O dérbi da Invicta teve sabor amargo para o Boavista, que caiu frente ao FC Porto (1-2), numa noite em que Rodrigo Mora assinou uma obra-prima e os dragões deram um passo importante rumo ao terceiro lugar da Primeira Liga, uma luta que, por muito que não fosse desejável no início da época, com as vicissitudes que a mesma foi tomando, se tornou inevitável para os dragões.

Assim, no Bessa, Martín Anselmi tinha Diogo Costa regressado de lesão e Alan Varela regressado de castigo, promovendo a inclusão dos dois no onze inicial, em detrimento de Cláudio Ramos e Pepê, sendo que Fábio Vieira avançava no terreno face aos dois últimos jogos.

No Boavista, que entrava em campo no último lugar do Campeonato e a precisar de todos os pontos possíveis para ainda sonhar com a manutenção, visto que AVS e Farense já tinham vencido os seus respetivos jogos, Stuart Baxter tinha Robert Bozenik como referência ofensiva, apoiado por Salvador Agra, Miguel Reisinho e Abdoulay Diaby.

Posto isto, do lado axadrezado, a equipa começou o jogo num 4-2-3-1, que se transformava num 4-5-1 no momento sem bola, uma vez que os extremos Salvador Agra e Diaby baixavam para junto do meio-campo, onde também Miguel Reisinho descia para junto de Sebastián Pérez, o pulmão da equipa, e Joel Silva. A partir do 1-2, viu-se mais um 4-4-2 em momento defensivo, num bloco médio-baixo, com Diaby, alternando com Miguel Reisinho, a juntar-se a Bozenik na primeira linha de pressão.

Os laterais, Osman Kakay e Filipe Ferreira, não eram propriamente muito ofensivos, até porque, do outro lado, havia, muitas vezes, dois jogadores para marcar, consoante as subidas de João Mário e/ou Francisco Moura. Na frente, Bozenik procurava essencialmente a profundidade, tentando aproveitar a ingenuidade que tem reinado no eixo defensivo azul e branco nesta temporada.

Do lado portista, via-se uma formação no habitual declarado 3-4-2-1, com uma linha bastante subida, qual Barcelona, de Hansi Flick, que foi surtindo efeito, anulando os ataques à profundidade de Robert Bozenik (quase todos resultaram em fora de jogo ou com Diogo Costa, atento, a sair da baliza e a afastar).

Além disso, havia João Mário e Francisco Moura como alas, Alan Varela e Stephen Eustáquio como médios interiores, a formarem um duplo-pivot, sendo o primeiro mais um “6”, recuperador de bolas e o pêndulo da construção de jogo, enquanto o canadiano era o “motor” de jogo da equipa, fazendo a ligação entre o meio-campo e o ataque.

Na frente, desta vez, Fábio Vieira aparecia descaído para a ala direita, mais próximo das zonas onde se sente mais confortável, isto é, mais próximo da baliza adversária e, tal como Mora, eram os “vagabundos” da equipa, deambulando entre linhas e espaços que, eventualmente, aparecessem, sendo Samu a principal referência atacante da equipa.

De referir, ainda assim, as constantes permutas posicionais entre os três da frente, confundindo, assim, as marcações axadrezadas, que se viram aflitas para estabilizar e poder encaixar nos jogadores portistas. No entanto, a verdade é que Samu parece cada vez mais “um peixe fora de água” nesta equipa, uma vez que apesar de tentar se dar ao jogo, baixando e procurando dar soluções de passe aos colegas, falha quase todas as receções das bolas que lhe chegam e mesmo quanto tenta arrancar em velocidade, poucas vezes leva a melhor. Assim, tirando um ou outro lance em que até trabalhou bem dentro de área, onde é letal, e rematou para defesas atentas de Vaclík, acabou por passar um pouco ao lado do jogo.

Ora, relativamente ao encontro em si, o FC Porto começou muito bem, no Bessa. A equipa de Martín Anselmi ligou o seu jogo pelas alas, como gosta e faz bem. Houve profundidade de João Mário e Fábio Vieira pelo lado direito, tal como de Moura e Mora pela esquerda. Os canhotos foram mais audazes, mas foi o “10” portista a dar perfume ao futebol no último terço.

Os dragões tinham um jogo bem ligado, muito intuitivo e deixaram o Boavista com muitas dificuldades a defender. A equipa de Anselmi não marcou mais cedo, porque a relação dos homens de ataque estiveram iniciaram a partida algo desconciliados, na medida em que as tabelas e triangulações não estavam a chegar a bom Porto, isto é, a remates à baliza (Samu rematou à malha lateral, no primeiro momento de perigo do jogo).

O FC Porto circulava, assim, com grande qualidade, quiçá do melhor que se viu esta época com Martín Anselmi, como o próprio referiu no pós-jogo, explorando muito bem os três corredores e com boas dinâmicas nas alas, onde, na direita, João Mário até tentava entrar por dentro, libertando Fábio Vieira para fora, ao contrário do que seria expectável, ao passo que, na esquerda, Francisco Moura esteve incansável, em constantes subidas e “overlaps” (dá chegada à área e cruza bem), no apoio a Mora, que procurava mais fletir para dentro, como se viu no primeiro golo, com as suas tão reconhecidas valências: criatividade na finta, drible curto em espaços reduzidos e boa relação com a baliza de curta/média distância.

E, lá está, aos 20 minutos, Rodrigo Mora, como em tantos outros jogos, desistiu de esperar por uma ferida aberta ou por um erro mais grosseiro do adversário. À entrada da área, fletido para a esquerda, gingou em cima de Kakay, deixando o adversário no chão com os movimentos repentinos do seu corpo. Seguiu-se um remate cheio de efeito, a entrar bem no ângulo. As mãos na cabeça de Samu dirão quase tudo. Uma obra de arte, mais uma do jovem que só há seis dias pode conduzir ou votar, para se ter uma noção do quão absurdo é o craque geracional, para quem o céu é o limite. O céu… ou os 70 milhões da cláusula.

Pouco depois, na sequência de um canto batido por Fábio Vieira, os dragões ampliaram a vantagem, com Iván Marcano a ser o último a tocar na bola depois de um desvio pouco ortodoxo de Nehuén Pérez na grande área adversária.

Do outro lado, é preciso referir que os axadrezados nunca conseguiram fazer três passes consecutivos em zona de criação, não ganharam duelos no meio e, sobretudo, revelaram uma gritante incapacidade de ligar jogo de forma consistente.

A exceção acabou por ser Miguel Reisinho, que tentou dar algum critério com bola e até marcou o único golo boavisteiro – oferecido, é verdade, por um lance insólito de grande penalidade (o penálti que o FC Porto comete é a definição de “esta época tudo nos acontece”.).

No entanto, para uma equipa que estava a jogar em casa, obrigada a ganhar, faltou, no cômputo geral, agressividade, faltou ambição e, acima de tudo, faltou organização. A equipa de Baxter foi presa fácil para um FC Porto que nem precisou de se transcender para vencer o jogo.

Aliás, o jogo acabou por ser o espelho das campanhas de ambos. Os dragões, mesmo em modo contenção, mantêm uma estrutura competitiva e um conjunto de princípios que os tornam quase sempre superiores aos contextos. Já o Boavista vê-se cada vez mais encurralado, num ciclo vicioso de derrotas, desorientação tática e fragilidade emocional.

Assim sendo, ao intervalo, o FC Porto estava a vencer o Boavista no Bessa de forma clara e justa, mas, ainda assim, precisava de muito mais para manter a serenidade, até porque também é verdade que se notou que para uma equipa com uma época tão atípica como esta, sofrer qualquer golo e, principalmente, o tal golo “meio” insólito, quebra logo qualquer tipo de confiança e fio condutor de jogo.

Depois do 1-2, os axadrezados, apesar de tudo, passaram a vencer a larga maioria dos duelos, conseguiram assentar arraiais no meio-campo contrário depois da grande penalidade convertida e a verdade é que, na sequência do golo de Miguel Reisinho, não mais os dragões conseguiram três minutos de posse consecutiva, muito menos voltar a chegar com perigo à baliza de Tomas Vaclík.

Nenhum dos treinadores fez alterações ao intervalo e Samu ficou muito perto de aumentar a vantagem logo nos primeiros minutos da segunda parte, com um desvio de calcanhar que passou ao lado após lance individual de Eustáquio. O FC Porto esteve mais intenso e vivo do que nos últimos minutos do primeiro tempo, mas continuou a pecar na definição e no derradeiro momento antes da finalização.

O jogo foi partindo ligeiramente com o avançar do relógio, abrindo mais espaços e a possibilidade de cada uma das equipas explorar a transição rápida. Samu voltou a aproximar-se do golo com dois remates fortes na área, com Tomas Vaclík a defender nas duas ocasiões, e o Boavista ia mantendo as dificuldades em lançar-se em profundidade sem ser apanhado em posição de fora de jogo.

Já dentro dos últimos dez minutos, e entre outras alterações que foram feitas antes, que retiraram a razão e parte da criatividade a ambas as equipas, Martim Fernandes, Tomás Pérez, Danny Namaso e Otávio ainda entraram em campo, Nehuén Pérez e Kakay foram expulsos por acumulação de cartões amarelos, mas o resultado não foi alterado.

O FC Porto venceu, assim, o Boavista, no Bessa, e isolou-se no terceiro lugar do Campeonato, com mais três pontos do que o SC Braga, deixando a questão do pódio muito bem encaminhada, que foi a única luta pela qual o clube batalhou esta temporada na Primeira Liga, designadamente na segunda metade da mesma, por muito estranho e atípico que isto possa parecer para os adeptos portistas.

Deste modo, o terceiro lugar, que dá acesso direto à Liga Europa, o menor dos males de uma época portista, que se revelou muito mal planeada a todos os níveis.

Já o Boavista, esse, precisa quase de um autêntico milagre para, na derradeira jornada do Campeonato, garantir o play-off de manutenção. Milagre, esse, chamado vitória em Arouca e derrota tanto do Farense como do AVS SAD, ambos a jogar em casa, frente a Santa Clara e Moreirense, respetivamente.