Não é normal a Harvard Business Review ser criticada, pelo menos por mim, mas um dos seus mais recentes artigos, “Does the Chief Marketing Officer Role Need an Update?”, lança uma reflexão sobre o papel do Chief Marketing Officer (CMO) nas organizações contemporâneas, o qual, na minha opinião, está desenquadrado. O artigo propõe uma atualização funcional do cargo, porém parte de uma premissa redutora: a de que os desafios que enfrentamos podem ser resolvidos por mera reformulação das designações ou acréscimo de competências operacionais. No entanto, o cerne da questão não reside nos títulos, mas sim na estrutura organizacional onde estes estão enquadrados. Enquanto persistirmos no ajuste de nomenclaturas sem reconfigurar os sistemas onde estas se inserem, estaremos apenas a perpetuar ineficiências, porém com novas roupagens.

Num cenário marcado pela volatilidade, a aceleração tecnológica e ainda por uma mutação constante dos comportamentos de consumo, o marketing deixou há muito de ocupar uma posição acessória. Assumiu, pelo contrário, o papel de eixo estratégico central de qualquer organização orientada para o futuro. Reduzir o marketing a ações de comunicação — como ainda acontece em muitos contextos — é cometer um erro colossal. A comunicação é, no máximo, uma das manifestações operacionais do marketing. Marketing é, na essência, a infraestrutura que liga o negócio aos clientes, a relação entre os dados até à ação, o caminho da tecnologia à experiência e a transformação dos processos em valor. Por definição é a disciplina que melhor compreende o comportamento de tomada de decisão humano em contexto de mercado. É quem mapeia jornadas de consumo, recolhe e interpreta sinais, transforma insights em propostas de valor relevantes e tangíveis. É também quem lidera a adoção e integração de tecnologias emergentes, impulsiona a personalização de experiências em escala e articula os canais de relacionamento que sustentam a confiança e a reputação das marcas. Neste quadro, o papel do CMO não se pode limitar à gestão de campanhas ou eventos, nem à proteção da imagem institucional. Exige-se que seja um verdadeiro agente da articulação sistémica, com visão transversal, capacidade de influência interna e orientação clara para resultados concretos.

Contudo, tal exigência só poderá ser plenamente cumprida se a estrutura organizacional estiver à altura dessa ambição. E a verdade é que, na maioria das empresas, as hierarquias permanecem excessivamente rígidas, os papéis mal definidos e os silos funcionais continuam a prevalecer sobre a colaboração eficaz. Falta clareza quanto aos objetivos, falta alinhamento em torno de métricas e, sobretudo, falta uma direção coletiva robusta. A ausência de liderança inspiradora e de modelos organizativos adaptáveis impede que o marketing desempenhe plenamente a sua função estratégica. O estudo da McKinsey, The Five Trademarks of Agile Organizations, confirma esta minha opinião ao demonstrar que as organizações com melhor desempenho são aquelas que operam em rede, com equipas autónomas, estruturas flexíveis, decisões distribuídas e um propósito mobilizador. Estas organizações investem numa cultura de “liberdade com responsabilidade” — um princípio que defendo aplicando-o ao longo da minha carreira — em que a autonomia é acompanhada do compromisso de entrega e com os resultados coletivos.

Por tudo isto, não é de um simples “upgrade” de cargos ou assinaturas que precisamos. O marketing precisa de uma reconfiguração profunda do modelo de liderança. Um modelo que valoriza a cocriação, a escuta ativa e a direção exercida não a partir do estatuto, mas do serviço e do mérito. O futuro pertence a organizações horizontais, colaborativas e ancoradas na confiança, estruturas onde a responsabilidade é construida através do contributo real e não por mera antiguidade. Um ecossistema de marketing moderno não procura apenas um líder formal, grita sim por coligações onde o saber e a ação têm encontro marcado. O foco não está no “dono” da marca ou dos dados, mas sim em sistemas de co-liderança e propriedade partilhada.

É tempo de ultrapassarmos os modelos que concentram o poder em estruturas opacas e de apostarmos em arquiteturas colaborativas. Em plena era da mudança permanente, o marketing não é apenas mais uma função da empresa é o elo que liga produto e mercado, reputação e confiança, dados e decisão. É precisamente esta transversalidade que deve orientar a transformação organizacional. Hierarquias constroem muralhas. A partilha constrói pontes. E, no mundo que se avizinha, o progresso dependerá da nossa capacidade de atravessar essas pontes com clareza estratégica, com visão coletiva e com pessoas que nos inspiram, não pelo cargo que ocupam, mas pelo valor que entregam.

João Calado,
Invited Professor, Head of Marketing, Executive MBA