Vivemos num tempo em que as minorias são, e bem, parte central do debate público. Ganhou-se consciência, visibilidade e conquistaram-se direitos. Mas será isto verdade para todas as minorias? Infelizmente, não.
Na verdade, há grupos inteiros de cidadãos que continuam fora do foco dos media, da agenda política e do radar da sociedade. Uma dessas minorias invisível é a das pessoas com dano cerebral adquirido (DCA), uma condição que pode surgir de forma súbita, após um acidente vascular cerebral ou um traumatismo craniano. São milhares em Portugal, de adultos a jovens cujas vidas e as vidas das suas famílias mudaram de um dia para o outro.
É fácil perceber porque é que estas minorias acabam por ter pouca expressão. São compostas por pessoas que não se identificam por uma etnia, uma orientação, uma bandeira. Muitas vezes, não apresentam sinais exteriores óbvios. Vivem com alterações cognitivas, emocionais ou comportamentais que escapam ao olhar desprevenido. Por isso, são esquecidas. Quando muito, são agrupadas na categoria ampla e vaga de “pessoas com deficiência” e que, mesmo aí, mal cabem.
A invisibilidade tem consequências reais. Marta (nome fictício), por exemplo, tem 35 anos e sofreu um AVC ligeiro aos 31. Recuperou a fala, consegue caminhar, e aparentemente “está bem”. Mas luta diariamente com lapsos de memória, desorientação e exaustão mental. Foi despedida por “falta de produtividade”. No centro de saúde, ninguém entende a sua condição. No supermercado, é criticada por usar o lugar prioritário. Marta é invisível ao sistema e à sociedade.
Mesmo entre as deficiências, há um enviesamento. Damos mais atenção às que mobilizam campanhas e geram imagens fortes: cadeiras de rodas, cães-guia, língua gestual. Mas esquecemos as mais frequentes e mais silenciosas. Segundo a Direção-Geral da Saúde, os AVC são a principal causa de morte em Portugal, com cerca de 25 mil casos por ano. A OMS estima que mil milhões de pessoas no mundo vivam com algum tipo de deficiência, sendo muitas delas invisíveis do ponto de vista cognitivo, emocional ou sensorial. Entre os idosos da OCDE, um em cada três sofre uma queda grave por ano, muitas com sequelas neurológicas irreversíveis. Estes números deviam bastar para a sociedade se mobilizar. Mas não é o que acontece, infelizmente.
E sem visibilidade, não há política. O Estado português não tem uma estratégia pública específica para o DCA. Não existem planos nacionais de reabilitação neurológica, nem orçamentos dedicados. As necessidades destas pessoas ficam diluídas num sistema que não as conhece, não as ouve e, por isso, não responde. O resultado? Famílias sobrecarregadas, cuidadores exaustos e milhares de cidadãos sem apoio estruturado.
Quem tenta colmatar este vazio são as organizações da sociedade civil, como aquela a que tenho o privilégio de pertencer, que presta apoio direto a pessoas com DCA e às suas famílias, organiza sessões de estimulação cognitiva, forma profissionais e luta por mais atenção política. Tudo isto com poucos recursos, nenhuma ajuda estatal e um esforço diário desproporcional. Estas ONG são a última linha e, muitas vezes, a única.
A verdade é que a sociedade tende a mobilizar-se em torno de causas com símbolos fáceis e rostos familiares. Mas o risco é esquecermos os que não têm palco, os que não se encaixam em categorias reconhecíveis. E isso torna-se um problema coletivo, não apenas ético, mas também social, económico e político.
Está na hora de abrir o leque. De reconhecer que há muitas formas de diferença, de exclusão, de invisibilidade. E que todas contam. As outras minorias existem. Só precisam que olhemos para elas e que façamos por incluí-las nas políticas públicas, no discurso mediático, no espaço comum.
Porque o silêncio também é uma forma de exclusão.
Diretora Executiva da Associação Novamente