Márcio Sampaio, ex-treinador adjunto de Jorge Jesus, analisou, em exclusivo ao Bola na Rede, o dérbi decisivo entre Benfica e Sporting da jornada 33 da Primeira Liga.

Márcio Sampaio falou em exclusivo com o Bola na Rede. O antigo treinador adjunto da equipa técnica liderada por Jorge Jesus abordou o encontro decisivo da Primeira Liga entre Benfica e Sporting, agendado para o próximo sábado, no Estádio da Luz. O técnico de 46 anos destacou desde logo a importância de ambas as equipas terem uma semana limpa para preparar o dérbi:

«Eu acho que nenhuma das duas equipas estará mais bem preparada em relação à outra porque ambas tiveram uma semana limpa para preparar o jogo. É curioso que não me recordo nos últimos anos de isto ter acontecido, ou seja, na semana que antecede este tipo de jogos como dérbis e clássicos, os clubes terem esta semana limpa para descansar e preparar o jogo da melhor forma. Nem o aspeto da recuperação nem a parte mental vão fazer a diferença porque as duas tem motivações mais do que suficientes para querer ganhar o jogo. As equipas tiveram tempo para fazer todo esse trabalho de recuperação e preparar a melhor estratégia para o jogo».

Questionado sobre o impacto da fadiga nesta fase da temporada, Márcio Sampaio sublinhou que a motivação que envolve um dérbi anula, em muitos casos, o cansaço acumulado:

«O acumular da carga competitiva faz com que os jogadores cheguem a esta fase avançada da época com uma grande sobrecarga. Mas esta semana é diferente. Estamos a falar de um dérbi e isso eleva os níveis motivacionais para um patamar em que a fadiga acaba por ter menos peso. Ainda por cima, estamos perante um cenário em que tanto o Sporting como o Benfica podem ser campeões neste jogo. Isso faz toda a diferença. Acredito até que jogadores que estejam lesionados vão querer jogar, mesmo não estando a 100%. O Sporting tem a oportunidade de ir à Luz e ganhar o campeonato de forma direta. O Benfica também pode vencer, embora tenha a condicionante da diferença de golos. É por momentos como este que jogadores e equipas técnicas trabalham toda a época. Este é um jogo que vai parar o país. Todos os olhos vão estar ali. E, em semanas como esta, nenhum jogador vai dizer ao treinador que se sente cansado. Todos querem jogar, aconteça o que acontecer».

O treinador de 46 anos confessou que, nesta fase, a preparação física passa por preservar a frescura e evitar lesões devido ao elevado número de jogos das equipas:

«Nesta altura da temporada, com tanta densidade competitiva, já não há muito que os jogadores possam ganhar do ponto de vista físico, treinando mais ou menos. A partir de março, ou até antes, entra-se numa fase em que o foco é criar estímulos para os jogadores manterem o nível de performance. A época com jogos de campeonato, jogos a meio da semana, Taças e, em alguns casos, competições europeias, reduz bastante o espaço para trabalhar fisicamente. E por isso, os treinadores não querem correr riscos nesta fase, é mais importante recuperar bem e manter a frescura dos jogadores do que forçar cargas adicionais que possam provocar lesões ou a queda de rendimento».

Relativamente à abordagem tática ao jogo, Márcio Sampaio acredita que os pormenores e a preparação estratégica vão ter um peso decisivo no dérbi:

«Em relação à componente estratégica, costuma-se dizer que, nesta altura da época, já se sabe tudo sobre o adversário. Pouco ou nada se consegue esconder. Mas ainda assim há sempre pontos fortes para reforçar e fragilidades a explorar. Nestes jogos grandes, normalmente ganha quem comete menos erros. E isso pode passar por uma simples jogada estudada, por uma estratégia posicional. O segundo golo do Sporting frente ao Gil Vicente é exemplo disso. Muito se falou da sorte ou do acaso, mas a verdade é que o Eduardo Quaresma estava naquela posição por uma questão estratégica. Não foi por acaso. Ele estava ali porque a equipa trabalhou aquilo. Vai ser um jogo altamente tático, com as duas equipas a quererem ganhar, mas com margens muito curtas para surpreender. O que pode fazer a diferença são exatamente esses detalhes e essas estratégias específicas para explorar os pontos menos fortes do adversário».

Para o técnico, as leituras de jogo de Bruno Lage e Rui Borges serão determinantes no resultado final:

«O que eu acho é que este jogo vai ter muito dedo do treinador. A equipa técnica que conseguir ler melhor o jogo, perceber onde pode surpreender ou ferir o adversário, vai estar mais perto de vencer. E isso faz toda a diferença. Já não estamos a falar só de quem tem os melhores jogadores. Aqui o fator decisivo pode ser mesmo a capacidade de intervenção do treinador».

Em relação ao equilíbrio entre a preparação física e a parte mental, Márcio Sampaio não tem dúvidas sobre qual será mais relevante para o Benfica x Sporting:

«Entre a parte física e a parte mental, aquela que mais se vai sobressair é a parte mental. A questão física, nesta fase da época, não vai ser determinante. Não há um preparo físico diferente só porque é um dérbi. Um jogador que não estiver preparado não só tecnicamente, mas também mentalmente vai cometer mais erros. E este vai ser um jogo muito interessante para quem gosta da parte estratégica. A estratégia tática tem um peso enorme, mas está completamente ligada à questão mental. A ideia é destabilizar o adversário do ponto de vista tático, para o atingir também mentalmente. Está tudo interligado. Uma equipa que esteja mentalmente forte e bem estruturada taticamente vai estar melhor preparada para o jogo. Durante a semana, os treinadores trabalham esse lado mental através da estratégia, passam o plano de jogo ao detalhe, e os jogadores têm de estar preparados para o executar com rigor».

Márcio Sampaio destacou também o peso do contexto emocional e a pressão de jogar um jogo tão decisivo nas contas do Campeonato:

«Para além da questão tática e mental também temos a pressão. Um jogador do Sporting, por exemplo, tem de estar mentalmente muito forte para entrar num estádio da Luz com 60 mil pessoas a puxar pelo adversário. Se sofrer um golo, tem de ter capacidade de reagir. E o contrário também se aplica: se o Sporting marcar, o Benfica tem de manter o foco e perceber que está a jogar contra uma equipa que pode ser campeã ali mesmo. A estratégia, a capacidade mental e o foco têm de estar totalmente alinhados. Num jogo com este peso, a exigência tática e o nível competitivo são máximos. E junta-se ainda a parte cognitiva, neste caso a tomada de decisão, que é fundamental. Diria que tudo isto funciona como uma pilha que se vai descarregando ao longo do jogo por causa do esforço físico, da pressão mental, da intensidade tática e da exigência de decidir bem sob pressão. É isso que este jogo vai exigir aos jogadores, estarem ao mais alto nível em tudo».

Analisando o trajeto das duas equipas ao longo da temporada, Márcio Sampaio destacou a competitividade que manteve o Sporting e o Benfica na disputa pelo título até esta reta final:

«Acho que qualquer equipa tem possibilidade de ser campeã e digo isto por experiência. Ao longo da minha carreira, percebi que, muitas vezes, a equipa que está pior classificada consegue surpreender e vencer quem está melhor. Neste caso, não temos esse cenário. Temos duas equipas muito equilibradas, a lutar pelo mesmo objetivo, e qualquer uma pode decidir o jogo. Estamos a falar de uma decisão e quando duas equipas tão equilibradas se encontram num momento chave da temporada, é muito difícil prever o desfecho. Podemos discutir quem tem o melhor avançado ou o melhor médio, mas eles não jogam sozinhos. Tudo depende das dinâmicas coletivas. Ambas passaram por momentos difíceis esta temporada. Trocaram de treinadores, estiveram alternadamente em primeiro e segundo lugar e isso mostra o claro equilíbrio do campeonato».