Conseguem imaginar a Joana Marques (JM) ou o Ricardo Araújo Pereira (RAP) a gozarem forte com transexuais, islâmicos ou até gordos? Claro que não. Nem pensar. Por dois motivos. Primeiro, porque qualquer um desses humoristas (como todos os que são promovidos pelo poder) está do lado dos grandes interesses e não lhes toca nem num cabelo. Esses poderes fáticos têm uma agenda, da qual fazem parte, por exemplo, essas “minorias identitárias”, que devem ser protegidas com unhas e dentes e jamais satirizadas. São vacas sagradas, campos dogmáticos que não devem ser questionados.

A comédia pode, de facto, elevar o pensamento crítico e isso é tudo o que não se pretende, tudo a ser evitado com as paródias dos bobos da corte. Zombam da arraia miúda e quando disparam a alguém realmente poderoso é em português suave e jamais de forma repetida e persecutória, ao contrário do que fazem com outros alvos fáceis.

Longe vão os tempos da sadia rebeldia dos Gato Fedorento, entretanto silenciados com contratos chorudos com a Meo, por exemplo. E honra seja feita a um dos membros do quarteto, o Tiago Dores, que prossegue na vereda destemida e mordaz.

Em segundo lugar, porque, ao contrário da tese que apresentaram tribunal, as palavras não são só palavras. Por exemplo: o que sentiria a JM se, todos os dias, uma outra criança na escola insultasse, humilhasse e escarnecesse do filho dela por ele gostar de brincar com bonecas, imagine-se? Ou o que sentiria o RAP se a namorada da filha a insultasse, como Sinel de Cordes insultou alguém do público?

Esses limites das palavras foram, de resto, reconhecidos pelo legislador através da tipificação de crimes como a difamação, uma forma particularmente agressiva de notícias falsas — as mesmas que as elites tanto insistem serem a raiz do mal.

Claro que isto resulta, desde logo, do tipo de piadas dos humoristas em causa que, incapazes de maior sofisticação, como rirem de si próprios, ou de afrontarem os costumes e os reis, praticam um espetáculo agressivo, com vista a ridicularizar a presa visada. Isso é legítimo? Talvez. Mas é abjeto, rasteiro e sintomático da nossa sociedade que seja glorificado. Não deve ser criminalizado mas tão pouco deve ser idealizado.

Até porque, convenhamos, quem quer que seja que se apresente sabujo ao poder, fraco com os fortes e forte com os fracos, munindo-se invariavelmente de dois pesos e duas medidas, tem um nome simples e eficaz: hipócrita.

A ditamole ou a demodura em que vivemos é essa máquina debulhadora que vai subornando e partindo a espinha a tudo o que lhe pode ser inconveniente, desde o jornalismo à ciência. O humor não lhe escapou e ele, que já foi a última fronteira da Liberdade, hoje não passa de propaganda do poder, opressão. Não sei se deste lado estão Anjos. Mas desse estão mesmo Demónios. O Diabo que ri.

Ativista Política//Escreve à quarta-feira no SAPO 

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