
Quando Robert Francis Prevost, nas suas dioceses peruanas de Trujillo e Chiclayo, longe de tudo, se deslocava a lugares remotos para rezar com os fiéis, fazia-o em cima de um jumento. Tal circunstância levava a que os crentes o tratassem por “santo do norte” e os padres e bispos o apelidassem, já naqueles tempos, de Leão XIV em homenagem ao Papa dos finais do século XIX que também se fazia transportar em cima de um asno no seu período de administrador provincial de Benevento, a mais pequena possessão papal na época.
Não foi, porém, essa a razão para a escolha do seu novo nome. Ele confessou aos cardeais que foi a herança inigualável que o seu antecessor homónimo nos deixou através da encíclica Rerum Novarum.
A Rerum Novarum é publicada em 1891, circunstância em que os movimentos comunistas se faziam valer em muitos países da Europa, mas ainda antes da transformação da Rússia na União das Repúblicas Soviéticas.
Leão XIII antecipa a visão da mais importante organização religiosa do mundo perante a progressiva industrialização e o alastramento de multidões de novos escravos.
A encíclica papal vem implicar o cosmos ocidental e confirma a Teoria Social da Igreja que marca quase todos os partidos da direita democrática ainda antes da Grande Guerra de 1939/1945 e se confirma a partir desta.
É também neste período que se dá uma separação progressiva nos movimentos socialistas, ampliam-se os partidos sociais democratas e vão-se transformando os partidos socialistas do sul da Europa que foram marxistas até tarde. A partir dos finais da década de 1960, a social democracia, o socialismo democrático e o trabalhismo eram a esquerda democrática e pluralista que se contrapunha à direita nascida (ou organizada) a partir do pensamento de Leão XIII.
Pode perguntar-se: a Rerum Novarum teve assim tanta importância que até implicou a política nos países onde o protestantismo é maioritário? Não há nenhuma dúvida disso. Os partidos da direita democrática nórdicos, os conservadores ingleses, irlandeses e alemães, todos eles, foram envolvidos nas predicações de Leão.
Robert Francis, o padre que nasceu americano do norte e se fez missionário no sul do continente, que meteu as mãos na caridade agostiniana em todo o mundo, olha para a realidade das novas explorações e diz ao que vem.
Para ele não é relevante o panfletismo de Francisco, nem o elitismo teológico de Bento XVI, não olha a rotura ideológica temporal de João Paulo II, nem quer a Igreja em concílio roturista de Paulo VI. Ele é tão “modesto” no olhar o mundo que só quer cuidar do rebanho num tempo em que nunca a liberdade foi esquizofrenicamente tanta e tão pouca que faz o Homem sentir-se vazio.
Leão XIV quer, portanto, fazer nascer uma nova Rerum Novarum que implique a riqueza concentrada, a tecnologia dirigista, a economia manipulada, a justiça renegada, a inteligência capturada. Ele quer que o cristianismo católico romano seja, de novo, um guia que conceda uma vida completa perante um mundo complexo.
Se a Teoria Social da Igreja foi muito relevante e concedeu uma parte muito significativa do seu património à construção da ideia de Europa, a social democracia foi a outra metade ao edificar o lado mais solidário, mais fraterno e mais justo através da importância de um Estado presente que não se quer amarfanhador dos indivíduos, da sua realidade própria, da sua liberdade de ser, criar, pensar e dizer.
Os grandes opositores a Leão XIV vão agora ser os ultraliberais que hoje detêm o poder de guiar o mundo através do digital e os demagogos e populistas de direita que querem regressar ao mundo fechado. Os grandes opositores da reinvenção da social democracia vão ser os herdeiros do marxismo que tardam na leitura certa do mundo como hoje o conhecemos e, também, os populistas e demagogos da esquerda radical que, usando os mesmos métodos dos ultras da direita e renegando a empatia, deslaçam as sociedades e impedem a paz social.
Entre a Teoria Social da Igreja e a social democracia há enormes diferenças, desde logo sobre a propriedade. Leão XIII considerava que “a propriedade particular é de direito natural para o homem (5)” e a social democracia entende que essa “propriedade não é absoluta nem intocável”. Sobre este ponto de vista, Francisco veio em defesa da social democracia na sua encíclica Fratelli tutti (120).
Mas a separação vai mais longe no que se refere à leitura hodierna da família, da comunidade, das liberdades individual e cívica, da forma de levar ajuda. Em suma, a dissemelhança entre a caridade e a solidariedade continua a ser muito do que separa as grandes famílias políticas.
Nunca a moderação foi tão necessária e Leão XIV quer dar o seu contributo a partir do altar do mundo. Mas importa que a social democracia se veja ao espelho e volte a sacudir o seu namoro com as ditaduras ditas socialistas e com os novos totalitarismos puritanos e insanos herdeiros do leninismo, do estalinismo ou do trotskismo. Que haja uma nova vida na Internacional Socialista, que os socialistas democráticos, os sociais democratas e os trabalhistas se refaçam em mensagens de esperança e de futuro.
A reinvenção da social democracia precisa de perder a sua visão eurocêntrica, carece de entender o mundo a partir de outras realidades. É esse o grande desafio que se coloca aos moderados da esquerda moderna e democrática – construir o progresso a partir da descoberta de novos e diferentes mundos e que não seja através da “revolução”.
Este caminho tem, porém, um problema. A Internacional Socialista é hoje presidida por Pedro Sanchez. Ora, o líder socialista espanhol é tudo menos um exemplo do que deve ser a nova social democracia, ele é, em si mesmo, o radicalismo e a promoção da imoderação. Talvez nos falte uma liderança que seja inspiradora e não meramente usufrutuária do poder.