"Temos 176 casos confirmados de infeção em profissionais de saúde num país que tem pouco mais de 300 médicos e outros tantos enfermeiros", adiantou Joana Cortez.

A especialista em gestão clínica da Organização Mundial de Saúde (OMS) na Guiné-Bissau falava hoje durante o sexto e último seminário 'online' dedicado à reflexão sobre o impacto da covid-19 nos sistemas de saúde dos Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa (PALOP).

A iniciativa, uma parceria entre o Instituto de Higiene e Medicina Tropical, da Universidade Nova de Lisboa (IHMT-NOVA), e a Associação Portuguesa de Administradores Hospitalares (APAH), abordou as opções terapêuticas para o tratamento da doença.

"É uma situação caótica também pelas dificuldades que cria nesta massa crítica que são os profissionais de saúde", acrescentou a especialista, sublinhando o impacto desta "infeção muito elevada" dos profissionais de saúde na gestão, registo e monitorização dos doentes.

Joana Cortez assinalou, por outro lado, as dificuldades logísticas causadas pelo encerramento das fronteiras no contexto do estado de emergência, que foi esta semana renovado até 25 de junho.

"Apesar de as fronteiras aéreas terem sido abertas para a ajuda humanitária, as terrestres mantêm-se fechadas e, devido à saturação dos mercados internacionais, não conseguimos ter no país a entrada de equipamentos, materiais e consumíveis necessários para um tratamento adequado de doentes covid-19", disse.

Segundo Joana Cortez, "uma das grandes dificuldades é o fornecimento contínuo de oxigénio", o principal pilar do tratamento de doentes infetados pelo novo coronavírus.

O país conta com uma única estrutura privada em Bissau que tem uma central independente de oxigénio, assinalou.

Para a responsável, esta situação assume particular relevância numa altura em que os doentes de covid-19 são cada vez mais novos, com infeções por HIV e estão a chegar cada vez mais tardiamente aos hospitais.

"Até ao momento estão confirmados 15 óbitos e, na sua maioria, foram mortes que ocorreram em poucas horas após a admissão à estrutura hospitalar. São doentes que se apresentam graves, tardiamente e de manejo muito complexo", referiu.

Por outro lado, há também cada vez mais doentes com quadros complexos de diabetes não controlada, hipertensão e tuberculose.

Joana Cortez aponta ainda falhas na disponibilidade de equipamentos de proteção para os trabalhadores da saúde e de produtos de desinfeção.

"Os três hospitais de referência em Bissau vêm-se neste momento com as enfermarias cheias com os doentes covid-19 e com uma quebra dos serviços médicos essenciais", que entram em rutura, apontou.

Sobre as terapêuticas que estão a ser aplicadas aos doentes, Joana Cortez disse que a Guiné-Bissau está "num processo para ser incluída num ensaio clínico solidário da OMS para tratamento a doentes covid-19".

"Na Guiné-Bissau, não temos uma verdadeira unidade de cuidados intensivos. Não temos ventiladores invasivos disponíveis a não ser os que estão nos blocos operatórios, que já são poucos, e temos poucos aparelhos de ventilação não invasiva, aos quais faltam muitas vezes acessórios", apontou.

Os doentes estão também a ser tratados com fosfato de cloroquina (antimalárico), com azitromicina (antibiótico) e com corticoides, apesar de não haver recomendações internacionais para o uso específico destas terapêuticas para a covid-19.

A responsável disse ainda que esta semana chegou ao país uma equipa médica de emergência (pneumologistas e infecciologistas), que inclui médicos de Portugal e enviada pela OMS, para fortalecer a resposta.

Para Joana Cortez, "testar, rastrear e isolar" os casos continua a ser "fundamental", adiantando que em Bissau existe já um padrão de transmissão comunitária, enquanto nas restantes regiões esta ainda é esporádica.

"Temos apenas dois laboratórios em Bissau e com o aproximar da época das chuvas vai ser absolutamente difícil transportar amostras" para a capital, disse, adiantando que o país apresenta uma taxa de testes positivos "extremamente alta", que ronda sempre os 60 a 70%.

Desde que foram registados os primeiros doentes de covid-19 no país, a Guiné-Bissau já contabilizou 1.460 casos de infeção, incluindo 153 recuperados e 15 vítimas mortais, tornando-se no país africano lusófono com mais casos acumulados da doença.

CFF // JH

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