"A luta contra a VBG não é uma luta do parlamento ou do Governo através da legislação. Temos das mais modernas leis sobre a VBG, é um crime público, as entidades responsáveis estão bem identificadas (...) Por isso, esta luta deve sair da legislação, deve sair dos gabinetes e ir à cabeça de cada cabo-verdiano e de cada cabo-verdiana", afirmou Fernando Elísio Freire.

O ministro de Estado, da Família e da Inclusão e Desenvolvimento Social participou hoje, na Praia, na cerimónia de encerramento dos três anos de atividade do projeto "Djuntu pa Igualdadi!", uma resposta participativa à VBG envolvendo a sociedade civil e a sensibilização das novas gerações para o problema.

"É por isso mesmo que este projeto, ao criar os procedimentos e os manuais, ao relacionar-se com as escolas, com a polícia, com a Justiça, ao criar um quadro de procedimentos, deve, de facto, ser acarinhado e projetado ainda mais. Mas essa luta contra a VBG também nos leva a ver com muita atenção a próxima geração. Para ganharmos definitivamente a guerra é preciso que a próxima geração venha de cabeça limpa", disse, recusando a ideia de que este problema, em Cabo Verde, esteja apenas relacionado com a "dependência económica da mulher".

Os tribunais cabo-verdianos tinham pendentes, em 01 de agosto, mais de 2.300 processos por crimes de VBG, essencialmente contra mulheres, e o número de novas queixas, que estava a cair desde 2016, voltou a crescer no último ano. De acordo com dados do relatório anual sobre a situação da Justiça, referente ao ano judicial 2021/2022, elaborado pelo Conselho Superior do Ministério Público (CSMP), transitaram para o atual ano judicial, iniciado agosto, um total de 2.314 processos de crimes de VBG, com a pendência a aumentar 14,3% no espaço de um ano.

No último ano deram entrada 1.865 novos processos por este crime, contra os 1.832 no período homólogo anterior, pelo que "constata-se assim uma inversão da tendência de diminuição de processos entrados que se vinha registando nos últimos anos", sublinha o relatório do CSMP.

Os crimes de VBG abrangem, genericamente, a violência física, na família ou no namoro, a violência doméstica, psicológica, emocional ou sexual, sendo as mulheres as principais vítimas.

O projeto "Djuntu pa Igualdadi!" foi financiado pela União Europeia e segunda a sua coordenadora, Débora Cristina Vera-Cruz, permitiu "um trabalho feito principalmente de forma participativa e inclusiva" com todas as instituições nacionais que têm responsabilidades na implementação da lei de VBG, bem como organizações da sociedade civil que trabalham direta ou indiretamente com vítimas ou com questões ligadas à igualdade de género.

"Foram três anos, bastante tempo e muita coisa foi feita, mas ainda há muito mais para se fazer. Nós trabalhamos com vítimas diretamente, deixamos aqui um manual de apoio a grupos de vítimas. Portanto, é uma ferramenta que poderá, a partir de agora, ser utilizada por organizações da sociedade civil ou quaisquer pessoas interessadas em trabalhar com o grupo de vítimas. Nós podemos ver que foi um trabalho que teve impacto na vida dessas pessoas e que o trabalho em grupo faz diferença e não só um trabalho individual com elas", afirmou.

No âmbito do projeto, implementado pela Associação Cabo-verdiana de Luta contra a Violência Baseada no Género, foi feita uma auditoria participativa à implementação da lei de VBG e elaborado "um plano de ação com ações, atividades, recomendações, indicadores concretos".

"Portanto, uma ferramenta também que deverá ser utilizada pelas instituições com responsabilidade na implementação da lei", enfatizou Débora Cristina Vera-Cruz.

Na cerimónia de hoje, a embaixadora da União Europeia em Cabo Verde, Carla Grijó, reconheceu que o projeto "contribuiu desde logo para um ambiente institucional mais favorável, promovendo uma atuação mais sensível às vítimas por parte das autoridades públicas", mas para "uma avaliação pela sociedade civil do estado de implementação da lei contra a VBG, dez anos após a sua aprovação".

"E chamou a atenção para temas conexos, como o da autonomia económica das vítimas e a importância do seu acesso à Justiça ser assegurado de forma atempada. Sem esquecer o objetivo primordial do apoio às vítimas, este projeto ambicionou outros desafios, mas refletindo sobre as lacunas na implementação de políticas públicas visando o empoderamento das mulheres, mas também refletindo sobre a necessidade de prevenir a VBG, nomeadamente através de um trabalho com gerações mais jovens", sublinhou.

"Fê-lo através de uma abordagem inclusiva e participativa, incluindo organizações da sociedade civil, autoridades locais e centrais, mas também magistrados e advogados e a comunicação social, procurando instilar uma coordenação e interlocução interinstitucional que apenas poderá ser benéfica no combate", acrescentou a diplomata.

Para Carla Grijó, a materialização, prevista pelo Governo para 2023, do Fundo de Apoio às Vítimas, "constitui mais um importante passo na proteção" dos direitos das vítimas, "mas há ainda um longo trabalho pela frente, nomeadamente no que toca à mudança de mentalidades e à eliminação dos estereótipos que estão na raiz" do crime de VBG.

"Por outras palavras, o projeto termina, mas não terminou o trabalho e quero assegurar-vos que na União Europeia estaremos, como sempre, recetivos a continuá-lo em parceria com o Governo, com as instituições públicas e também com a sociedade civil", concluiu.

PVJ // LFS

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