"Em hipótese alguma. O Presidente nunca me deu ordens diretas para nada", afirmou Pazuello, ao ser questionado sobre a indicação do uso da cloroquina no tratamento de pacientes com covid-19.

A cloroquina não tem eficácia comprovada contra o novo coronavírus, mas o seu uso é amplamente defendido por Bolsonaro e grupos de médicos que o apoiam no Brasil.

O medicamento recomendado no combate da malária e de doenças como o lúpus teve o uso flexibilizado para pacientes com covid-19 numa portaria divulgada pelo Governo brasileiro em maio passado, início da gestão de Pazuello no Ministério da Saúde.

O uso da cloroquina motivou as demissões de Luiz Henrique Mandetta e de Nelson Teich, dois médicos que antecederam Pazuello no comando da pasta da Saúde.

Em vários momentos do depoimento que prestou na CPI da covid-19 na condição de testemunha e com o direito de ficar em silêncio perante uma decisão judicial para não produzir provas contra si, o ex-ministro reafirmou que todas as decisões tomadas na sua gestão no Ministério da Saúde foram independentes.

"Em momento algum o Presidente me orientou, me encaminhou ou me deu ordem para eu fazer nada diferente do que eu estava fazendo. [...] As minhas posições e minhas ações nunca foram contrapostas pelo Presidente", declarou Pazuello.

A afirmação, porém, contradiz outras declarações públicas de Bolsonaro e de Pazuello sobre outros temas, notadamente a compra de vacinas.

Em 20 de outubro do ano passado, Pazuello confirmou numa audiência virtual com governadores e em nota divulgada pelo Ministério da Saúde que o Governo compraria 46 milhões de doses do imunizante da Sinovac que estava a ser testado no país através de uma parceria da empresa chinesa com o Instituto Butantan, órgão ligado ao Governo do estado de São Paulo.

No dia seguinte à divulgação da compra deste lote de vacinas, porém, Bolsonaro disse a apoiantes que o imunizante não seria comprado.

"Já mandei cancelar [o acordo com o Instituto Butantan]. O Presidente sou eu e não abro mão da minha autoridade", declarou o Presidente brasileiro.

O ex-ministro da Saúde, que estava afastado para se tratar da covid-19, recebeu Bolsonaro no hospital em 22 de outubro e disse num vídeo transmitido pelas redes sociais que houve um mal-entendido.

Pazuello frisou à época, referindo-se à sua posição hierárquica face a do Presidente brasileiro, que, "um manda, outro obedece".

Na CPI da covid-19, porém, o antigo ministro disse que a frase "um manda, o outro obedece" se trata apenas de um 'jargão militar' e negou que Bolsonaro o impediu de comprar vacinas.

"Ele [Bolsonaro] falou publicamente, para o ministério ou para mim nada. Só havia termo de intenção de compra e foi mantido. Uma postagem na Internet não é uma ordem. Ordem nunca foi dada" declarou Pazuello.

O ex-ministro brasileiro também contradisse declarações da Pfizer ao afirmar que deu inúmeras respostas às ofertas de vacinas contra o novo coronavírus feitas pela farmacêutica norte-americana ao Governo do Brasil no ano passado.

Carlos Murillo, presidente da Pfizer para a América Latina, disse em depoimento à CPI que a empresa se ofereceu para entregar vacinas contra a covid-19 ao Brasil no final de 2020 e que o Governo brasileiro ignorou cinco propostas feitas pela empresa antes de começar uma negociação.

Ao ser questionado sobre a compra de vacinas no consórcio Covax Facility, da Organização Mundial da Saúde (OMS), Pazuello alegou que só comprou imunizantes para 10% da população mesmo tendo direito a uma cota maior porque o "risco era muito grande" e considerou o preço das vacinas muito caro.

"A Covax Facility não nos dava nem data, nem cronograma e nem garantia de entrega", afirmou em depoimento à CPI.

Antes de prestar depoimento Pazuello pediu ao Supremo Tribunal Federal (STF) o direito de não responder a perguntas a respeito do trabalho no Ministério da Saúde durante a crise sanitária da covid-19 nesta investigação parlamentar.

O ex-ministro foi convocado para falar na condição de testemunha e, portanto, não poderia se negar a responder às perguntas dos senadores.

Com a decisão do STF, Pazuello poderá ficar em silêncio já que é investigado pelo Ministério Público Federal por improbidade administrativa na crise que deixou hospitais do estado brasileiro do Amazonas sem oxigénio para o tratamento de pacientes com covid-19 em janeiro passado.

Na primeira parte do interrogatório, suspenso para o almoço, o ex-ministro da Saúde não usou o direito de silêncio e, embora tenha sido criticado por falta de objetividade, tem tentado responder às perguntas que lhe são feitas.

A pandemia de covid-19 provocou, pelo menos, 3.406.803 mortos no mundo, resultantes de mais de 164,1 milhões de casos de infeção, segundo um balanço feito pela agência francesa AFP.

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