Numa carta aberta publicada hoje no seu 'site', e dirigida ao chefe de Estado, a ADPF criticou as alegadas tentativas de interferência na Polícia Federal (PF) e negou as acusações feitas por Jair Bolsonaro, de que a polícia não teria dado a devida atenção ao atentado à faca que sofreu, na campanha presidencial de 2018.

"O inquérito recebeu total atenção da PF, e seguiu em caráter prioritário em razão de ser um crime contra a segurança nacional e a própria democracia. A comparação em relação a outros crimes é injusta com o órgão, pois cada investigação tem as suas características e dificuldades concretas e próprias", indicou a associação, sobre o atentado contra Bolsonaro.

A ADPF considerou que "provavelmente se as premissas e esclarecimentos" prestados "tivessem sido compreendidos, e corrigidos os possíveis entraves de comunicação entre o Presidente e a PF, os factos que presenciamos não teriam ocorrido".

"Da maneira como ocorreu, há uma crise de confiança instalada, tanto por parte de parcela considerável da sociedade, quanto por parte dos delegados da PF, que prezam pela imagem da instituição", acrescentou a associação.

Na manhã de sexta-feira, o ministro da Justiça e da Segurança Pública do Brasil, Sergio Moro, anunciou que pediu a demissão do cargo que ocupava desde janeiro do ano passado, acusando o Presidente brasileiro de estar a fazer "interferência política na Polícia Federal", na sequência da demissão do ex-chefe da PF do país Maurício Leite Valeixo, publicada no Diário Oficial da União.

"O Presidente disse-me, mais de uma vez, expressamente, que ele queria ter uma pessoa do contacto pessoal dele [para quem] ele pudesse ligar, [de quem] ele pudesse colher informações, [com quem] ele pudesse colher relatórios de inteligência. Seja o diretor [da Polícia Federal], seja um superintendente", declarou Sergio Moro.

Horas depois da demissão de Sergio Moro, Bolsonaro negou as acusações do ex-juiz, contrapondo que "não tem de pedir autorização para trocar um diretor ou qualquer outro que esteja na pirâmide hierárquica do executivo".

"Falava-se da interferência minha na Polícia Federal. Ora, se posso trocar um ministro, não posso trocar o diretor da Polícia Federal? Não tenho de pedir autorização a ninguém", frisou o chefe de Estado.

Contudo, Jair Bolsonaro admitiu que, em pelo menos três ocasiões, procurou obter mais informações acerca de investigações em curso: acerca do atentado que sofreu em 2018, sobre o caso que envolvia a presença dos acusados de matar a vereadora Marielle no seu condomínio, e sobre uma eventual relação do seu quarto filho com a filha de um dos acusados do assassinato da vereadora.

Na carta, a ADPF alertou Bolsonaro de que as investigações e os relatórios de inteligência da PF são sigilosos e não existe nenhuma previsão do fornecimento de informações diárias à Presidência, como o chefe de Estado admitiu ser do seu interesse.

"O Presidente da República (...) deve preservar a imagem da sua gestão e da própria instituição seguindo protocolos de conduta sensíveis no que se refere aos órgãos de Estado. O ordenamento jurídico prevê que as atividades investigativas da PF são sigilosas e apenas os profissionais responsáveis em promovê-las é que devem ter acesso aos documentos", destacou a associação.

Perante a sensível situação que envolve o Governo e a Polícia Federal, a ADPF pediu, no documento, a adoção de uma série de medidas por parte de Bolsonaro, como a garantia de autonomia, quer para o novo diretor-geral da PF, quer para a instituição.

"Solicitamos que firme um compromisso público de que o novo diretor-geral da Polícia Federal terá total autonomia para formar a sua equipa e conduzir a instituição de forma técnica e republicana, sem obrigações de passar informações ao Governo Federal, ou instaurar ou deixar de instaurar investigações por interesse político ou intervir em qualquer outra já existente", indicou.

A associação pediu ainda que o chefe de Estado se comprometa a escolher o próximo diretor-geral da PF através de uma "lista previamente apresentada pelos delegados".

"Tais medidas irão construir um ambiente institucional menos tenso e, certamente, constituirão um legado de seu Governo para o Brasil, contribuindo para a dissipação de dúvidas sobre as intenções do Presidente em relação à Polícia Federal", concluiu a associação, na carta dirigida a Jair Bolsonaro.

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