Na sequência de uma publicação recente de Matthew Prince, CEO da Cloudflare, onde se mostra profundamente desiludido com o ambiente de investimento em Portugal — e que rapidamente chamou a atenção de Paul Graham, cofundador da Y Combinator e uma das maiores referências mundiais no universo startup — vale a pena parar para refletir. Mais do que dar respostas definitivas, talvez devêssemos começar por fazer as perguntas certas.

Enquanto responsáveis por projetos nascidos precisamente da confiança de investidores estrangeiros no ecossistema português, é inevitável sentirmos algum incómodo perante afirmações tão duras. Mas é também uma oportunidade para questionar se estamos, de facto, a corresponder a essa confiança — ou se estamos apenas a sobreviver num ecossistema onde o talento resiste, mas a estrutura o atrapalha.

Estamos a criar as condições necessárias para que o investimento estrangeiro prospere?

No seu post, Matthew Prince apontava problemas concretos: imigração, licenciamento, burocracia e a ausência de um aeroporto funcional. Porém, importa sublinhar que, segundo uma notícia publicada pelo ECO a 26 de maio, o CEO da Cloudflare terá estado envolvido num incidente à saída do aeródromo de Tires, sendo acusado pelo diretor do aeródromo de conduta irregular. A ser confirmado, este facto ajuda a contextualizar o desabafo partilhado nas redes sociais e levanta questões sobre a proporcionalidade e a origem exata do seu descontentamento.

Ainda assim, o ponto mais amplo permanece: são precisamente estas barreiras — burocracia, dificuldades de mobilidade, entraves administrativos — que afastam investimento de qualidade, prolongam decisões estratégicas e fragilizam o posicionamento de Portugal como destino competitivo para startups e scaleups internacionais. Podemos continuar a ignorá-las?

Qual a visão do novo Governo para o digital e para o ecossistema de inovação?

Depois de um primeiro ano de governação em que a atual maioria se limitou a dar continuidade à política anterior (liderada pelo executivo socialista), o reforço do mandato eleitoral coloca agora uma responsabilidade acrescida sobre os ombros do novo Governo. Qual é, afinal, a sua visão estratégica para a economia digital? Qual o plano para os próximos quatro anos no que diz respeito ao empreendedorismo e inovação?

A Startup Portugal será a entidade certa para executar essa visão?

A Startup Portugal tem tido um papel relevante, mas a pergunta impõe-se: está dotada dos meios, da autonomia e da agilidade necessários para liderar a transformação estrutural que o país precisa nesta área? Ou é tempo de reforçar, reformar e repensar o modelo de governação da política pública para o empreendedorismo e a inovação? Delegar responsabilidades sem garantir capacidade de execução poderá ser um risco irremediável.

Portugal não pode perder tempo.

O tempo é o recurso mais escasso neste setor. Cada mês sem decisões estratégicas, cada trimestre sem visão clara, é um passo atrás face a outros países que avançam com planos ambiciosos e reformas estruturantes. Portugal não pode continuar a vender promessas enquanto perde tração no terreno.

O post de Ricardo Marvão foi certeiro ao lançar a pergunta: o que pensam os alumni da Y Combinator em Portugal? Talvez seja também tempo de perguntar: o que pensa o talento que cá se forma? O que pensa quem cá investe? E quem tenta internacionalizar a partir de cá? Ouvir essas vozes — e agir sobre elas — poderá ser o verdadeiro teste de maturidade de um país que diz querer ser líder em inovação.

Mais do que respostas, precisamos de coragem para fazer as perguntas difíceis. E de vontade política e institucional para lhes dar resposta.

Rui Nuno Castro é director da inCoimbra StartUp HUB e co-founder da alphaCoimbra