São milhares a pedalar.
"A minha primeira bicicleta foi oferecida pelo meu marido", emigrante na África do Sul, "para ajudar nas tarefas de casa", diz à Lusa Síria Titosse, mãe de cinco filhos, que passa quase seis horas por dia a levar água e lenha para casa.
Após enfrentar 36 graus a pedalar 50 quilómetros, ida e volta, a moçambicana de 43 anos mantém um sorriso de boa disposição no fim da jornada, sugerindo não haver espaço para preguiça ao avançar para a rotina seguinte.
Síria vai transportar para casa 75 litros de água em três bidões.
É este tipo de tarefas que por tradição lhes cabe que leva as mulheres a não aceitarem um lar sem uma bicicleta.
Uma bicicleta e muita paciência: "Às vezes, vamos às três da madrugada para o fontanário e só conseguimos tirar água ao amanhecer, às cinco. Outras vezes vamos às 12:00 e só temos água às 16:00".
Em Machaze, a bicicleta e os bidões são artigos obrigatórios no lobolo, um dote que por tradição se paga à família da noiva para se poder casar com ela.
"Casar sem bicicleta é complicado", porque a igualdade de género é uma miragem e só com pedais as diferenças são atenuadas, frisa Adélia Nhambe, moradora de Mavonde.
"Primeiro, a mulher pergunta se tem bicicleta ou não. Sem bicicleta não aceitam", explica, numa zona remota, a 80 quilómetros de Chitobe, a sede distrital de Machaze, onde a tradição se mantém enraizada.
"Não aceitam", porque os costumes mandam-nas "carregar água, carregar lenha e ir à machamba", as hortas familiares de subsistência, por vezes distantes das habitações, disse à Lusa.
E se o marido quer ir, apanha boleia, não costuma ser ele a pedalar.
A distância também é um desafio quando a água provoca doenças, quando fica imprópria para consumo e as mulheres têm de procurar alternativas - e também são elas que devem levar as crianças para o hospital.
Elisa Filipe equilibra muita carga à cabeça nas rotinas diárias, mas tanto bidão de água "seria impossível", conta à Lusa, com uma mão no guiador e outra na carga que leva no assento traseiro.
Geralmente pedala num grupo, até uma dúzia de mulheres que fazem os percursos em conjunto.
As bicicletas e os bidões são comprados na África do Sul por mineiros moçambicanos que trabalham naquele país.
É comum ver veículos de transporte coletivo a atravessar a fronteira com reboques sobrecarregados de mercadoria que não existe nas aldeias remotas do país.
Em Moçambique, é preciso pagar taxas para andar de bicicleta, mas em Machaze estão isentas.
"É para facilitar o trabalho doméstico", justifica Queface Fombe, secretário-permanente do governo distrital, numa terra de povoados dispersos, com escassez de água potável, escolas e centros de saúde.
Há perfurações em curso para descobrir fontes, mas muitas vezes não jorra nada, lamenta o dirigente.
Os poucos furos abertos com sucesso atraem milhares de pessoas de várias zonas.
Enquanto se espera por mais água potável e outros serviços públicos, as mulheres de Machaze vão continuar a fazer a vida em cima de bicicletas.
AYAC // VM
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