
Engenheiro Civil e com um MBA tirado em Harvard, Carlos Moedas trocou Beja por Lisboa aos 18 anos. Foi deputado pelo PSD e secretário de Estado Adjunto de Pedro Passos Coelho, antes de ser nomeado comissário europeu, com a pasta da Investigação, Ciência e Inovação, gerindo um orçamento de 80 mil milhões de euros. Viveu em Paris e Bruxelas e surpreendeu quase todos ao conquistar, em 2021, a presidência da Câmara de Lisboa (CML) contra Fernando Medina. Após quatro anos a governar em minoria, volta a ser candidato às autárquicas de dia 12 de outubro, pela coligação Por Ti, Lisboa, que reúne PSD, CDS e IL.
Nesta grande entrevista ao SAPO, Carlos Moedas, o candidato, explica o que tem andado a fazer e quais são os seus planos e prioridades para o novo mandato, agora com a Iniciativa Liberal a juntar-se ao PSD e ao CDS, uma adição que acredita poder ajudar, por exemplo, a reduzir impostos para os lisboetas, sem pôr em causa apoios sociais e iniciativas municipais. Diz que uma vitória da "esquerda radical", por outro lado, condenaria o trabalho que tem sido feito em Lisboa e que Alexandra Leitão tentará impor a sua ideologia, em lugar de construir com os lisboetas. "Acho que o PS em Lisboa vai ser um pouco o último dos moicanos do radicalismo e associação aos extremos" da liderança de Pedro Nuno, diz.
Há uma grande coligação à direita, esta Porto e Lisboa, e uma grande coligação à esquerda, Viver Lisboa, que estão em confronto no dia 12 de outubro. O seu objetivo é chegar à maioria absoluta desta vez?
Eu não penso que seja uma coligação à direita e uma à esquerda. Há uma coligação de moderados, pessoas que acreditam que a política hoje deve ser feita da moderação, e depois há uma coligação que é um bloco da esquerda mais radical, ao qual uma parte do PS se junta. Eu definiria nesse sentido, porque tem sido esse o posicionamento político que tenho tido, da moderação. Aliás, muitas pessoas sem partido me apoiam, tenho casos de pessoas como o (espero) futuro presidente da Junta da Misericórdia, que é um homem que vem da linha de um PS moderado. É essa a grande escolha que os lisboetas vão ter de fazer no dia 12 de outubro: entre uma política moderada, uma política gradual de transformação da cidade, ou uma política imposta às pessoas de um dia para o outro. E é isso hoje que define muito as maneiras de fazer política. A minha é com as pessoas, gradualmente, e não impor. Aquilo que eu sinto nesse bloco da esquerda é que impõe, que decide pelas pessoas e de certa forma até pensa que sabe mais do que as pessoas, que sabe melhor o que as pessoas querem sem lhes perguntar sequer. Por isso essa escolha de dia 12 de outubro é muito importante, porque definirá os próximos passos. E sobretudo no momento em que nós estamos a construir cidade, há um perigo de esse radicalismo parar muitos projetos em curso.
Mas essa sua moderação não advém também do facto de estar numa posição minoritária? É presidente, porque teve mais votos, mas não tem maioria. A negociação não lhe é de certa forma imposta?
Não, são coisas diferentes. Primeiro, é a dificuldade que eu tive em quatro anos para conseguir governar em minoria e com bloqueios constantes; e esses bloqueios muitas vezes eram feitos apenas por razões ideológicas. Nós tivemos por exemplo 600 casas que foram paradas porque houve ideologicamente do lado do PS, do Bloco de Esquerda, do Partido Comunista uma oposição, porque não queriam fazer parcerias com privados.
Onde?
Por exemplo, em Marvila, um projeto reprovado na Câmara por razões ideológicas. Mas também temos casos paradigmáticos, como aqui na Fontes Pereira de Melo, em que está uma fachada a cair há anos e se impunha ao proprietário uma permuta que passava por encontrar uma creche ali na zona, e após anos de busca encontrou-se uma creche, mas tinha menos seis ou sete lugares do que o previsto e por isso a oposição votou contra; e parou tudo. E todos esses momentos foram difíceis para mim, sobretudo como pessoa, até mais do que como político, porque eu acredito verdadeiramente que a política é feita para resolver os problemas das pessoas. Estes bloqueios eram até mais do que radicalismo: o objetivo era não deixar fazer. Durante estes anos todos, eu sofri o que o PS na CML nunca sofreu.
Casas herdadas de Medina? "Quando eu cheguei à Câmara, estavam em construção 256 casas de habitação acessível. Nós entregámos 2.744 chaves, ajudámos mais 1.200 famílias a pagar a renda e eu tenho hoje mais 750 casas em construção."
Quando estava na CML, o presidente António Costa recebeu mais de 280 milhões do Estado pelos terrenos do aeroporto. Fernando Medina vendeu mais de 500 milhões em património. E eu, durante quatro anos, não podia nem comprar nem vender, porque não tinha esses poderes; tive de investir com as minhas receitas correntes. Mas ainda assim, investi mais do que eles investiram, apesar de não ter a mesma capacidade nem a mesma agilidade no orçamento da Câmara Municipal.
Mas também tinha o maior orçamento de Câmara Municipal, são 1,4 mil milhões de euros.
Sem dúvida, sem dúvida. Mas se eu tivesse tido a capacidade de ter receitas de capital e tivesse a mesma oportunidade que eles tiveram, teria feito ainda muito mais.
O que é que teria feito, se tivesse esse dinheiro e essa capacidade de decisão?
Muitas vezes as pessoas olham para mim e veem o Comissário da Inovação, da Ciência, o meu amor pela Cultura, mas o meu maior investimento do dia-a-dia é nas pessoas e no Estado social local. E portanto eu teria apostado ainda mais na habitação, na saúde, na educação. Na habitação, na verdade, seria quase difícil porque nós aportámos 560 milhões de euros que vieram da Europa e fizemos, em quatro anos, aquilo que nunca tinha sido feito em número de casas entregues e reabilitação. Aí estou muito à vontade...
Mas não são as tais casas que já vinham sendo preparadas pelo anterior presidente, Fernando Medina?
Não. Eu acho essa questão interessante e ainda no outro dia estava a ver os números. Quando eu cheguei à Câmara, estavam em construção 256 casas de habitação acessível. Nós entregámos 2.744 chaves e eu tenho hoje 750 em construção. Portanto, havia 256 em construção, eu já entreguei 2.700, ajudei mais 1.200 famílias a pagar a renda e estou a construir 700, o que significa que o presidente no próximo mandato herdará um legado de 700 e tal. Por isso, quando oiço dizer isso, acho que é uma forma idiota de fazer política, é estar a medir numa câmara pelos projetos que eram do antecessor... Sinceramente, acho que o PS nesse aspeto, e eu tive essa luta durante quatro anos, chegou ao limite mais baixo que a política pode ter. Quando não há argumentos, o argumento era: se o Moedas fez, era porque não era dele. Era sempre esta narrativa. Mas então porque é que eles não fizeram? Acho que isso é triste e as pessoas não aderiram. As pessoas sabem muito bem o que fizemos, e só este número já é uma grande vitória.
E que outras prioridades tem para a cidade neste novo mandato?
Nós começámos com obras muito grandes, tivemos aqui obras de habitação muito grandes que não podem parar, temos o túnel de drenagem (Plano de Drenagem de Lisboa), uma obra que estranhamente a candidata Alexandra Leitão, há pouco tempo, dizia que teria de avaliar — imagine o perigo que seria parar aquilo agora... felizmente, ele já saiu do outro lado, portanto já seria impossível de travar, mas há ainda mais um túnel a construir, é uma obra muito grande...
Então não estará pronto a tempo das autárquicas.
Não, mas isso também nunca foi para mim um parâmetro. Estará pronto quando estiver bem feito. Neste momento, já foi tudo perfurado, chegámos a Santa Apolónia, e agora há que encaixar no rio. E esse encaixe tem de ser feito com muito cuidado, porque a água vem a uma grande velocidade naquele túnel e tem de ser espalhada com ligeireza, digamos, para diminuir a velocidade e entrar no rio. Portanto, é uma obra de engenharia muito importante que está a ser feita. Nós lançámos grandes obras e essas obras não podem parar. Por isso insisto que aqui há uma escolha entre a moderação e o radicalismo.
Em que sentido?
É que o radicalismo é muito binário, é uma coisa ou outra, manda parar porque só quer fazer se for de uma maneira. Na habitação, tínhamos isso: só podia ser pública. Isto é um radicalismo completamente idiota, porque a habitação tem de ser pública, privada, social, tem de ser tudo isso. Nós temos aqui uma responsabilidade — e acho que os lisboetas sentem isso — de muitas destas obras que foram começadas neste mandato e que são também grandes obras de mobilidade, como o elétrico que vai do Terreiro do Paço até Loures. Tenho uma relação muito boa com o meu colega de Loures e também com o meu colega de Oeiras, onde temos o Metrobus que vai fazer de Alcântara até Oeiras, Oeiras até Benfica, evitando uma entrada enorme de carros em Lisboa.
Na habitação, "havia imensos projetos que estavam na gaveta, casos da política a empurrar com a barriga. O que fizemos até agora foi desbloquear planos de urbanização, planos de pormenor, que estavam completamente parados — a Quinta do Ferro, o Vale de Chelas, o Vale de Santo António, o Casal do Pinto... Nós desenleámos, resolvemos e neste momento temos uma pista livre para construir mais habitação em Lisboa. Vai demorar muitos anos, obviamente, mas já não há entraves.
E voltando à habitação...
Também. A vereadora do urbanismo e a da habitação (Joana Almeida e Filipa Roseta respetivamente) fizeram um trabalho incrível, com projetos que estavam na gaveta, eram casos da política a empurrar com a barriga e não se fez nada durante anos. Nós temos muita sorte, porque vezes os meus colegas de Oeiras e outros queixarem-se de não terem mais espaço para construir. Lisboa, apesar de estar limitada nas suas fronteiras, tem ainda muita capacidade de construção. Mas tudo demora muito tempo. O que fizemos até agora, nestes quatro anos, foi desbloquear planos de urbanização, planos de pormenor, que estavam completamente parados...
Por exemplo?
A Quinta do Ferro é um exemplo, e finalmente estamos a construir nesses oito hectares dentro da cidade. O Vale de Chelas são mais de 70 hectares, que vão incluir um parque verde enorme, o Vale de Santo António, o Casal do Pinto... Em tudo isso, durante anos, houve um enleio total. Eu acho que muitas vezes esta política destas esquerdas é uma política de enlear e não resolver. Nós tínhamos esse desafio, desenleámos, resolvemos e neste momento temos uma pista livre para construir mais habitação em Lisboa, que vai demorar muitos anos, obviamente, mas já não há entraves. É como se estivéssemos num balanço enorme de energia para o futuro que aí vem — e penso que os lisboetas não querem que isso seja travado. Mas uma mudança, um certo radicalismo, pode parar tudo.
Tem noção de quantas casas é que seria preciso abrir ainda em Lisboa?
Um político sério não lhe pode responder a essa pergunta. Um político populista poderia — aliás, é interessante, porque a candidata deste bloco da esquerda dizia no outro dia que queria que a habitação municipal em Lisboa subisse a 20%.
"Nenhum presidente da Câmara pode dizer que nos próximos quatro anos vai fazer 20 mil casas e assim duplicar a habitação municipal para 20%. Não vai. Estão a iludir as pessoas. Há um potencial de 9 mil habitações, mas é um potencial que vai demorar muitos anos."
Neste momento ronda os 13%. Seria quase duplicar.
Sim, imagine: hoje temos pouco mais de 12%, que são cerca de 22 mil apartamentos. Para duplicar, era preciso construir em quatro anos mais 22 mil. Isso é impossível, estão a criar ilusões nas pessoas. Nós o que mostramos é uma Carta de Habitação em Lisboa que mostra que há potencial, há um potencial de pelo menos 9 mil habitações, mas é um potencial que vai durar muitos anos. Nenhum presidente da Câmara no seu estado normal pode dizer que nos próximos quatro anos vai conseguir 20 mil casas. Não vai.
E as necessidades vão evoluindo...
Numa cidade que é capital, que atrai pessoas de todo o mundo e de todo o país, o problema da habitação não resolver-se com um número; dizer: ah, se tivéssemos 20% então o problema estaria resolvido. Isso não existe. Temos de continuar a lutar por dar o exemplo, fazer mais, estar sempre a investir mais na habitação. Mas não podemos prometer às pessoas uma solução, que esta ideia de uma certa esquerda de que se fosse eles a estar no poder estava tudo resolvido. Olhe, a esquerda esteve no poder em Lisboa durante 14 anos e construiu 17 ou 20 casas por ano — isto é um número do INE. E hoje vem queixar-se! Há quase uma superioridade moral em dizer que farão aquilo que nunca fizeram. E isso é muito inquietante.
"Eu tinha muitos casos, sobretudo na área imobiliária, de pessoas que me ligava ou encontravam na rua e diziam, 'mas como é que aquilo chumbou, se já vinha de 2016 ou 2017?' Quando eu cheguei, havia 300 hotéis já em aprovação e licenciamento, que eu já não podia travar. Foi um caminho escolhido pelo Partido Socialista."
Mas precisamente para garantir que as coisas acontecem e não são travadas cada vez que muda o executivo — falou do PDL, da habitação, enfim, há uma série de temas que são estruturais em Lisboa, o lixo, or exemplo, que já se arrasta desde o tempo de Medina e continua sem solução — não seria importante que houvesse ao menos um acordo de caminho entre as duas maiores forças políticas na Câmara?
Eu procurei, durante estes anos, encontrar esses caminhos. Foi muito difícil, porque o caminho que o PS escolheu aqui na CML, nem estou a falar a nível nacional, foi um caminho de se encostar a uma ideologia da extrema-esquerda, reprovando muitas vezes coisas que eles próprios tinham lançado.
Por exemplo?
Desde projetos de habitação a licenciamentos de hotéis. Eu tinha muitos casos, sobretudo na área imobiliária, de pessoas que me ligava ou encontravam na rua e diziam, "mas como é que aquilo chumbou, se já vinha de 2016 ou 2017?" Quando eu cheguei, havia 300 hotéis já em aprovação e licenciamento, que eu já não podia travar. Foi um caminho escolhido pelo Partido Socialista. Mas era muito bom, sim, eu gostava muito. A nível nacional, hoje com um líder diferente, eu espero que o PS tome esse caminho mais centrista e espero que, fazendo-o, possa influenciar a política local em Lisboa. Obviamente, com uma candidata que representa o mais radical que esse PS teve durante os anos da liderança de Pedro Nuno Santos, não vejo isso no bom caminho. O que pode acontecer é quase uma divisão entre um PS nacional, que se poderá recentrar mais, mas um PS em Lisboa que vai ser um pouco o último dos moicanos, com um radicalismo e uma associação aos extremos. Veja aliás que o PCP não se quis juntar a esta associação.
"Hoje com um líder diferente, eu espero que o PS tome esse caminho mais centrista e espero que, fazendo-o, possa influenciar a política local em Lisboa. Obviamente, com uma candidata que representa o mais radical que esse PS teve durante os anos da liderança de Pedro Nuno Santos, não vejo isso no bom caminho. Acho que o PS em Lisboa vai ser um pouco o último dos moicanos, com radicalismo e associação aos extremos."
Dificilmente será por não se rever no radicalismo de esquerda.
Acho que é um partido mais institucional, com o qual eu pouco concordo, mas que tem um institucionalismo em que as decisões são concretas, são sólidas e nós sabemos com o que podemos contar, no sentido e que sabemos qual é o caminho. Por outro lado, o radicalismo deste bloco da esquerda é um radicalismo populista, que vai à procura daquilo que é o ar do momento e não tem qualquer tipo de princípio, embarca em situações típicas do populismo. Por exemplo, o caso da higiene urbana, em que o problema já foi criado há muitos anos, nós melhorámos e tentámos resolver, mas obviamente ainda há problemas, e que eles aproveitavam rapidamente para tirar uma foto à segunda-feira, sabendo que ao domingo os sindicatos não nos deixam recolher o lixo. É aquele tipo de populismo muito típico desses partidos que não têm limites na sua ação.
Não decidem pelas cidades, mas em nome das suas vitórias políticas?
Não, só têm um objetivo que é contra o presidente da Câmara, é retirar o presidente da Câmara. E todos os meios são possíveis se o objetivo for tirar de lá o presidente da Câmara. Eu acho que isso é triste, faz parte destes radicalismos que se alimentam dos sentimentos negativos, que se alimentam do ódio. É muito pouco como projeto político.
Estamos a dois meses das eleições, as sondagens têm-lhe dado a si a vitória — o incumbente tem sempre alguma vantagem no ponto de partida — mas os resultados estão bastante próximos entre a sua coligação e a de Alexandra Leitão. E desta vez o Chega pode desequilibrar as contas à direita e o PCP à esquerda. Como é que vê estas duas forças, como é que poderão impactar a governação se conseguir vencer, mas tendo um resultado semelhante ao atual?
Bom, eu não sou especialista em sondagens e a minha experiência diz-me que ainda devo ser menos especialista. Talvez por eu ser uma persona política que não é muito fácil de identificar dentro daquilo que é a antiga política, nesse formalismo que punha os políticos em pequeninos quadrados: o assertivo, o ideológico, a tradicional divisão entre esquerda e direita. Por isso não vejo que as sondagens consigam, muitas vezes, refletir aquilo que eu sinto na rua. Na primeira vez que me candidatei, pensava: "como é que as sondagens estão a refletir uma coisa que eu não sinto na rua?"
E continua a sentir isso?
Aquilo que a mim me interessa é o que as pessoas na rua sentem sobre o presidente da Câmara, esse contacto diário, e aí posso dizer que sinto que a cidade tem confiança no seu presidente, sabe que o presidente responde, que está preocupado e que dá a cara mesmo nas situações mais difíceis. Eu estou lá. E isso é a melhor sondagem que posso ter. Depois, sim, nós vamos ter aqui uma situação complexa, porque há este bloco da esquerda que se radicaliza sem muitas ideias, com o objetivo de retirar o presidente da Câmara, e depois um Chega que tem sondagens superiores...
Está acima dos 11%.
O que é aqui o ponto para mim? Eu nunca fiz coligações com o Chega. Quem fez coligações aqui com os extremos foi a candidata Alexandra Leitão, que se juntou com a extrema-esquerda, portanto está provado que não vou para extremos. Mas há algo que sempre me preocupou: eu acredito profundamente que a maioria das pessoas que votam no Chega o fazem por estarem cansadas, por não acreditarem nos políticos, por não acreditarem que os políticos estão a fazer algo para o bem delas. E respeito isso. E é por isso que eu ando muito na rua e falo com eles. E quando dizem que "o André Ventura é que é..." chego à conclusão de uma coisa: esse radicalismo do Chega toca-lhes no coração. Mas quando eu pergunto de que se queixa, quero genuinamente ouvir. Não quero saber em quem vão votar, mas oiço e dou seguimento, que é aquilo em Portugal não se faz. E já me têm dito muitas vezes que essa atitude mudou a sua forma de pensar, mesmo que não concordem comigo. Arranjar soluções é uma coisa que tem muito valor. E eu acho que o populismo, ou estes extremos, só se podem batalhar desta maneira, dando resposta às pessoas, uma resposta consequente, sólida. Encontrar alguém revoltado e ser muito simpático mas não fazer, não resolve. Eu não estou no concurso da simpatia, às vezes eu até sou mais duro, mas resolvo. Lembro-me de encontrar ali na Avenida do Brasil um senhor que se queixava da repavimentação porque não se tinha criado na passadeira a rampa para as cadeiras de rodas; e ele andava há três anos a pedir isso. Eu fui ver com ele e pedi-lhe desculpa, porque se a Câmara não deu resposta, a culpa é minha, e garanti que alguém ia resolver no dia seguinte. E foi. As pessoas que estão cansadas da política, venham falar comigo. Até porque eu não sou um político ideológico — e por vezes até no PSD se queixam disso, mas eu não sou dessa geração. Para mim, a política é resolver problemas.
"Há esta ideia em Portugal de que quem é liberal não tem consciência social. Sinceramente, acho que isso está muito errado, as pessoas que eu conheço da IL têm muita consciência social."
E a coligação à esquerda é?
Sim, por exemplo, a esquerda diz que a habitação só pode ser resolvida com a parte pública, só pode ser a Câmara a resolver. Isso é ideológico. Eu acho que é muito importante que os promotores privados construam mais e que também o possam fazer connosco. O PS não deixou levar para diante dois projetos: um na habitação e outro nas residências para estudantes. Foram dois bloqueios puramente ideológico, que o PS de 2016 estava a tentar fazer mas agora sendo com os privados já não quer. Eu não tenha uma visão ideológica. E então em política autárquica, a ideologia vai contra a parede. Mas parece que a esquerda não percebeu isso.
E ter a Iniciativa Liberal (IL) na sua coligação não vai trazer isso para dentro de portas? A IL também é bastante inflexível, mas na defesa da iniciativa privada.
Primeiro, eu fico muito contente que a Iniciativa Liberal se junte. É um partido que é novo e ainda tem esse fator que os partidos, mais antigos já não têm, é sangue novo. Mas mesmo um partido como a IL, em termos autárquicos, terá de fazer esse trabalho ou vai esbarrar com a realidade. Mas é muito importante para a coligação que essas ideias novas venham. Por exemplo, uma afirmação clara de que queremos continuar a baixar os impostos aos lisboetas. A IL irá certamente ajudar-me nisso. Eu baixei 5% dos impostos aos lisboetas, quem vive em Lisboa paga 5% a menos de IRS do que quem vive noutros municípios. É importante também que as empresas paguem progressivamente menos, porque eu quero ter mais empresas em Lisboa. E a IL pode ajudar nesse caminho, que é muito importante porque os portugueses estão fartos de pagar impostos.
Mas não poderá ser um entrave nas iniciativas públicas?
Não, eu penso que não. Há esta ideia em Portugal de que quem é liberal não tem consciência social é uma narrativa de uma certa esquerda ideológica. Sinceramente, acho que isso está muito errado, as pessoas que eu conheço da IL têm muita consciência social. Tive na Assembleia Municipal, deputados da IL que eram pessoas com muita muita consciência social fosse na habitação, fosse nos sem-abrigo. Eles ajudaram-me sempre quando foi preciso tirar as tendas à volta da Igreja de Arroios. Quem não esteve connosco foi o Bloco de Esquerda, que não queria tirar as tendas, aquela situação dava-lhes jeito, de certa forma. Eu já o disse e repito publicamente que senti essa força contra retirar as tendas na Igreja dos Anjos. Conseguimos, mas havia realmente uma ideologia que não queria que isso acontecesse. Portanto, essa é a ideia, o liberalismo é importante para a consciência social; eu sou um social-democrata e acredito que a economia deve ser liberal, mas também que há uma perna social, há um pilar social, que é importantíssimo. O liberalismo sem a parte social cria fricção nas sociedades.
"Eu gosto muito de ser o presidente que resolve as pequenas grandes coisas das pessoas e que transmite serenidade. Uma cidade de radicalismo gera desequilíbrios — temo-lo visto em cidades europeias como Barcelona, que passou por esse radicalismo da esquerda com Ada Colau, que levou a mais crime porque não se defendia a polícia, a mais violência, a mais crise na habitação porque se incentivava os okupas... As pessoas olham para estas experiências e não as querem na sua cidade, sobretudo em Lisboa tenho a certeza que não querem."
As sociedades muito liberais, que não têm Estado social, tornam-se muito difíceis. Isso vê-se muito, por exemplo, em cidades americanas como São Francisco, que têm muita inovação, têm os melhores do mundo a fazer inovação, mas depois se vê pessoas caídas, tendas, tudo aquilo que nós estamos a lutar para que Lisboa não tenha. Até para o próprio liberalismo é tão importante o desenvolvimento económico como a social-democracia e o pendor democrata-cristão, que também é um pendor muito meu, com o CDS. É por isso uma coligação perfeita em termos de partidos, mas que vai muito além dos partidos. E nisso eu também tenho muito orgulho, porque traz também muitos socialistas moderados que não se identificam na coligação do bloco da esquerda.
Alguns até se identificaram publicamente, como Virgílio Bento, fundador da Sword Health, que é mandatário de Manuel Pizarro (PS) no Porto e veio assumir o apoio a Carlos Moedas em Lisboa.
Sem dúvida. É uma pessoa que eu acompanho há muitos anos, um dos grandes unicórnios (empresas que valem mais de mil milhões) e um homem que me ajudou muito também quando eu era comissário europeu, que hoje é mandatário da candidatura socialista no Porto mas veio a Lisboa abrir pela primeira vez um escritório com mais de 100 pessoas e deu o seu apoio à candidatura, publicamente. As pessoas hoje querem sentir na cidade a resolução de problemas e uma certa tranquilidade, querem sentir um presidente da Câmara que lhes transmita essa tranquilidade mas ao mesmo tempo resolve os problemas. Eu gosto muito de ser esse presidente que resolve as pequenas grandes coisas das pessoas e que transmite essa serenidade.
No momento que vivemos, com as guerras e estes radicalismos, as cidades são um pouco um porto seguro. Uma cidade de radicalismo gera desequilíbrios — temo-lo visto em cidades europeias como Barcelona, que hoje tem um alcalde muito mais equilibrado mas que passou por esse radicalismo da esquerda com Ada Colau que levou a mais crime, a mais violência, a mais crise na habitação. Essa experiência foi tão negativa naqueles anos de Ada Colau, em que se atacava a polícia, se ocupava casas... Eu penso que as pessoas olham para estas experiências e não as querem na sua cidade, sobretudo em Lisboa tenho a certeza que não querem.