“Pai, levas-me ao baile de finalista de trator?” – perguntou a Margarida (nome fictício), deixando o pai muito surpreendido, mas com os olhos cheios de orgulho e satisfação com o pedido. Afinal a filha está a concluir com sucesso o curso de Ciências e Tecnologias e andava muito entusiasmada com todos os preparativos para o baile de finalistas.

Obviamente que a presença de um trator na Quinta do Alferes de Crasto no dia do baile de finalistas desencadeou uma série de reações, criou impacto, curiosidade e alvoroço. Os alunos que viram a Margarida descer ficaram estupefactos, os que iam chegando quando viram lá o trator ficaram admirados, mas os mais surpreendidos foram os que vinham de carro e tinham de se desviar para o trator passar.

Sabemos que a adolescência é uma fase desafiante da vida; concluir o ensino secundário e a entrada na faculdade são momentos de muita ansiedade que faz com que exista uma busca pela integração em grupos, pela aceitação. E por esta razão é que os pais da Margarida ficaram ainda mais orgulhosos, por ela ter admiração no trabalho do pai. Este pedido demonstrou que ela cresceu com os valores certos: respeitar a família, o seu trabalho e ter orgulho no seu percurso de vida. Todos nós ouvimos relatos de entradas nos bailes de finalistas em carros topo de gama, de aluguer de limousines, mas querer chegar ao baile de trator é invulgar (é mais comum em alunos que frequentam o ensino profissional ligado à área agrícola).

O que leva uma adolescente a querer ir ao baile de finalistas de trator?

A Margarida tem uma forte ligação ao pai, que é agricultor, o que fez que desde cedo interagisse com vacas, cabras, cavalos e cães, sempre em ambiente protegido e controlado por questões de segurança. À medida que foi crescendo foi convivendo com pessoas de vários contextos sociais e profissionais, frequentou escolas em cidades diferentes (questões de logística familiar), atividades de verão em academias de outras localidades, foi muitas vezes a única filha de agricultores presente na sala de aula e nunca teve receio de o dizer e de partilhar nas redes sociais a sua interação com o meio rural.

Desde o ensino básico que a Margarida não tem colegas na turma com ligações à agricultura e como todos os filhos de agricultores é confrontada com a informação desatualizada e imprecisa que prolifera nos manuais escolares. Hoje os agricultores utilizam a inteligência artificial (drones, GPS, sondas, imagens satélites) mas o que aparece nos manuais escolares é uma agricultura dos anos 70, completamente desfasada da atualidade. Os próprios professores estão desinformados, não têm contacto com a realidade da produção; adquirem conhecimento nas redes sociais e alimentam esta desinformação, chegando mesmo a criar mau ambiente na sala de aula com alguns filhos de agricultores. Existem adolescentes que deixam de ir à vacaria, ou às quintas dos pais porque os amigos gozam na escola chamando-os de “vaqueiro”, “poluidor”, “destruidor do ambiente”.

Crónicas Rurais
Crónicas Rurais créditos: DR

Existe uma perceção errada do que é a atividade agrícola e da sua relevância para a sociedade.

Temos cada vez mais uma população urbana que impacta o desenvolvimento socioeconómico do país, mas que atrai a agenda política e mediática, levando a uma menor comunicação. Ao estar distante dos meios de produção, a população desconhece a evolução, desenvolvimento e técnicas utilizadas na produção de alimentos e fica facilmente permeável à aceitação de informação errada e descontextualizada.

É pouco frequente a presença das zonas rurais no discurso público ou jornalístico e, quando acontece, surge de forma reativa e descontextualizada, gerando desconhecimento e perceções erradas. Muitas vezes passa-se a ideia de que os agricultores estão a pedir apoios e subsídios, quando de facto os mais beneficiados com os subsídios são os consumidores que assim obtêm produtores frescos, saudáveis e nutritivos a um preço inferior.

A história da Margarida é apenas uma das muitas que podíamos contar. Felizmente o país e o setor agrícola estão recheados de histórias inspiradoras, de superação, resiliência e paixão. Com a Margarida, aprendemos que a educação e o respeito são importantes. Respeitar as escolhas de cada um, o percurso, o trabalho e acima de tudo saber defender e dialogar sobre o que fazemos e porque o fazemos é determinante e mostra que há um longo caminho a percorrer.

Todos queremos uma sociedade a qual predomine o respeito e a cooperação e nós, os agricultores, somos os mais interessados numa comunicação assente no conhecimento e na verdade. É na natureza que tudo começa, é a natureza que sustenta a vida formando e nutrindo comunidades e é com orgulho e verdadeiro sentido de missão que nós, os agricultores, trabalhamos com afinco e paixão para alimentar as crianças, jovens, adultos e idosos. Trabalhamos com todos e para todos. Trabalhamos para os que conhecem e defendem o nosso trabalho e também para aqueles que ainda não tiveram oportunidade de conhecer a arte de ser agricultor.

O setor primário é o motor da economia e potencia o setor secundário e terciário. O país tem muito potencial para crescer, inovar e produzir de forma mais eficiente e sustentável, mas só o faz com pessoas. Agora, mais do que nunca, é preciso agir de forma concertada e estratégica, envolvendo os vários ministérios, criando pontes e sinergias. É preciso valorizar os jovens que ainda querem ser agricultores, criar condições para potenciar os seus negócios, diminuir a burocracia e promover o seu crescimento e desenvolvimento.

Ninguém cresce sozinho. O caminho para o sucesso não é um processo individual, mas um trabalho conjunto. Ontem, como hoje e amanhã, nós, agricultores, estamos disponíveis com garra, alma e coração. Porque quando todos avançam juntos, o sucesso acontece.

Vice-presidente da APROLEP

As Crónicas Rurais incidem sobre temas relacionados com o mundo rural, com uma periodicidade semanal. São asseguradas por um grupo de autores relacionados com o setor, que incluem Afonso Bulhão Martins, Cristina Nobre Soares, Filipe Corrêa Figueira, João Madeira, Marisa Costa, Pedro Miguel Santos e Susana Brígido.