António Pedroso Marta, de 66 anos, trabalha desde muito jovem como sapateiro e tem loja aberta no centro de Poiares, no distrito de Coimbra, mesmo ao lado dos Paços do Concelho.

Na Sapataria Marta, onde também vende obra de fábrica, produz à mão todo o tipo de calçado e cintos de couro, segundo técnicas antigas que aprendeu com os mestres do ofício.

Mas foi na manufatura de botas para militares que apurou engenho e arte, passando a ser muito procurado por profissionais da Guarda Nacional Republicana (GNR).

Até que um dia o palhaço Detlef Schafft lhe bate à porta, para encomendar os sapatos coloridos, que ainda usa nas representações da companhia Marimbondo, que fundou em Vale de Sancho, no vizinho município da Lousã, em 1990.

"Os primeiros que eu fiz foram estes, que já têm mais de 10 anos", afirma António Marta à agência Lusa, apontando para o par que o artista alemão tem nos pés, para uma breve e bem-humorada demonstração entre prateleiras com botas, sapatos e sandálias.

Atores, palhaços e demais trabalhadores de circo "começaram a pedir outros modelos". E, depois, o artesão decidiu "guardar as fotografias do que fazia" e começar a preparar catálogos para mostrar aos clientes.

"Não foi difícil, pois já fazia calçado para a GNR", conta, enquanto ajeita uma biqueira nas botas de um freguês da zona de Góis.

Bom anfitrião, embora homem de poucas falas e mais concentrado no trabalho minucioso, António ajusta as solas à forma, antes de palmilhar e coser.

Este calçado "é para andar na faxina", no meio dos eucaliptais, na recolha de toros para a pasta de papel, explica, com um sorriso, revelando que o operário calça o número 52.

Detlef Schafft tinha pedido ao artesão para consertar os seus tradicionais sapatos, feitos há cerca de 14 anos.

O circo Marimbondo apresta bagagem e adereços para o Festival Internacional de Payasos, que decorre na Gran Canaria (Espanha), até segunda-feira.

Radicado na Lousã há 25 anos, o artista precisa deles como novos para, em tempo de crise, produzir talvez um novo brilho no olhar de miúdos e graúdos.

Depois da primeira compra, alguns amigos seus recorreram igualmente ao criador de Poiares e um deles mandou mesmo fazer umas botas de bobo, segundo um modelo medieval.

"Não diziam a ninguém onde tinham sido feitas", lamenta o obreiro, que recorda o dia em que uma companhia de circo, de passagem por Poiares, "comprou uns pares de sapatos" de palhaço que tinha na montra.

As botas de bobo, de novo na oficina para reparar, "deram muito trabalho e ainda tive de as desmanchar umas duas vezes", confessa António Marta.

"Já tive uma vez um cliente que não era palhaço e comprou-me umas que tinha na montra", regozija-se.

Envergando as vestes garridas de comediante, Detlef experimenta o seu calçado preferido em palco, nas feiras e na rua.

"Já veio aqui várias vezes, para renovar solas. Assenta no meu pé que nem uma luva. Este sapato às vezes dá me asas!", graceja.

Entre gargalhadas e peles de diferentes cores, o palhaço simula uma chamada telefónica, com um sapato no ouvido, e tenta demonstrar que a arte do artesão Marta pode ir mais longe.

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Lusa/Fim