Exmo. Senhor futuro ministro da Agricultura de Portugal,

Começo por assumir o atrevimento e ousadia desta carta aberta mas este tempo de reflexão cívica pré-eleitoral levou-me a ponderar durante algum tempo sobre as preocupações e urgências com que o próximo ministro da Agricultura de Portugal se deparará.

Em primeiro lugar parece-me claro que estancar a desagregação do Ministério e das suas instituições é um passo urgente. Parece-me contudo que se deverá aproveitar o momento e ir mais longe. É para todos evidente que as relações entre o Ministério e as suas instituições se tem fragilizado e como isso dificulta a passagem das ideias/metas e a própria implementação de políticas. Mas essa não é, em todo o caso, a relação mais degradada. É hoje de desconfiança — e não de cooperação mútua — a relação entre os agricultores e as instituições do Ministério da Agricultura. Não entendo como é que se pode ter chegado a este ponto. Os agricultores terão com certeza algumas culpas no cartório mas existe uma clara ausência de noção por parte destas instituições que aqui a dúvida de “quem nasceu primeiro” não existe. Os agricultores “nasceram” antes do Ministério da Agricultura e não devido às suas instituições! A degradação da relação assume um caráter até quase irracional devido à forte dependência estatal que o setor apresenta — seja ao nível de autorizações e licenciamentos seja de apoios públicos (em média 30% do rendimento do setor são ajudas da PAC) – para desenvolver a sua atividade.

Em segundo lugar há que ser muito assertivo com o ambientalismo excessivo não alicerçado na ciência e nos dados científicos.

Há que reagir de forma didática e até com simplicidade explicando que é totalmente errado assumir que deixar a natureza entregue às suas “regras” trará melhores resultados ambientais do que os que se obtêm pela boa gestão técnica aplicada pelos residentes nos territórios rurais e de que os agricultores serão porventura o grupo mais destacado. A região do Douro com a sua unanimemente considerada beleza é outro grande exemplo. Não há como escamotear; a beleza da região do Douro deve-se a uma paisagem totalmente humanizada e muito marcada por uma monocultura – a da vinha (e do vinho).

Por outro lado, para mim, restam cada vez menos dúvidas que uma grande parte dos ambientalistas mais ativos que por aí grassam estão camuflados, já que o que realmente os move é o desígnio atribuído ao sindicalista/ambientalista brasileiro Chico Mendes — “A ecologia sem luta de classes é jardinagem”.

Nesta linha, senhor futuro ministro da Agricultura de Portugal, há que acabar com a ideia, para alguns, paradisíaca, de que os tempos em que os produtos vinham de pequenas hortinhas eram tempos de felicidade a que deveríamos urgentemente voltar. Não! Esses tempos eram de pobreza e miséria em que o trabalho quase servia para não se morrer à fome. Devemos portanto deixar de diabolizar a agricultura empresarial. Devíamos inclusive adaptar a alegoria da conversa de Olof Palme e Vasco Gonçalves — sobre acabar com os ricos ou com os pobres — e preocuparmo-nos em dar ferramentas ao pequeno agricultor para que se torne médio e ao médio para que se torne grande. Há inúmeros caminhos a percorrer mas o cadastro público em todo o território, a atenção pelo mercado de arrendamento rústico e o fomento da organização da produção são passos importantes.

Em terceiro lugar há que ter uma ideia de como reagir a um défice da balança comercial agro-alimentar que em 2023 quase atingiu os 6 mil milhões de euros (6.000.000.000,00€). Não nos esqueçamos que estamos incluídos na União Europeia que é o maior exportador de bens alimentares do mundo nem que a agro-indústria é, ainda, em termos de VAB, a maior das indústrias portuguesas! Devemos assim aceitar este fardo anual ou tomaremos medidas para o reverter? A que défice ou superavit pretende o senhor futuro ministro chegar no fim do mandato?

Por fim gostava de salientar que nesta carta não foi referido nem pedido nenhum apoio suplementar ou específico para qualquer setor agrícola. É que eu acredito que o orçamento à disposição do Ministério é, só por si, suficiente para se conseguir fazer muito melhor (em matéria agrícola, florestal e ambiental). Só em fundos da Política Agrícola Comum Portugal (PAC) tem anualmente praticamente mil milhões de euros (1.000.000.000,00€ por ano!) à disposição.

Ainda por cima, este atual quadro comunitário pode constituir de facto uma última oportunidade. A Guerra na Ucrânia que obriga a maiores orçamentos comuns na área da Defesa e a hipótese da entrada na Ucrânia na União Europeia irão criar enorme pressão sobre o orçamento PAC. Orçamento esse que já tem vindo a decrescer de importância dentro da Comissão e também para a sociedade civil. Corresponde, contudo, ainda, a aproximadamente 30 cêntimos por dia por cada habitante da UE.

Na minha opinião, neste campo, o que o senhor futuro ministro da Agricultura deve promover é a utilização destes 0,30€/dia/habitante da UE ou os 1.000.000.000,00€ destinados por ano a Portugal para preparar a agricultura portuguesa e os territórios rurais para alturas em que estes montantes diminuam ou desapareçam.

Como defesa dos agricultores não posso contudo deixar de referir que esses 1.000.000.000,00€ anuais não são líquidos. A atividade agrícola e os apoios que lhe são destinados vêm carregados de burocracia e de custos de contexto o que afasta de forma expressiva o apoio bruto tabelado do apoio líquido efetivamente recebido. A diminuição destes custos de contexto seria portanto equivalente a aumentar os apoios ao setor e/ou a aumentar os efeitos pretendidos da aplicação desse orçamento a Portugal. No fundo seria “apenas” uma medida de eficiência interna.

Peço portanto ao senhor futuro ministro da Agricultura de Portugal que, pelo menos, ao fim de cada ano faça uma reflexão e uma self accountability da forma como um orçamento desta dimensão foi aplicado e se os resultados pretendidos estão a aparecer e se serão os melhores.

Pedindo desculpa por não ter conseguido ser mais sintético envio os meus votos de maior sucesso para o mandato que brevemente iniciará.