No âmbito de uma atribulada campanha para as eleições antecipadas de 25 de setembro em Itália, em que os partidos -- a maioria dos quais coligados em dois grandes blocos, de centro-esquerda e centro-direita - parecem cada vez mais dividir-se entre pró e anti-União Europeia, a publicação digital Euractiv Italy falou com Emma Bonino, de 74 anos e com uma longa carreira política nacional e internacional, sempre sob a bandeira de uma maior integração europeia.

Na entrevista, a líder da formação Mais Europa, parte do bloco de centro-esquerda liderado pelo Partido Democrático (PD), de Enrico Letta, que inicialmente contou também com a formação Ação, de Carlo Calenda, aliado que entretanto perdeu, sublinhou a gravidade do confronto entre essas duas visões opostas.

São elas a de quem quer regressar à soberania nacional, ferozmente defendida pelo bloco de direita, composto pelos partidos de extrema-direita Irmãos de Itália (FdI), liderado por Giorgia Meloni, e Liga, por Matteo Salvini, e pelo partido conservador Força Itália, de Silvio Berlusconi, -- embora "tenha durante a campanha atenuado um pouco esse discurso anti-europeu, para obter mais votos", estimou Bonino - e o bloco de centro-esquerda, que "quer construir uma verdadeira soberania europeia".

"Para nós é óbvio, desde logo pelo nome que demos há três anos ao partido 'Mais Europa', que consideramos que a União Europeia tem sido um grande êxito. Do meu ponto de vista, há ainda algumas peças importantes em falta: não só a Europa da defesa, mas também a da política externa, porque, sem política externa, nem sequer sei o que defesa significa", sustentou Emma Bonino.

"Quem é que decide se um exército da UE deve ir para o Mali em vez de ir para outro lugar? É seguramente uma responsabilidade política, não uma coisa que o chefe das Forças Armadas possa decidir", observou, para logo acrescentar: "Felizmente, a Europa é o nosso único destino".

Na sua opinião, "quem, por qualquer razão, queira enfraquecer ou destruir a UE, está a fazer o jogo do [Presidente russo, Vladimir] Putin, do [primeiro-ministro húngaro, Viktor] Orbán, etc., quer queira, quer não".

"Putin tem sido explícito em vários discursos de que prefere negociar com Estados individuais. Pelo contrário, estamos convencidos de que, apesar das suas eventuais limitações, a Europa também é importante para algumas negociações", comentou.

"Apercebo-me de que agora toda a gente é um pró-europeu de domingo, e há aqueles que querem uma Europa da saúde, ou do gás e da energia, ou contra a evasão fiscal, etc.. Mas ninguém ou muito poucos estão empenhados em criar uma União Política Europeia, e pôr ordem nas contas e legislação italianas", frisou, acrescentando: "Creio que isso é um erro".

Segundo a ex-comissária europeia, "a principal clivagem política já não é entre a esquerda e a direita, ou apenas entre elas, mas entre pró-europeus e aqueles que são contra a Europa".

"Agora, aqueles que são contra a UE reposicionaram-se um bocadinho, mas parece ser só para fins eleitorais", referiu.

Uma das razões pelas quais a demissão do Governo de coligação liderado pelo primeiro-ministro Mario Draghi desencadeou uma crise em Itália prende-se com as condições acordadas com Bruxelas para o pagamento das 'tranches' do plano de recuperação económica pós-pandemia de covid-19 (PRR).

Inquirida pelo Euractiv Italy sobre a importância de uma rápida aplicação dessas verbas no país e sobre se a intenção verbalizada por algumas forças políticas de renegociar o PRR poderá dar àqueles que questionam a quantia atribuída ao país uma oportunidade, argumentando que os cerca de 35% desses fundos que Itália obteve são desproporcionados (foi o país ao qual foi concedida a maior fatia do PRR: 191.500 milhões de euros), Emma Bonino respondeu: "É claro que temos de ter muito cuidado para não abrir uma caixa de Pandora para quem já era contra a atribuição dos fundos a Itália".

"Como disse [o comissário europeu da Economia e ex-primeiro-ministro italiano Paolo] Gentiloni, só poderão ser feitas pequenas alterações. Mas quem vier com a ideia de renegociar o PRR, na minha opinião, não só vive em Marte como está a dizer aos cidadãos italianos para irem viver para Marte", sustentou.

De acordo com a líder política italiana, "é importante e urgente" criar uma UE da energia e da defesa, no âmbito da união política já referida, devido ao impacto da invasão russa da Ucrânia (a 24 de fevereiro deste ano) na situação energética e geopolítica, por exemplo com a Alemanha a comprometer-se a gastar 100 mil milhões de euros por ano em defesa.

"Devemos também tomar consciência de que a Itália contribui com menos de 2% para o orçamento da NATO (Organização do Tratado do Atlântico-Norte) -- o que os Estados Unidos já nos apontaram em diversas ocasiões", afirmou.

"Mas, repito, precisamos de uma política externa comum, logo, uma mudança nos tratados, o fim da unanimidade, mais poderes para o Parlamento Europeu. De outra forma, na campanha eleitoral atiramos para o ar o que quisermos, mas não fazemos qualquer bem à Europa, ou à credibilidade de Itália, que já está a ser severamente testada", insistiu.

"Portanto, é fundamental rever os tratados para avançar para uma política externa e de defesa comum. Acredito que durante estes anos sucumbimos a uma visão intergovernamental da UE, em que os chefes de Estado e de Governo é que tomam as decisões, e que esse é o caminho errado", sublinhou Emma Bonino.

ANC // APN

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