"Marcelino dos Santos pertence a uma geração de que faziam parte Amílcar Cabral, Agostinho Neto, Eduardo Mondlane, Mário Pinto de Andrade, Viriato Cruz, Lúcio Lara, que foram, não diria os iniciadores, mas representaram um momento diferente na luta dos povos colonizados para a sua independência", recordou.

Pedro Pires falava à agência Lusa quatro dias após a morte, devido a uma paragem cardíaca, de Marcelino dos Santos, um dos fundadores da Frente de Libertação de Moçambique (Frelimo). 

O também presidente da Fundação Amílcar Cabral, de 85 anos, recordou que todos estiverem em Lisboa e que foi ali que teceram "amizades muito fortes" e trabalharam a ideia da libertação dos povos colonizados de Angola, Moçambique, Cabo Verde, Guiné-Bissau e São Tomé e Príncipe.

"É uma geração que marcou a nossa história, que devemos recordar com muito respeito", enfatizou, recordando que Marcelino dos Santos era o mais novo de entre eles, mas mesmo assim iniciou essa caminhada, tendo mesmo partilhado residência com Amílcar Cabral em Lisboa.

Por isso, disse, foi alguém que esteve no início da tomada de consciência e da organização das lutas de libertação nacional dos países africanos de língua portuguesa.

"Marcelino era muito leal aos interesses dos países africanos, mas era muito leal aos interesses do povo moçambicano", prosseguiu Pedro Pires, referindo que era também "bastante coerente, patriota, anticolonialista e anti-imperialista".

Pires recordou que a primeira vez que se encontrou com Marcelino dos Santos foi em Rabat, Marrocos, nos anos 1960, quando o moçambicano já era secretário-geral da Conferência das Organizações Nacionalistas da Colónias Portuguesa (CONCP).

Depois disso, os dois mantiveram contactos, até ao fim do colonialismo e libertação desses países, pelo que era um "amigo, um próximo" por quem sempre teve muita amizade e muito respeito, disse o antigo chefe de Estado cabo-verdiano.

Sempre que estava em Moçambique, Pedro Pires visitava Marcelino dos Santos, mas os dois também se encontraram noutros palcos, inclusive na cidade da Praia, Cabo Verde, no âmbito de um simpósio sobre Amílcar Cabral.

"Acho que Moçambique perde uma referência, pela sua honestidade, frontalidade e a sua forma de estar. Pode-se não compreendê-lo, mas entendo que é uma referência importante", continuou.

O antigo chefe de Estado cabo-verdiano referiu que a Fundação Amílcar Cabral tem dado muito atenção à questão da memória e da história, pelo que considerou "fundamental" que se continue nessa direção da preservação e da valorização e fazer com que essas memórias sejam transcritas.

Pedro Pires aproveitou para render homenagem a Marcelino dos Santos, manifestar "enorme pesar" pela morte, mas também respeito pela figura, e saudou a família, os moçambicanos e a Frelimo.

Natural de Lumbo, junto à Ilha de Moçambique, na província de Nampula (Norte do país), fez parte com Samora Machel e Uria Simango do "triunvirato" que chefiou a Frelimo após a crise aberta com o assassínio de Eduardo Mondlane, em 1969.

Após a independência, exerceu, entre outros cargos, o de presidente da Assembleia da República de Moçambique, entre 1986 e 1994, último lugar institucional que ocupou, apesar de ter continuado na vida política.

O Governo moçambicano decretou sete dias de luto nacional e decidiu realizar um funeral de Estado em 19 de fevereiro, antecedido de velório no dia anterior.

 

RIPE // JH

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