"Legitimação política desse reconhecimento por meio da atribuição de igual estatuto oficial às duas línguas do país", estabelece a petição, assinada por professores, investigadores, escritores, linguistas, compositores, historiadores ou economistas, cabo-verdianos e conhecedores da realidade de Cabo Verde, de Portugal, Estados Unidos, Brasil ou Guiné-Bissau.

Oos 188 signatários - incluindo o antigo ministro e escritor David Hopffer Almada ou antigo prémios Camões Germano Almeida (2018) - assumem que a petição tem como objetivo "instar as/os candidatos/os a deputadas/os e o futuro Governo [após as eleições legislativas de 18 de abril] a, urgentemente, considerarem as medidas legislativas necessárias à mudança da política linguista para uma mais justa e respeitadora de ecologia linguística da nação cabo-verdiana e dos direitos humanos de natureza linguística".

Entre outros pedidos, defendem a "desocultação da língua cabo-verdiana no sistema de ensino", e "viabilizando a construção de uma base robusta para a aprendizagem consciente da língua materna, da língua segunda e das línguas estrangeiras, e possibilitando o desenvolvimento de uma competência plurilingue e pluricultural, ferramenta indispensável no atual mercado global".

"Reconhecimento do valor pleno das duas línguas do país como património cultural e também como recursos funcionais, sociais e económicos", lê-se.

Acrescentam a necessidade de "abertura à exploração técnica das potencialidades da educação bilingue para a melhoria da eficácia do ensino da língua portuguesa, e das aprendizagens de um modo geral, considerando os resultados positivos de experiências de ensino em contextos linguísticos semelhantes ou mesmo mais complexos".

O Presidente de Cabo Verde, Jorge Carlos Fonseca, que recebeu hoje a petição no Palácio Presidencial, na Praia, instou no ano passado a que se acelerem os mecanismos para concretizar o que está previsto na Constituição da República, numa alusão à oficialização do crioulo cabo-verdiano como língua oficial do país.

A posição foi assumida numa declaração divulgada pelo chefe de Estado a propósito do dia mundial da Língua Materna (21 de fevereiro), instituído pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO, na sigla em inglês), e na qual enaltece a cultura, história e características únicas do arquipélago unidas pela língua crioula cabo-verdiana.

"Por tudo isso, aqui também tem sentido instar a que se acelerem os mecanismos e se apurem os instrumentos de realização da Constituição da República", refere Jorge Carlos Fonseca, ao terminar a declaração.

Em causa está o artigo 9.º da Constituição da República de Cabo Verde, de 1992, que define apenas o português como língua oficial, mas que também prevê que o Estado deve promover "as condições para a oficialização da língua materna cabo-verdiana, em paridade com a língua portuguesa".

Os presidentes dos dois maiores partidos de Cabo Verde, MpD e PAICV, apontam a necessidade de valorizar o crioulo, enquanto elemento de identidade, mas não assumem que seja possível a sua oficialização como língua nacional na próxima legislatura.

As posições foram assumidas em entrevistas à Lusa, no final de março, a propósito das eleições legislativas de 18 de abril, em que os presidentes do Movimento para a Democracia (MpD, no poder), e do Partido Africano da Independência de Cabo Verde (PAICV, oposição), concorrem à liderança do Governo cabo-verdiano na próxima legislatura, sendo que a Constituição do país estabelece que o crioulo deve ser promovido a língua nacional, em paridade com a língua portuguesa.

Ambos os líderes partidários concordam, mas não assumem compromissos para a próxima legislatura para esse efeito, mas com Janira Hopffer Almada, presidente do PAICV, a admitir que os próximos cinco anos serão para "trabalhar" no sentido dessa oficialização.

"Antes de mais é preciso reconhecer-se claramente que a nossa língua nos valoriza, é sinal da nossa cabo-verdianidade, da nossa identidade", aponta, recordando que a morna, classificada desde 2019 como património imaterial da humanidade e eternizada na voz de Cesária Évora, entre outros, é cantada em crioulo, língua derivada do português e falada no dia a dia por todos os cabo-verdianos.

"Eu penso que nós temos de trabalhar, sim, para a valorização e o justo reconhecimento da nossa língua, respeitando-se naturalmente a sua riqueza e as suas variantes", apontou.

Na mesma linha, o presidente do MpD, Ulisses Correia e Silva, que tenta a reeleição como primeiro-ministro nestas eleições, também reconhece que o tempo para essa oficialização ainda não é uma certeza absoluta.

"Não assumo um compromisso taxativo, a dizer que será nesta legislatura [a oficialização como língua nacional]. Há toda uma construção em curso, mais do que o uso da língua, não só o uso da língua, que é natural, a sua oficialização impõe determinadas condições e exigências, nomeadamente no sistema de ensino, a bibliografa, o sistema de ensino e aprendizagem, investimentos que têm de ser feitos, a nossa ligação com o resto do mundo em termos de comunicação", admitiu.

Acrescentou que há "uma construção em curso" até chegar esse dia, mas sublinha que a língua crioula está viva.

"O que é garantido é que esta língua não desaparecerá em nenhuma circunstância, é uma língua viva, utilizada, as pessoas comunicam, compreendem-se. É a língua da nossa relação com a diáspora, da preservação da nossa identidade também na diáspora. Neste particular, acho que há uma boa preservação, agora o passo seguinte é criar todas as condições para que a sua oficialização seja um facto e isso leva o seu tempo", concluiu.

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