"Podemos dizer definitivamente que estas secas estão a provocar um aumento do conflito 'jihadista'", disse à Lusa o investigador Eoin McGuirk, da Universidade de Tufts, em Massachusetts, nos Estados Unidos da América, após apresentar os resultados da sua investigação na Conferência Novafrica 2022 sobre Desenvolvimento Económico, que terminou hoje na Nova School of Business & Economics, no concelho de Cascais.

Na sua intervenção, o cientista explicou que, tradicionalmente, as comunidades de pastores nómadas e os agricultores sedentários têm uma relação de simbiose.

Na época das chuvas os pastores mantêm o gado numa faixa semiárida em torno da zona tropical mais húmida da África Ocidental e na época seca levam os animais para a zona tropical, onde estão os agricultores que já terminaram as colheitas e onde o gado ajuda a limpar os terrenos e a fertilizar a terra, regressando depois à zona semiárida.

O que tem acontecido com o aumento das secas, provocadas pelas alterações climáticas, é que os pastores se veem obrigados a migrar mais cedo para a zona húmida, antes de as colheitas estarem feitas, e os animais consomem ou destroem os cultivos, pelo que a simbiose dá lugar ao conflito.

"A situação escala, há retaliação, ganha uma dimensão étnica, há armas envolvidas e a crispação transforma-se num conflito civil", descreveu.

Segundo o Africa Center for Strategic Studies, estes conflitos entre pastores e agricultores em África provocaram mais de 15 mil mortos na última década.

Após constatarem que, em quase todos os artigos sobre o conflito entre pastores e agricultores na África Ocidental, havia menções a grupos de extremistas islâmicos, os especialistas decidiram investigar a ligação entre ambos e constataram que "quando há seca numa área de pastorícia e causa conflitos na zona agrícola vizinha, também provoca violência 'jihadista'", explicou McGuirk.

Usando modelos empíricos que cruzam a pluviosidade com o radicalismo islâmico, os cientistas concluíram que há uma relação causal entre a seca e a violência extremista, envolvendo grupos filiados na Al-Qaida ou no grupo extremista Estado Islâmico, afirmou o investigador.

Sublinhando que pode haver outros fatores envolvidos, McGuirk disse ser certo que os conflitos 'jihadistas' são pelo menos parcialmente provocados pelas secas.

"O que isto nos diz, com certeza, é que um choque económico severo -- que é o que se passa com estes grupos de pastores nómadas -- é parte da razão por que o conflito 'jihadista' está a aumentar na região", afirmou.

O facto de as comunidades de pastores nómadas serem maioritariamente muçulmanas (56%) e as comunidades agrícolas serem sobretudo cristãs poderá contribuir para o fenómeno.

"Estes grupos 'jihadistas' estão presentes na zona, estão interessados em recrutar, temos pastores [muçulmanos] extremamente descontentes que estão a sofrer os efeitos da seca, que talvez não estejam a ser protegidos pelo governo central e que são vulneráveis aos avanços dos extremistas. É possível que eles se juntem aos grupos 'jihadistas', que recebam armas em troca e que isto traga uma dimensão mais violenta para o conflito", sugeriu.

Sublinhou que o estudo concluiu também que, se os pastores forem mais envolvidos e tiverem mais poder nas decisões que os afetam, diminui a probabilidade de conflito.

Questionado sobre se este estudo poderá dar pistas sobre o conflito na província de Cabo Delgado, no norte de Moçambique, aterrorizada desde 2017 por rebeldes armados, sendo alguns ataques reclamados pelo grupo extremista Estado Islâmico, McGuirk admitiu que nesse caso haja também um choque económico, no caso a descoberta de gás natural, que terá tornado a violência 'jihadista' mais saliente.

Em ambos os casos, "a lição é que [o extremismo religioso] não apareceu do nada, é parcialmente determinado por mudanças na distribuição de recursos económicos entre grupos", concluiu.

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