacional de Astronomia e Ionosfera), com ilustrações da então mulher de Sagan, a ilustradora Linda Salzman Sagan, a placa com uma liga de alumínio anodizado (processo que aumenta a resistência à corrosão) em ouro foi concebida como uma mensagem pictórica inscrita numa pequena superfície, com 152 mm de altura por 229 mm de largura. Fixadas no exterior das sondas, protegidas da erosão da poeira interestelar as placas a pesar cerca de 120 g, vogam rumo à eternidade com a gravação de dois figuras humanas. Um homem e uma mulher nus, inspirados nos desenhos de Leonardo da Vinci e no perfil das estátuas gregas, dão testemunho do corpo humano. O homem ergue a mão num aceno. Revela cinco dedos e um polegar oponível, símbolo da capacidade inventiva dos humanos.  A sonda Pioneer desenhada atrás dos humanos, oferece uma noção de escala. Juntamente com símbolos que indicam a localização da Terra no cosmos, viaja a representação esquemática do sistema solar e a trajetória de cada uma das sondas.

Há 30 anos, a Pioneer 11 e toda a parafernália de equipamentos que carregava a bordo, encimados pela placa qual figura de proa, dava um último adeus à Terra e entregava o seu destino ao espaço interestelar. O movimento da Terra levou-a para fora do alcance da antena da sonda, que não podia ser manobrada para voltar a apontar para o nosso planeta. Nas décadas anteriores, a Pioneer 11 conquistara um estatuto único, o do primeiro objeto construído pela humanidade a sobrevoar Saturno e a enviar imagens das regiões polares de Júpiter. Entretanto, afastava-se da Terra a uma velocidade de cerca de 52.000 Km/h. A 30 de setembro de 1995, a NASA encerrou as operações de rotina à Pioneer 11 devido à crescente distância da sonda e à diminuição da potência dos seus transmissores. Na época, o administrador da NASA, Daniel Goldin, descreveu num comunicado de imprensa a Pioneer 11, uma " pequena sonda, mas uma exploradora veterana que nos ensinou muito sobre o Sistema Solar e, no final, sobre a nossa própria vontade inata de aprender”.

A 24 de novembro de 1995, a Terra recebeu os últimos dados proveniente da Pioneer 11, então a 6,6 mil milhões de quilómetros de distância do nosso planeta. Presentemente, não se sabe se a Pioneer 11 ainda está a transmitir algum sinal.

Entre 1979 e o ano de 1995, o do último sinal da Pioneer 11, há uma história para contar. Ei-la nas linhas seguintes.

A era Pioneer

Nas décadas de 50 e 60 do século XX, as primeiras missões Pioneer subiam aos céus com o intuito de estudar a órbita terrestre e testar tecnologias para futuras missões interplanetárias. Para tal, houve que alcançar a velocidade de escape da Terra, de aproximadamente 11,2 Km/s (cerca de 40.270 Km/h). Significa isto que qualquer nave ou objeto lançado da superfície da Terra precisa atingir a velocidade indicada para escapar à influência gravitacional do planeta sem precisar de mais aceleração.

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pioneer 11 A sonda posicionada no foguetão que a levaria para fora da órbita terrestre. Wikimedia Commons

Algumas das primeiras tentativas falharam aquando do lançamento, mas outras alcançaram marcos importantes na conquista espacial: a Pioneer 5 (1960) estudou o espaço entre a Terra e Vénus, enviando dados sobre partículas solares e campos magnéticos. As sondas Pioneer 6 a 9, lançadas entre 1965 e 1968, formaram uma frota de observação do vento solar e da atividade solar em órbitas ao redor do Sol, funcionando durante décadas. Embora menos famosas, estas missões foram essenciais para compreender o ambiente espacial e preparar as explorações mais ambiciosas que se seguiriam.

Em 1977, a NASA lançou as sondas Voyager 1 e Voyager 2 numa missão para explorar os confins do Sistema Solar e mais além. A bordo de cada uma destas sondas seguiu um objeto especial: o Disco de Ouro da Voyager, um "mensageiro" da humanidade para possíveis civilizações extraterrestres. O disco, de cobre revestido a ouro, contém uma seleção de sons, imagens e mensagens que representam a diversidade da vida e da cultura terrestre. Inclui saudações em 55 idiomas, sons da natureza como o som do vento e do mar, músicas de diferentes culturas (desde Bach a Chuck Berry) e uma coleção de 116 imagens da ciência à tecnologia e à vida na Terra. O projeto foi coordenado pelo astrónomo Carl Sagan. Atualmente, as sondas Voyager já deixaram o Sistema Solar e viajam pelo espaço interestelar.

No ano de 1969, foi aprovado o projeto para a construção das sondas Pionner 10 e a 11. Ambas traziam objetivos talhados: estudar o Sistema Solar externo; estudar o espaço interplanetário para além da órbita de Marte; investigar a natureza do cinturão de asteroides; explorar o ambiente de Júpiter. Objetivos que acabariam por ser redefinidos: mapear o campo magnético de Saturno, sondar o sistema de anéis e a atmosfera de Saturno, determinar a massa daquele gigante gasoso, assim como a dos seus satélites maiores.

A 6 de abril de 1973, a NASA lançou a partir de Cabo Canaveral, na Flórida, a sonda Pioneer 11. Embora inicialmente concebida como uma missão de backup da Pioneer 10, a Pioneer 11 rapidamente ganhou destaque por alcançar marcos inéditos na história da exploração espacial. Uma sonda concebida para resistir às adversidades do espaço profundo, equipada com seis propulsores de 4,5 newtons cada e a recorrer a hidrazina (composto químico altamente reativo usado principalmente como propelente em foguetes e satélites) como combustível. Para orientação, a sonda dependia da estrela Canopus e de dois sensores solares.

A comunicação com a Terra era mantida através de um sistema redundante de transcetores (simultaneamente transmissores e recetores), ligados a diferentes antenas. Nos seus interstícios mecânicos, a sonda possuía uma unidade de armazenamento de dados capaz de gravar até 6.144 bytes de informações (o equivalente atual a um pequeno documento de texto com algumas páginas) captadas pelos instrumentos científicos a bordo.

Pioneer 11
Pioneer 11 créditos: Wikimedia Commons

Uma saga no Sistema Solar

Na sua longa viagem, a Pioneer 11 colecionou feitos. A 19 de abril de 1974, completou a travessia do Cinturão de Asteróides, sagrando-se a segunda sonda a ultrapassar com sucesso aquela região entre Marte e Júpiter, tida como intransponível, dada a alta densidade de detritos espaciais. Ali, orbitam milhões de corpos rochosos e metálicos de tamanhos variados. Despojos com 4,5 mil milhões de anos resultantes de material que nunca se uniu para formar um planeta, devido à influência gravitacional de Júpiter. Entre os maiores objetos desta região estão Ceres, um planeta anão, e os asteroides Vesta, Pallas e Hygiea.

Momentos-chave da missão Pioneer 11

6 de abril de 1973 – Lançamento da sonda pela NASA.

Julho de 1974 – Primeira passagem pela cintura de asteroides.

4 de dezembro de 1974 – Primeira sonda a sobrevoar Júpiter, enviando imagens e dados da sua atmosfera e magnetosfera.

1 de setembro de 1979 – Primeira sonda a sobrevoar Saturno, passando a 21.000 Km da sua atmosfera e estudando os anéis e luas.

1983 – Torna-se o segundo objeto feito pelo homem a ultrapassar a órbita de Plutão.

1995 – Última comunicação recebida da sonda.

No presente – Segue em direção ao espaço interestelar, sem contacto com a Terra.

Ainda no ano de 1974, em dezembro, a sonda realizou um sobrevoo próximo do planeta Júpiter (A Pioneer 10 foi a primeira a visitar Júpiter em 1973), fornecendo imagens detalhadas e dados valiosos. Rente ao gigante gasoso, a Pioneer 11 captou imagens detalhadas da Grande Mancha Vermelha, uma gigantesca tempestade anticiclónica na atmosfera do planeta, maior do que a Terra e ativa há pelo menos 350 anos. No âmago da tempestade colossal, os ventos podem atingir os 500 Km/h. Crê-se que a coloração avermelhada da mancha se relaciona com reações químicas entre compostos de amoníaco e hidrocarbonetos na alta atmosfera. De Júpiter, a Pioneer 11 endereçou à Terra as primeiras imagens das imensas regiões polares e determinou a massa da lua Calisto. Utilizando a gravidade de Júpiter para ajustar a sua trajetória, a Pioneer 11 seguiu em direção a Saturno.

Dia 1 de setembro de 1979. A Pioneer 11 tornou-se a primeira sonda a sobrevoar Saturno, passando a 21.000 Km acima das nuvens superiores do planeta a uma velocidade de 114.000 Km/h.

Nas semanas em que se manteve na proximidade de Saturno, até outubro de 1979, a Pioneer 11 fez-se mensageira e descobridora dos mistérios do planeta. À Terra chegava uma catadupa de imagens – mais de 400 no total – dos anéis de Saturno e dos seus satélites naturais. Dos dados recolhidos, os cientistas avaliaram a atmosfera do planeta, constituída principalmente por hidrogénio. Por seu turno, imagens da lua de Saturno, Titã, revelaram um globo laranja envolto em nuvens, com uma temperatura global de - 192ºC. A Pioneer 11 descobriu ainda duas novas luas – Janus e Mimas – e um novo anel a orbitar Saturno, o Anel F. um dos mais estreitos e dinâmicos do planeta, localizado na orla externa do sistema principal de anéis.

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pioneer 11 Imagem captada pela Pioneer 11 do planeta Júpiter. Em primeiro plano vê-se a Grande Mancha Vermelha. Wikimedia Commons

Após abandonar as cercanias de Saturno, a Pioneer 11 cumpriu o seu destino rumo às fronteiras externas do Sistema Solar. Fê-lo numa direção oposta da sua antecessora, a Pioneer 10, em direção ao centro da galáxia, na direção da constelação de Sagitário.  A 23 de fevereiro de 1990 cruzou a órbita de Neptuno. Acreditam os cientistas que a Pioneer 11 encontre o limite da heliosfera (uma vasta região do espaço que envolve o Sistema Solar e que é influenciada pelo vento solar — um fluxo contínuo de partículas carregadas emitidas pelo Sol), onde o vento solar desacelera e forma um “choque de terminação” (espaço onde o vento solar começa a diminuir drasticamente de velocidade), além do qual encontra a heliopausa. Esta é a fronteira final da heliosfera. Em 2003, um último esforço de comunicação com a Pioneer 10 resultou num fraco sinal detetado, mas nenhuma tentativa semelhante foi bem-sucedida com a Pioneer 11.

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pioneer 11 A viagem da Pioneer 11 inspirou artistas plásticos. Aqui, a passagem da sonda pelos anéis de Saturno. Wikimedia Commons

Um pulo de 4 milhões de anos

Na sua longa viagem, estima-se que dentro de 14.000 anos, a Pioneer 11 ultrapassará os limites da Nuvem de Oort, uma região distante e esférica que envolve o Sistema Solar, composta por milhares de milhões de objetos gelados. Acredita-se que seja a origem dos cometas de longo período, como o Halley, sendo essencial para entender a formação do Sistema Solar. Embora nunca tenha sido observada diretamente, a sua existência é inferida pelo comportamento dos cometas. É uma das últimas fronteiras do nosso sistema, um verdadeiro "armazém de cometas" no espaço profundo. Uma região que começa a cerca de 2.000 vezes a distância Terra-Sol (2.000 UA) e pode-se estender até 100.000 UA. O mesmo é dizer que pode ir até aproximadamente um ano-luz de distância.

Atualmente, a sonda dirige-se para a estrela Lambda Aquilae na constelação da Águia (Aquila), a noroeste da constelação de Sagitário. Uma meta futura que nos remete para as grandes escalas de tempo. Estima-se que, dentro de cerca de 4 milhões de anos, a Pioneer 11 passe perto de uma das estrelas da referida constelação. Uma curta viagem no vasto campo universal.

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