"Causa alguma perplexidade sabermos que uma pessoa que está ligada à justiça, a permanecer na habitação, em virtude de um processo judicial, não pode sair do país, e consiga furtar-se à vigilância das autoridades", comentou Jorge Carlos Fonseca, quando questionado pelos jornalistas, na cidade da Praia, no final de um evento.

O chefe de Estado cabo-verdiano referia-se ao caso da saída não autorizada do país do arguido Arlindo Teixeira, juntamente e supostamente com auxílio do seu advogado de defesa e ativista Amadeu Oliveira, um forte contestatário do sistema de justiça em Cabo Verde.

Para Jorge Carlos Fonseca, este facto é de "muita gravidade", considerando que deve ser investigado "com muito rigor", com eventuais responsabilidades apuradas e responsáveis sancionados.

Além do rigor, o Presidente entendeu que este tipo de averiguação e investigação deve ser feita no mais breve espaço de tempo possível, para que as responsabilidades serem apuradas.

"Não se pode deixar prolongar isso no tempo, como se costuma dizer, a culpa não pode morrer solteira, e tem que haver respostas concretas, porque é um facto de muita gravidade", sustentou o mais alto magistrado da nação cabo-verdiana.

O Presidente considerou igualmente que Cabo Verde precisa reforçar o exercício da autoridade democrática, lembrando que a democracia não significa ausência de responsabilização e de exercício efetivo da autoridade.

"Cada autoridade, ao seu nível, tem que cumprir com o que a lei obriga e deve exercer a sua autoridade de uma forma firme e que é legitimada, porque nós vivemos num Estado de direito democrático", reforçou.

Segundo o chefe de Estado, a existência eventual de dificuldades ou deficiências num sistema não se pode justificar que se procurem soluções fora do quadro do Estado de direito.

"É inaceitável - e para isso as autoridades devem agir e exercer a sua autoridade - que se procurem soluções de justiça, de segurança, fora do sistema estabelecido", continuou Jorge Carlos Fonseca, afirmando não ter dados concretos para comentar o eventual envolvimento e auxílio do advogado de defesa na fuga do arguido para o exterior do país.

"O que eu posso dizer é que todas as instituições cabo-verdianas que devem trabalhar para afirmação do Estado de direito e da democracia devem ter responsabilidade pela sua afirmação crescente e não pela sua desacreditação", prosseguiu.

O Presidente, que é também comandante supremo das Forças Armadas de Cabo Verde, não comentou as afirmações do advogado, que disse que contactou um grupo de ex-militares fuzileiros navais para resgatar Arlindo Teixeira e fazê-lo sair do país por via marítima, mas nas vésperas mudou de estratégia e ele saiu por via aérea.

"Para mim o fundamental é investigar este caso, apurar responsabilidades, havendo responsáveis, têm que ser sancionados de acordo com a lei e que esse apuramento dos factos deva ser feito com muito rigor, mas também que não se pode prolongar muito tempo", insistiu.

Segundo a Polícia Nacional cabo-verdiana, o arguido viajou no domingo a partir de São Vicente no voo da TAP com destino a Lisboa, tendo depois seguido para França, de onde chegou em 2015 para passar férias em Santo Antão, mas acabou por ser condenado inicialmente a 11 anos de prisão por homicídio involuntário.

Arlindo Teixeira é constituinte do advogado e ativista Amadeu Oliveira, num processo que Oliveira considerou ser "fraudulento", "manipulado" e com "falsificação de provas".

Na terça-feira, o procurador-geral da República, José Luís Landim, disse que este caso é um "ataque grave" à justiça e a democracia cabo-verdiana, informando que o Ministério Público está a analisá-lo para tentar ver como enquadrá-lo juridicamente.

O presidente da Assembleia Nacional, Austelino Correia, disse que a comissão permanente vai-se reunir hoje para analisar o caso de Amadeu Oliveira, que é também deputado eleito pelo círculo eleitoral de São Vicente pela União Cabo-verdiana Independente e Democrática (UCID), e que não comunicou ao parlamento a sua saída do país.

Por sua vez, o primeiro-ministro, Ulisses Correia e Silva, pediu que sejam assacadas responsabilidades e garantiu que os responsáveis neste caso serão "devidamente sancionados".

O bastonário da Ordem dos Advogados de Cabo Verde, Hernâni Soares, mostrou-se "incrédulo" com a fuga de Arlindo Teixeira para França, na companhia do advogado de defesa, considerando que é "incompreensível" e pediu esclarecimentos às autoridades do país.

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