Em 2022, um cliente contratou um carro numa rent-a-car e pagou o serviço adicional de aluguer da Via Verde, de forma que as portagens fossem debitados no seu cartão de crédito quando a locadora recebesse as notificações de pagamento por parte das respetivas concessionárias. Quatro meses depois, começou a receber cartas registadas, enviadas diretamente pelas concessionárias rodoviárias para a sua morada, exigindo o pagamento das portagens, juntamente com taxas administrativas resultantes do não pagamento atempado.

Longe de ser o único a passar por uma situação destas, o cliente levou a sua razão às últimas consequências e venceu o processo. A Europcar foi obrigada a restituir-lhe o valor correspondente ao aluguer do serviço de Via Verde que não funcionou, taxa de utilização, taxas administrativas e a pagar por danos não patrimoniais, num total pouco significativo em valor, 132,15 euros, mas considerável no que respeita ao princípio.

Apesar de reconhecer a falha no serviço prestado, a rent-a-car não procedeu ainda ao pagamento, garante o queixoso, apesar de ter 10 dias para o cumprir, tendo a sentença sido proferida a 6 de maio, com o Centro de Arbitragem de Conflitos de Consumo de Lisboa, a condenar a rent-a-car por práticas irregulares na gestão do aluguer do serviço da Via Verde e na gestão das reclamações associadas a esse serviço.

"Não estamos a falar de casos isolados. Este tipo de queixas encontra-se relatado em vários sites; muitas vezes são clientes no estrangeiro e que não entendem sequer as cartas que recebem. É um exemplo das deficiências dos centros de apoio ao cliente e das respostas inadequadas a reclamações simples que depois se arrastam para os tribunais", diz ao SAPO Pedro Castro, consultor em turismo e aviação.

À exceção de haver recurso à via judicial por parte do cliente, com condenação da empresa locadora, o caso está longe de ser original. Há dezenas de queixas semelhantes nos sites de reclamações e de defesa dos direitos do consumidor.

"Fui ontem surpreendida com uma notificação das finanças para pagamento de uma coima no total de 88,25 euros, relativa ao não pagamento de portagens à Ascendi. Trata-se de uma viatura alugada há dois anos e nunca recebi qualquer notificação para pagamento porque, conforme verifiquei depois de consultar o processo nas Finanças, a morada que a empresa indicou à concessionária estava incorreta. Acresce ainda a dívida à Ascendi no total de 18,58 euros", lê-se numa reclamação no Portal da Queixa.

Outro cliente, recorrendo à DECO: "Em outubro de 2022 fiz aluguel de um carro e contratei o Via Verde. Recebi no Brasil diversas multas de falta de pagamento de portagens, inclusive com protesto formal. Fiz o correto para não ter problemas, paguei a taxa na locadora, conforme comprovante anexo no contrato que descreve o serviço adquirido (toll service) e tinham a disponibilidade do meu cartão..."

Mas o problema vai muito além dos casos em que o funcionamento irregular dos serviços prestados pelas locadoras resulta em multas para os clientes cumpridores.

De acordo com a Associação Nacional dos Locadores de Veículos (ARAC), o problema remonta à data em que o governo decidiu começar a cobrar as estradas até então sem custos para o utilizador (as famosas SCUT), que não haviam sido preparadas com praças de portagem ou infraestrutura que permitisse operacionalizar a cobrança de forma imediata. Não funcionando o sistema de comunicação das passagens em tempo real e com as concessionárias rodoviárias a demorar no mínimo três dias a comunicar os valores devidos às rent-a-car, muitos casos acabam em cobranças coercivas. Razão pela qual a ARAC vem pedindo há anos que as concessionárias garantam essa cobrança de forma direta e imediata, regularizando-se o pagamento quando o contrato de aluguer é encerrado.

"Muitas vezes, o valor em dívida é comunicado semanas depois, nalguns casos meses depois, o que torna complicada ou muitas vezes impossível a cobrança junto dos clientes, nomeadamente dos estrangeiros", confirma ao SAPO Joaquim Robalo de Almeida. "Esta é uma situação transmitida de forma reiterada pela ARAC às concessionárias e à Infraestruturas de Portugal desde o início deste sistema de cobrança de portagens, mas que até à data (volvidos quase 14 anos) não foi alterado, sendo uma situação não compatível com um país de grande importância turística como Portugal", vinca o secretário-geral da associação de rent-a-car. "Não é agradável a um turista que visitou o nosso país, decorridos três meses ser notificado para pagar portagens de vias utilizadas aquando da sua visita a Portugal."

Joaquim Robalo de Almeida garante, ainda assim, que o tipo de "situações anómalas" acima acaba por ser "residual" e defende as empresas de rent-a-car, "que não são responsáveis, limitam-se a cobrar as quantias devidas pelas passagens e entregá-las às concessionárias".

Mas também aí há uma questão. Quando não conseguem obter o pagamento diretamente, seja por não conseguirem notificar o cliente ("em meses, a pessoa pode até ter mudado de casa", lembra Joaquim Robalo de Almeida) seja porque este não responde ao pedido, podem os dados privados ser partilhados com terceiros? No caso, com as concessionárias rodoviárias a quem são devidos os valores?

"A política de privacidade das empresas de serviços e a legislação nacional e europeia de proteção de dados são claras ao estabelecer que os dados pessoais dos clientes só devem ser transmitidos a terceiros quando seja estritamente necessário, o que não parece ser o caso" quando os clientes contratam o serviço de portagens e disponibilizam o cartão de crédito precisamente para garantir que os pagamentos são regularizados e depois se veem confrontados com coimas e processos de cobrança, defende Pedro Castro.

O responsável da ARAC contrapõe: por se tratar de "empresas públicas ou concessionadas pela Infraestruturas de Portugal, que é uma empresa pública, para gerir e administrar as infraestruturas", as concessionárias são equiparadas a estruturas estatais e portanto administrativamente responsáveis como recetoras de dados para cobrança.

Com efeito, nos contratos de aluguer está prevista a possibilidade. "Se necessário, os seus dados pessoais podem ser comunicados (...) às concessões de portagens, relativamente a informações necessárias para o pagamento", lê-se nos contratos.

Desde há um ano, o serviço de Via Verde deixou de ser opcional e tornou-se obrigatório para quem aluga carro, estando também explícito nos contratos que deve existir um meio de pagamento ativo e com saldo que permita cumprir o valor em dívida nos dias subsequentes ao aluguer do carro. No caso das SCUT, esse processo pode ser mais complexo. "Após o recebimento da identificação do condutor, o mesmo é notificado para proceder ao pagamento voluntário ou, se for caso disso, indicar prova de que não conduzia o veículo à data da passagem indicada. Somente após o decurso do prazo para pagamento voluntário e nada tendo sido feito pelo notificado é iniciada a cobrança coerciva", explica o responsável da ARAC.

Mas e se o condutor cumpriu tudo quanto lhe era exigido e ainda assim vê não apenas os seus dados partilhados como é alvo de um processo de cobrança coerciva? Resta-lhe a via judicial, sem certezas de que o tempo e paciência sejam recompensados.