Valdemar Silva, reformado de 76 anos, antigo piloto de aviação, é cliente assíduo do principal mercado da capital e contou à Lusa que o desemprego, sobretudo entre os mais jovens, é uma das suas preocupações, tal como a crise dos combustíveis, cujos preços subiram mais de 10% só no último mês.

O reflexo dessa crise encontra-o sempre que vai ao mercado, face ao aumento dos preços dos produtos ali à venda, que chegam por estrada ou via marítima de todo o país.

"Portanto, se o preço do combustível aumentar, o nível de vida baixa e o poder de compra diminui", observou, queixando-se igualmente do impacto do aumento das tarifas de eletricidade, que subiram em média, em Cabo Verde, 30% em outubro.

"Várias famílias ficaram afetadas, sobretudo as mais vulneráveis, as famílias que tem pouco poder de compra", reconheceu.

Os preços em Cabo Verde aumentaram 0,9% em outubro, face ao mês anterior, a nona subida mensal consecutiva, segundo dados do indicador revelado anteriormente pelo Instituto Nacional de Estatística (INE) cabo-verdiano.

No acumulado de dez meses de 2021, os preços já subiram 4,0%, quando o Governo cabo-verdiano estimou para este ano uma inflação acumulada (janeiro a dezembro) de 1,2%.

Devido à crise económica decorrente da pandemia de covid-19, que deixou o arquipélago desde março de 2020 sem turismo, Cabo Verde perdeu 19.718 empregos líquidos, elevando a taxa de desemprego, segundo os dados do Governo, para 14,5%, com impacto sobretudo nos mais jovens.

É o caso de Liliana Fontes, empregada doméstica, de 35 anos, que ficou sem trabalho devido à pandemia da covid-19 e que a Lusa encontrou a tentar fazer compras no mercado, ensombrada pela preocupação.

"Tenho três filhos menores que estudam. Devido ao desemprego e à economia no momento, mal consigo sustentar a família. Sobretudo, hoje em dia, com o aumento de preços dos alimentos, do combustível e da eletricidade, por vezes passamos por dificuldades para sustentar a família", contou.

Entre as compras dos legumes que a carteira permite, não esconde o desejo de ver a vida voltar a ser como era antes, sem as restrições e as medidas sanitárias impostas pela covid-19 ou a crise económica. E sobretudo de novo com emprego.

"Os preços dos produtos nesses últimos dias aumentaram e muito, no próximo ano espero que o Governo aumente o salário, sobretudo às famílias que vivem do salário mínimo, bem como dar a oportunidade aos jovens para engajarem no mercado de trabalho", desabafou.

Helena Barros, que há 20 anos vende legumes e hortaliças no mercado, assiste às preocupações e dificuldades dos clientes, que também partilha. Admite que nas últimas semanas os preços dos produtos no mercado subiram, também devido à falta de chuva, outro dos problemas que afeta Cabo Verde, há mais de três anos em seca.

"Com a falta de água obviamente que os agricultores aumentam os preços dos produtos", contou, apontando que nestes últimos tempos a venda está difícil no mercado, até pela concorrência dos vários minimercados.

"A venda é o único sustento da minha família. Tenho cinco filhos que dependem desse pouco rendimento conseguido no mercado e os ganhos mal servem para pagar as despesas mensais", contou, referindo o desejo por "dias melhores".

A tentar fazer as compras no mercado, Eveline Fernandes, de 25 anos, licenciada em Economia, vive agora no desemprego. No mês de março de 2020, quando a pandemia começou em Cabo Verde, realizava o estágio profissional e tinha a perspetiva de entrar no mercado de trabalho, mas tudo parou desde então.

"Há um ano que vivo por conta própria, realizava o estágio, no qual não só ganhava conhecimentos, mas os 15 mil escudos [135 euros] que recebia todos os meses ajudava-me na alimentação e nas despesas. Com a pandemia, infelizmente, tive de parar o estágio e hoje estou desempregada", lamentou Eveline Fernandes.

O Governo cabo-verdiano prevê para este ano um crescimento económico de até 7,5% do Produto Interno Bruto (PIB) e de até 6% em 2022, cenários dependentes da retoma da procura turística, que garante 25% da riqueza produzida no país e do emprego, mas que ainda assim será insuficiente para recuperar da recessão de 14,8% registada em 2020.

"Mesmo que se concretize, o crescimento económico não será ainda suficiente para compensar a contração registada em 2020. Significa que em 2022, o país estará ainda com menos riqueza do que tinha em 2019", alertou na semana passada o primeiro-ministro, Ulisses Correia e Silva, ao apresentar no parlamento a proposta de lei do Orçamento do Estado para o próximo ano, que entre outras medidas prevê um agravamento da taxa do IVA de 15% para 17% e na importação de centenas de produtos.

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