Nas comemorações oficiais do Dia de Portugal, de Camões e das comunidades portuguesas, que tiveram lugar em Lagos, no distrito de Faro, o Presidente da República condecorou Ramalho Eanes com a Ordem Militar de Avis.

Mas não só… as comemorações oficiais ficam sempre marcadas pelos discursos, uns entediantes, outros menos, que confluem, em regra, para as mensagens que se pretendem enviar ao povo e à classe política. E em Lagos não houve exceção.

Centremo-nos em Marcelo Rebelo de Sousa e Lídia Jorge. Não esteve em causa, de modo algum, qualquer ponto de vista histórico. E quem o pensar, desengane-se. Os seus discursos foram meramente políticos e não foram gerados pelo acaso.

Portugal consigna, atualmente, uma discussão muito viva (e positiva) sobre os efeitos da imigração. O país foi, durante os mandatos da esquerda moderada e radical, um verdadeiro passador, sem peneira, de muitos quantos quiseram ingressar em terras lusas, por motivações várias. Nestes, há gente boa e trabalhadora e gente que não o é.

Sobrevieram as máfias, as quais, ao arrepio de qualquer contexto legal, angariam fundos em troca do el dorado lusitano. Mas, azar dos Távoras, a propósito de el dorado, aqui apenas encontram sol e mar. A nossa economia é o que é (e tenderá a não ser outra coisa) e a vida que espera os imigrantes não é a mais digna, quer a nível laboral, quer a nível habitacional, quer a muitos outros níveis, como consabemos.

Ora, no discurso que marca a sua despedida, Marcelo Rebelo de Sousa e Lídia Jorge quiseram dar uma aula. Vejo-os sentados na cátedra, lecionando, enquanto o povo não os ouve, porque está mais interessado e divertido a banhos nas praias. Mas a comunicação social – e bem –, como lhe competia, trouxe a parte mais quente (e inflamada) da narrativa do ainda Presidente da República e da escritora.

Disse Marcelo “não há quem possa dizer que é mais puro e português do que qualquer outro”, aludida após um contexto histórico que lhe serviu, somente, de amparo.

Por seu turno, Lídia Jorge referiu que “ninguém tem sangue puro e que a falácia da ascendência pura não existe. O povo português é uma soma do nativo e de outras proveniências, como piratas. No século XVII, 10% dos portugueses eram descendentes de africanos”.

Historicamente, Portugal data de 1143, século XII, com a celebração do Tratado de Zamora. A independência de Portugal, reconhecida em 1179, quando o Papa Alexandre III emitiu a bula papal Manifestis Probatum, conferiu o estatuto jurídico de Portugal como reino independente e reconheceu D. Afonso Henriques como o seu rei.

Após a fundação do reino, os reis portugueses continuaram a expandir as fronteiras para sul, na Reconquista Cristã, até à conquista do Algarve, processo findo no século XIII, com a tomada de Silves e Faro por D. Afonso III.

Passar por cima de cinco séculos, passar por cima da honrosa história de D. Afonso Henriques e dos que se lhe seguiram, das lutas travadas, entre tanto e tanto que se poderia escrever, foi de profundo mau gosto. Mau gosto, esse, que teve um fito, um propósito, o emergir de uma narrativa que contrarie o nacionalismo cuja ascensão é palpável.

Penso, do que li, que a maior parte dos portugueses que vertem a sua opinião nas redes sociais se sentiram traídos, defraudados, até mesmo insultados. Pessoalmente, entendo ter havido uma tentativa de manipulação de opinião. Só que os portugueses têm muitos séculos, maturidade, e ensino, o que representa a possibilidade de terem uma opinião formada, tout court, não iludida ou iludível.

Do ponto de vista político, as inúmeras tentativas de manipulação da opinião individual têm resquícios recentes, mormente trazidos à praça por uma esquerda radicalizada na busca de um revisionismo histórico. Mas tal pretensão tem batido numa parede e a ascensão democrática do Chega é manifestamente uma resposta aos que não toleram o contexto histórico de Portugal.

Bem ou mal, é o nosso. Com erros? Muitos. Mas isso não obsta ao reconhecimento da nossa riqueza e, ainda mais, da nossa realidade. Não outra. A nossa.