
Na passada quarta-feira, dia 16 de julho de 2025, apareceu uma nuvem negra no horizonte da agricultura nacional. Nesse dia a Comissão Europeia apresentou a primeira proposta de orçamento da UE para o período 2028-2034.
Cumpre imediatamente e em primeiro lugar esclarecer que se trata de uma proposta. Carece portanto ainda de uma longa negociação para finalmente poder merecer aprovação tanto por parte do Parlamento como do Conselho Europeus. Daí a nuvem negra estar, ainda, apenas no horizonte!
Em todo o caso a apresentação desta proposta de orçamento permite clarificar o atual estado de espírito da Comissão.
Assim, fazendo a ressalva de que o autor deste texto é agricultor, interessa destacar duas situações principais desta proposta de orçamento:
- A Comissão prevê um orçamento global UE 2028-2034 aproximadamente 65% superior ao atual (não incluindo os PRR);
- Paradoxalmente a fração do orçamento 2028-2034 dedicada à Política Agrícola Comum (PAC) sofre uma redução de 20%-25%, sendo que esta redução poderá ser superior devido a os fundos PAC, nesta proposta, deixarem de ser autónomos e passarem a fazer parte de um fundo único (que inclui tanto fundos ligados à coesão e à migração como encargos com a dívida ligada aos PRR) cuja aplicação/distribuição passa a competir, em grande medida, individualmente, a cada Estado-membro.
No que toca ao aumento global do orçamento — e embora se compreendam os desafios com que a Europa se depara — parece estranho que parte dele seja feito à custa de uma maior tributação dos lucros das maiores empresas. No mundo atual é ainda mais difícil entender a lógica por detrás da opção de redistribuir recursos a partir de uma discriminação tributária negativa sobre as maiores empresas.
No que toca ao segundo ponto destacado — e tentando o autor abstrair-se da condição de agricultor e por isso de defensor de uma PAC íntegra e robusta — apresentam-se os seguintes dois dados nacionais relevantes para a discussão (fonte):
- Em Portugal aproximadamente 30% do rendimento dos agricultores provém de apoios da Política Agrícola Comum;
- Em Portugal o rendimento médio de um agricultor é aproximadamente 80% do rendimento médio nacional (ou 20% inferior).
Ora fazendo umas contas simples com base no corte proposto de 20% do orçamento para a Política Agrícola Comum concluímos que:
- O agricultor português sofrerá um corte automático de 6% dos seus rendimentos (30% * 20%);
- O rendimento do agricultor português tornar-se-á equivalente a apenas 75,2% do rendimento médio nacional (80% - 80% * 6%) ou 24,8% inferior a este.
Independentemente dos argumentos que poderão ser apresentados para justificar o corte do orçamento da PAC proposto fica evidente que em Portugal a atividade agrícola tornar-se-á ainda menos rentável face à média da economia.
A menor rentabilidade automaticamente retira interesse pela atividade, pelo que não só desincentiva novos investidores (sejam eles pequenos ou grandes) como promove a desistência/abandono.
E a atividade agrícola tem particularidades. Nunca é demais recordar que a agricultura e a floresta ocupam e gerem 80% do território nacional e que o produto final da atividade agrícola são os alimentos diariamente indispensáveis à sobrevivência humana.
Chegados aqui, e embora a procissão ainda agora vá no adro, talvez o título deste texto se revele redutor. É que talvez mais nuvens negras tenham aparecido no horizonte.
Pelo menos ao nível da acessibilidade à alimentação por parte dos portugueses e da coesão territorial nacional a nebulosidade, esta semana, apareceu muito escura no horizonte.
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