
O mote em Portugal já há muito foi dado: pouco importa, pouco importa, se jogamos bem ou mal. Quer dizer, se calhar importa. Contra a Lituânia e contra Liechtenstein não importa muito, mas contra a Dinamarca e contra a França já importa um bocadinho.
Esta coisa de jogar bem também é relativa. Para José Mourinho, treinador de futebol mais direto e de expectativa, jogar bem significa uma coisa. Para Luis Enrique, treinador que privilegia a posse de bola e o jogo posicional, jogar bem é uma coisa completamente diferente.
Infelizmente, ainda não consegui perceber o que é que significa jogar bem para Roberto Martínez, apesar do mesmo ter tentado usufruir da dinâmica Vitinha-João Neves estabelecida pelo seu compatriota. Nesse sentido, se o que vimos em Copenhaga foi uma interpretação do modelo de jogo do Luis Enrique, esperemos que o técnico do Paris Saint-Germain não tenha levado como ofensa pessoal a autêntica catástrofe de exibição da seleção nacional.

Há que realçar, no entanto, que o futebol de seleções é diferente do futebol de clubes. Ainda que as seleções, ao dia de hoje, joguem impreterivelmente todos os meses, tendo em conta jogos a contar para a qualificação do Campeonato Europeu, o Europeu, a qualificação para o Mundial, o Mundial, a Liga das Nações, a Eurovisão e o Torneio Interturmas da Associação de Moradores e Amigos de Vale de Cambra.
No entanto, os selecionadores têm pouco mais de uma semana por mês de trabalho com os jogadores, que muitas vezes nem são os mesmos. É complicado, para qualquer treinador, implementar as suas ideias de jogo a curto-médio prazo.
Por isso mesmo, jogar bem, em contexto de seleções, tem alguma coisa que se lhe diga e pede-se a quem comande que se adapte ao talento individual que tem ao seu dispôr, não descurando o pragmatismo.
Assim, aliando o talento individual que o misto de gerações portuguesas tem e o pragmatismo que o futebol de seleções impõe, jogar bem tem que passar por colocar quem tem mais criatividade em campo, ter a bola o maior período de tempo possível e deixar que o talento individual venha ao de cima, através de um forte coletivo. Para isto, há que proporcionar conforto aos jogadores.

Muitas vezes, ao ver jogos de Portugal, vemos um desfiladeiro entre o médio que se coloca à frente dos centrais na fase de construção para a linha da frente.
Aqui, Portugal precisa de soluções práticas, como referências interiores que funcionem como faróis e que levem a bom porto as caravelas portuguesas, seja através de um médio fixo como João Palhinha (ou até mesmo Vitinha, noutro papel) e/ou de um avançado com capacidade e predisposição para baixar no terreno e jogar de costas para a baliza, como Gonçalo Ramos- entenda-se que jogar de costas para a baliza não significa baixar metros a fio apenas para tocar na bola e voltar à sua posição.
Partindo daqui, urge colocar médios em campo capazes de se colocar nos espaços entre linhas, tanto em terrenos baixos, como em terrenos avançados, de modo a causar desconforto ao adversário, como Bernardo Silva e João Neves são capazes de o fazer, ajudando os protagonistas e sem nunca se assumirem enquanto tal.

Urge dar protagonismo a diferentes indivíduos em diferentes fases do jogo de Portugal: urge existir quem construa desde trás (Vitinha) e que consiga coexistir com alguém que seja exímio no último terço e que seja capaz de definir com qualidade (Bruno Fernandes). Esta foi a fórmula usada pela Argentina, em 2022: Enzo Fernández aparecia à frente dos centrais, enquanto farol e com o objetivo de encontrar Messi em terrenos mais avançados, que ditava o jogo depois da linha do meio campo.
Urge haver criatividade e desequilíbrio vindo dos extremos. As previsíveis arrancadas de Rafael Leão e Pedro Neto não são suficientes para lhes proporcionar o estatuto de titulares indiscutíveis. A irreverência de Trincão, a criatividade de Quenda e o desequilíbrio de Francisco Conceição são armas que a seleção portuguesa deve utilizar mais vezes.
Urge, como acontece, inserir os laterais no desenho ofensivo e que, para tal, se coloquem em campo jogadores com capacidade física e argumentos ofensivos para tal. Nelson Semedo é quase sempre o primeiro a entrar vindo do banco. Pergunto eu, o que deve o lateral do Wolverhampton a Diogo Dalot?

Urge, no fundo, que exista um sistema de jogo focado no futebol apoiado, mas com critério e que nunca desvie o olhar da baliza adversária.
Atualmente, somos espetadores de uma seleção que até faz muitos passes, mas que ainda perde muitas bolas no seu meio campo e, por trás de cada passe, não conseguimos perceber se há uma ideia de realmente ferir o adversário. No fundo, urge fazer valer o talento individual de uma das maiores gerações de sempre do futebol português.
Esta urgência, com muita pena, está há 10 anos à espera de uma consulta. Portugal é, neste momento, uma pintura renascentista ilustrativa da sociedade portuguesa.
Mas bem, e isto que importa?