"O projeto usado mais tarde não tem nada a ver com o meu, não é o nosso [do SISE]", afirmou Cipriano Mutota, antigo diretor de Estudos e Projetos da instituição e arguido no processo das dívidas ocultas, em declarações ao tribunal.

Mutota avançou que a implementação do documento elaborado pela sua instituição tinha um orçamento final revisto de 360 milhões de dólares (306,7 milhões de euros), depois de o custo inicial ter sido estimado em 302 milhões de dólares (257,3 milhões de euros).

Os valores avançados pelo oficial do SISE, com 45 anos de serviço na instituição, são de longe inferiores aos 2,2 mil milhões de dólares (dois mil milhões de euros) que correspondem ao somatório das dívidas ocultas e dos 2,7 mil milhões de dólares (2,3 mil milhões de euros) referidos na segunda-feira pelo Ministério Público moçambicano como resultado de prejuízos ao país.

Na sua audição hoje em tribunal, o antigo diretor de Estudos e Projetos do SISE assinalou que o estudo elaborado por esta instituição assentava na implementação faseada do sistema integrado de proteção marítima, fazendo depender a materialização de cada etapa do sucesso da primeira.

"Talvez, na aparência, o nosso projeto tenha semelhança com o que veio mais tarde a ser aprovado", declarou.

O projeto do SISE foi elaborado entre 2007 e 2008 e foi apresentado ao então Presidente da República, Armando Guebuza, e aos titulares dos pelouros da Defesa e Segurança, incluindo o então ministro da Defesa Nacional e atual chefe de Estado Filipe Nyusi, acrescentou Cipriano Mutota.

O documento identifica ameaças como terrorismo, pirataria, tráfico de drogas e de seres humanos e pesca ilegal nas águas moçambicanas.

Na audição de hoje, o antigo diretor de Estudos e Projetos reiterou que recebeu 980 mil dólares (833 mil euros) do dinheiro das dívidas ocultas, mas afirmou que desconhecia a ilegalidade do pagamento, tal como já tinha afirmado na terça-feira.

Na terça-feira, o arguido afirmou que desconhecia a ilicitude do pagamento, tendo deduzido que o dinheiro correspondia a um "agradecimento" pelo papel que teve num estudo que o SISE elaborou sobre o sistema de proteção marítima de Moçambique.

"Pensei que o dinheiro fosse pela minha contribuição no projeto. Recebi esse dinheiro depois de ter cessado funções e ter sido colocado a estagiar no Ministérios dos Negócios Estrangeiros e Cooperação", afirmou.

Cipriano Mutota também declarou ter recebido o referido montante de Jean Boustani, negociador da empresa de estaleiros navais Privinvest, com sede em Abu Dhabi, e acusado de ser a pessoa que pagou os subornos alimentados pelo dinheiro das dívidas ocultas.

Nas alegações que leu na segunda-feira, o Ministério Público acusou os 19 arguidos das dívidas ocultas de se terem associado em "quadrilha" para delapidarem o Estado moçambicano e deixar o país "numa situação económica difícil".

"Quem se associa em quadrilha para roubar ao Estado não está ao serviço do Estado. Os arguidos agiram em comunhão, colocando os seus interesses particulares acima dos interesses do Estado", referiu Ana Sheila, magistrada do Ministério Público que leu a acusação.

A conduta dos 19 arguidos, prosseguiu Ana Sheila, delapidou o Estado moçambicano em 2,7 mil milhões de dólares angariados junto de bancos internacionais através de garantias prestadas pelo Governo.

"Todos prejudicaram o país e deixaram-no numa situação económica difícil", enfatizou a magistrada do Ministério Público.

Para o Ministério Público moçambicano, entre os diversos crimes que os arguidos cometeram incluem-se associação para delinquir, tráfico de influência, corrupção passiva para ato ilícito, branqueamento de capitais, peculato, abuso de cargo ou função e falsificação de documentos.

As dívidas ocultas foram contraídas entre 2013 e 2014 junto das filiais britânicas dos bancos de investimentos Credit Suisse e VTB pelas empresas estatais moçambicanas Proindicus, Ematum e MAM.  

Os empréstimos foram secretamente avalizados pelo Governo da Frelimo, liderado por Armando Guebuza, sem o conhecimento do parlamento e do Tribunal Administrativo.  

Além do processo principal, a justiça moçambicana abriu um processo autónomo em que várias outras pessoas são suspeitas de participação no esquema, incluindo o antigo ministro das Finanças Manuel Chang, antigos administradores do Banco de Moçambique, e antigos executivos do Credit Suisse, instituição bancária que viabilizou os empréstimos.  

Sobre o caso foram também abertos processos judiciais nos Estados Unidos da América e em Inglaterra.  

 

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