
Foi em Marrocos que a ideia começou a ganhar forma, entre ruas vibrantes e padrões coloridos. Inspirada pelos sapatos tradicionais marroquinos, mas também pelo desafio pessoal de tentar encaixar dezenas de pares numa mala de férias, Sara Dinis, agora com 25 anos, criou a Siredi Shoes. A marca portuguesa propõe um conceito inovador: sapatos com design intemporal que, através de acessórios intercambiáveis, permitem criar vários estilos com o mesmo par. Um sapato, vários estilos é a lógica. Nesta entrevista, a fundadora explica como transformou uma necessidade pessoal num projeto sustentável, produzido 100% em Portugal, com a ambição de dar novos passos no mercado.
Como é que uma viagem a Marrocos acabou por ser o ponto de partida para a Siredi Shoes?
Durante uma viagem a Marrocos, fiquei fascinada com a simplicidade dos sapatos tradicionais locais. Apesar de terem todos a mesma forma base, cada par era único — com diferentes padrões, texturas e pequenos detalhes. Foi aí que me surgiu a ideia: e se conseguíssemos criar um sapato clássico, intemporal, mas que pudesse ser reinventado vezes sem conta? Levei comigo essa inspiração e, algum tempo depois, ela deu origem à Siredi Shoes.
Como surgiu a ideia de aliar a base clássica com acessórios intercambiáveis?
Queria que o nosso calçado fosse funcional, sustentável e versátil. A ideia dos acessórios intercambiáveis veio precisamente dessa vontade: permitir que uma mesma base pudesse ganhar novas expressões, acompanhando diferentes ocasiões, estilos ou estados de espírito. Assim, em vez de vários pares, oferecemos um par com várias possibilidades.
“Em vez de vários pares de sapatos, oferecemos um par com várias possibilidades”
A marca foi lançada em abril deste ano. Qual a formação da Sara e como é que decide passar da ideia à ação, criando um negócio de sapatos?
Sou formada em Gestão de Marketing e sempre tive uma ligação forte à estética, ao produto e à funcionalidade. A decisão de passar da ideia à ação surgiu de uma vontade de criar algo próprio, com propósito, e também de preencher um espaço que senti existir no mercado: sapatos bonitos, confortáveis e transformáveis — para que eu própria, nas minhas viagens, pudesse ter várias alternativas de outfit com apenas um sapato.
Como foi montar a empresa? Quanto tempo levou o desenvolvimento da empresa? Que apoios financeiros teve? Que dificuldades sentiu?
Foi um processo desafiante. Desde a ideia inicial até ao lançamento passaram-se cerca de 18 meses. Foi preciso estudar materiais, testar protótipos, encontrar parceiros certos, desenvolver o modelo técnico dos acessórios. O projeto teve apoio próprio. As maiores dificuldades prenderam-se com o desenvolvimento técnico e a produção em pequena escala.
Quem são os acionistas da empresa?
Sou a única acionista.
“Desde a ideia inicial até ao lançamento passaram-se cerca de 18 meses. Trabalhamos com fábricas especializadas, todas localizadas em Santa Maria da Feira”
Os sapatos e os acessórios são fabricados em Santa Maria da Feira. Tem acordos com várias fábricas?
Sim, trabalhamos com unidades especializadas, todas localizadas em Santa Maria da Feira, uma região com enorme tradição e know-how no setor do calçado. São fábricas que partilham a nossa preocupação com a qualidade e com a produção ética.
Como é que alguém que está fora do mundo do calçado, como a Sara, consegue convencer fábricas e players do setor do calçado a apostar no seu produto? Como é que conseguiu que lhe dessem ouvidos? Isso é por si só uma grande vitória…
É verdade, não foi fácil. Quando se vem de fora de uma indústria tão específica como a do calçado, é natural que surjam dúvidas por parte de quem já está no terreno há anos. Mas acho que o que fez a diferença foi a minha dedicação, a clareza da visão e a vontade genuína de fazer algo com propósito. Eu não fui com a pretensão de ensinar nada a ninguém, mas sim com a vontade de aprender, de ouvir, de construir algo em conjunto. Mostrei que havia um trabalho sério por trás da marca — desde o design, à escolha dos materiais, à preocupação com a produção ética — e isso foi ganhando a confiança das fábricas. No fundo, acho que as pessoas reconhecem quando há verdade e empenho, e é isso que lhes faz abrir portas.
“Não fui com a pretensão de ensinar nada a ninguém, mas sim com a vontade de aprender, de ouvir, de construir algo em conjunto”.
A produção 100% portuguesa é um valor central da marca. Porquê esta aposta e que vantagens encontra em produzir cá?
Produzir em Portugal garante-nos qualidade, proximidade e controlo. Temos acesso direto aos nossos parceiros, conseguimos testar e ajustar rapidamente, e contribuímos para a valorização da indústria nacional. Além disso, permite-nos reduzir a pegada logística.
“Produzir em Portugal garante-nos qualidade, proximidade e controlo”.
Como está a evoluir o volume de produção?
Temos crescido de forma sustentável. Iniciámos com uma produção limitada, mas estamos já a planear aumentar os volumes para responder à procura e à introdução de novos modelos e acessórios.
A coleção atualmente é composta por quantos sapatos e quantos acessórios?
Neste momento temos 3 modelos base e 9 acessórios diferentes, que podem ser combinados de várias formas, criando dezenas de possibilidades.
“Estamos já a planear aumentar os volumes para responder à procura e à introdução de novos modelos e acessórios”.
São sapatos femininos apenas e assim se manterão?
Neste momento, sim. Mas já temos em estudo modelos unissexo e uma eventual linha masculina.
O design dos produtos é feito por quem?
O design é desenvolvido internamente, por mim, em colaboração com designers e modelistas especializados. Trabalhamos em equipa, sempre com base na ideia de funcionalidade, estética e conforto.
Pensam trabalhar com alguns criativos portugueses para desenvolver novos acessórios e sinergias? Quais?
Sim, essa é uma ambição clara. Queremos trazer outras vozes criativas para dentro da marca — desde artistas plásticos a designers de moda. Já temos algumas conversas em andamento, mas ainda é cedo para anunciar nomes.
“Queremos trazer outras vozes criativas para dentro da marca — desde artistas plásticos a designers de moda”.
Como foi o processo de desenvolvimento técnico — por exemplo, garantir que os acessórios são fáceis de colocar, mas também duráveis?
Foi um dos maiores desafios. Trabalhámos muito para encontrar o sistema certo — testámos protótipos até chegar a uma solução que fosse prática, resistente e esteticamente discreta.
O modelo de “menos pares, mais opções” tem também uma vertente ambiental. Usam isso como argumento de venda?
Sim, sem dúvida. Ao oferecer versatilidade num só par, estamos a propor um consumo mais consciente. Este é um valor que comunicamos de forma transparente e que é muito valorizado por quem nos procura.
“Ao oferecer versatilidade num só par, estamos a propor um consumo mais consciente”.
Que feedback tem recebido das primeiras clientes?
Muito positivo. As clientes destacam o conforto, a originalidade do conceito e a sensação de estarem a usar algo especial. Os acessórios tornam a experiência divertida, quase como se estivessem a criar o seu próprio par.
Para quem é a Siredi Shoes? Como descreveria o perfil do cliente que procura esta marca?
É uma mulher urbana, que valoriza qualidade, conforto e originalidade. Gosta de peças versáteis e tem uma preocupação com o impacto do que consome. Procura produtos com história e propósito.
“Os acessórios tornam a experiência divertida, quase como se estivessem a criar o seu próprio par”.
Dado que a presença é essencialmente online, têm uma taxa de devolução elevada? De que ordem de grandeza?
Temos tido uma taxa de devolução bastante baixa, abaixo da média do setor. Apostamos em boas descrições, guias de tamanho detalhados e apoio ao cliente personalizado para ajudar na decisão.
Estão a pensar ter presença física nalgumas lojas? Há negociações em curso ou acordos feitos?
Sim, é algo que está nos nossos planos. Estamos a avaliar parcerias com lojas conceito e espaços que se identifiquem com os nossos valores. Em breve poderemos anunciar novidades.
Qual é a estratégia para expandirem a Siredi? Que passos pensam dar?
A estratégia passa por consolidar a marca em Portugal e, gradualmente, entrar em novos mercados europeus. Vamos também apostar em mais modelos, colaborações criativas e presença em feiras e eventos internacionais.
“A estratégia passa por consolidar a marca em Portugal e, gradualmente, entrar noutros mercados europeus”.
O mercado de exportação está nos planos? Há países que consideram prioritários para levar a marca?
Sim, está nos nossos planos. Países como França, Alemanha e os países nórdicos estão no nosso radar, pois têm um perfil de consumidor muito alinhado com os nossos valores.
Conselho a quem quer lançar um negócio: “Testem a ideia. Falem com pessoas, façam protótipos, ponham-na a circular”.
É jovem e já está a lançar o seu próprio projeto de marca. Que aprendizagens destacaria deste caminho até agora?
O que mais aprendi foi a importância da persistência, da escuta ativa e da colaboração. Empreender é aprender todos os dias — e não há um caminho único nem respostas certas.
Que conselhos daria a quem tem uma ideia, mas hesita em avançar para criar o seu próprio negócio?
Testem a ideia. Falem com pessoas, façam protótipos, ponham-na a circular. Muitas vezes esperamos pela “altura certa” que nunca chega. O mais importante é começar, mesmo que seja aos poucos.