Num país como Portugal, onde as dificuldades estruturais são profundas e persistentes, o investimento de 2% do PIB em Defesa levanta dúvidas morais e económicas incontornáveis. É muito difícil conceber que este seja o melhor uso dos nossos limitados recursos.
A aposta no armamento, por mais necessário ou até inevitável que possa parecer no plano geoestratégico, hipoteca o verdadeiro desenvolvimento do país. É ilusório pensar que este tipo de investimento trará um retorno multiplicador sustentável. A indústria militar, assente numa lógica de destruição, não gera inovação com impacto duradouro na produtividade, na coesão social ou na competitividade do país. O seu efeito resume-se, no curto prazo, à criação de emprego e a um aquecimento relativo da economia. Nada mais. Grande parte dos recursos aplicados na Defesa não geram utilidade prática na vida das pessoas. Ampliar a dimensão industrial do país e as oportunidades de negócio a partir de produção que ocorre para explodir ou destruir não gera, decerto, efeito multiplicador sustentável.
Para termos uma noção do desvio, basta perceber que os 2% do PIB em Defesa correspondem a mais de um quarto da totalidade das verbas do PRR. O PRR, sim, é um instrumento de desenvolvimento.
Em junho, haverá uma nova cimeira da NATO. Se subirmos os números para 3,5% ou 5%, então estarmos a falar de metade ou dois terços das verbas do PRR alocadas a Portugal. E, no entanto, com referência a 2023, Portugal ocupa o último lugar da Europa no ranking do investimento público em 10 anos. É um quadro que nos devia embaraçar.
Durante anos, sacrificámos o investimento público em nome da consolidação orçamental. Agora, estranhamente, as novas metas militares poderão vir a abrir exceções a essa contenção. Segundo o Conselho de Finanças Públicas, o esforço acrescido com a Defesa agravará o rácio da dívida pública entre 2026 e 2029, ano após ano. É o oposto do que recomendava a Comissão Europeia, que previa para Portugal uma das maiores reduções da dívida da Zona Euro, precisamente à custa do desinvestimento.
Este nível de esforço não era sequer estritamente obrigatório. Mesmo assim, preferimos as contas certas à reconstrução do país. Agora, optamos pela Defesa como exceção à regra, mas sem cuidar das infraestruturas de que a economia precisa para crescer.
O que vemos, na prática, é o país a falhar consecutivamente em matérias centrais para o seu desenvolvimento. O investimento líquido das administrações públicas tem sido negativo ano após ano. O stock de capital continua a deteriorar-se. Em 2023, o investimento público ficou 26% abaixo do previsto no OE2023. Em 2024, o desvio foi de 17,5%. Tudo isto compromete a função produtiva da economia. Estamos muito aquém do nível necessário de manutenção ou ampliação de ferrovias, hospitais, escolas, aeroportos, entre outros. Vai ficando tudo fica para depois.
Mais grave ainda, hipotecámos a aplicação correta do PRR, por falta de trabalhadores na construção civil. Agora, com o desvio de recursos para a Defesa, acentuaremos esse défice. A escassez de mão de obra e de capital público aponta para um resultado em que o país se torna cada vez menos competitivo e atrativo para o investimento estrangeiro. E o investimento direto estrangeiro é absolutamente indispensável para Portugal.
A escolha é moral. Os portugueses vivem com dificuldades e num país economicamente débil. Neste momento da sua História, Portugal parece ser obrigado a escolher canhões em vez de pontes.
Professor Associado e Coordenador da área de Economia e Gestão da Universidade Europeia