Li isto e reli. Mas, mesmo assim, tive de voltar a ler com detetor de consciência. Sobretudo vindo de um académico (professor universitário e jornalista).
Não sei o que é pior nesta afirmação (abaixo): se a discriminação (em tantos sentidos), se a ignorância da multiculturalidade, se ‘mandar’ enfiar a cultura e a língua portuguesas num kit. Há coisas que não se delegam, como a herança cultural. Muito menos se empacotam como se fosse um kit de viagem de avião estilo necessaire. E muito menos se diz ou se valida pelo Ciberdúvidas da língua portuguesa.
"Portugal deveria criar um 'kit cultural' – com referências e aulas sobre as diferenças linguísticas – para orientar os brasileiros que desejam morar no país. E esse material poderia ser apresentado por brasileiros já residentes em Portugal, especialmente intelectuais com vivência concreta dessa transição."
Eu não estaria completamente em desacordo se não tivesse lido primeiramente o título: "É preciso entender que a língua vai mudar em Portugal." E, ainda, uma cláusula especial (estilo ala premium) para os “intelectuais”, assim se afirmou.
Ora o ensino que é para todos os imigrantes, isso não. O kit deve ter diferentes upgrades, talvez. Quando não se é esperto (intelectual) o suficiente, então aprende-se menos palavras para se continuar pouco esperto?
Ora, a língua portuguesa, como todas as línguas, está sempre a mudar, pois é esse o sentido da evolução. Daí que o Latim já não exista, mas não tenha morrido (é só antigo). Todavia, a prepotência de se considerar, numa voz de autor brasileiro, que a nossa língua (de Portugal) é que muda (ainda mais) para servir o entendimento de determinados imigrantes, isso não se admite. E eu que sou uma acérrima defensora e investigadora na área das imigrações, fico perplexa com esta falta de aculturação defendida. Não é preciso entender nada disso, e eu reformularia assim:
“É preciso entender que os falantes de Português do Brasil devem tentar perceber o Português de Portugal”. E acrescento “Já que nós também temos de entender as variantes do Português do Brasil”. E assim está tudo bem: a isto chama-se a bendita multiculturalidade e a diferença bem-vinda.
Se começarmos a dar ouvidos a estas vozes discriminatórias, o que vai acontecer é o terceiro acordo ortográfico em que vamos guardar comida na geladeira e não no congelador; e o verão vai passar a esquentar em vez de aquecer.
Será que as pessoas que, com credibilidade supostamente académica, não se lembram que ao emitirem estas mensagens estão a gerar uma insuficiência face ao valor da herança cultural de outros. Todas as línguas e culturas devem ser preservadas e não mescladas. A inclusão é isso mesmo, não é erradicar origens.
Algo com que eu concordo e não vejo referido em lado nenhum, a bem da cultura lusitana e dos nossos imigrantes, é: construir um manual (não é um kit express!) não turístico para que os novos habitantes (bem-vindos) de Portugal possam compreender normas culturais e sobretudo sociais do país. Porque não há comportamentos punitivos se estes não forem primeiramente ensinados. É o caso do piropo que é penalizado legalmente; ora então temos de informar isto no tal ‘manual’ as culturas que não veem nada de negativo nisso e que não sabem que nós não o toleramos em praça pública (dependendo do contexto – e isto do contexto também deve ser explicado).
Quando estive em Singapura, sabia que não podia colocar pastilhas em qualquer caixote de lixo normal, porque há uma informação sobre isso. Igualmente não podia manifestar afeto ao parceiro em transportes públicos na Malásia, porque está informado nos sinais dos transportes.
Coisas estranhas talvez, mas temos de as respeitar. E sermos informados, sobretudo saber informar. Não cortar a língua de ninguém.
Você compreendeu? Eu sim.