O governo projeta um crescimento económico de 2,1% para 2025, um valor que supera a média da zona euro (0,8%) e que está em consonância com as últimas previsões do Fundo Monetário Internacional (FMI) para a economia portuguesa. Num cenário geopolítico e económico instável, estes números são encorajadores, na medida em que sugerem que, apesar de tudo, conseguiremos crescer — o que garante, pelo menos, um quadro de alguma estabilidade.
Paralelamente, o mercado de trabalho em Portugal atravessa um momento de aparente prosperidade. De facto, o número de pessoas empregadas atingiu os 5,2 milhões — o valor mais elevado desde 1998 — e a taxa de desemprego mantém-se estável nos 6,1%, novamente abaixo da média da União Europeia. Contudo, não é tempo para celebrações precipitadas. Apesar destes indicadores positivos, há realidades complexas no nosso mercado de trabalho que não podem ser ignoradas e que exigem a nossa atenção.
Uma dessas realidades tem que ver com a distribuição do emprego por setores. A estrutura atual pode ser resumida da seguinte forma: a indústria transformadora representa 16% do total de postos de trabalho, o comércio absorve cerca de 14,8% e os sectores da saúde e da educação — pilares do Estado social — empregam 17,9% dos trabalhadores. Estes setores têm, em grande medida, sustentado a expansão do emprego, muito graças à resposta do Estado à pressão demográfica e às exigências sociais intensificadas pela pandemia. Não surpreende, por isso, que o número de trabalhadores da administração pública tenha subido para 753.850, o valor mais elevado dos últimos 25 anos. Ao mesmo tempo e infelizmente, a estrutura do emprego nacional permanece ancorada em setores de baixa ou média intensidade tecnológica, com fraca incorporação de inovação. A tão proclamada transição digital e ecológica, recorrentemente destacada em fóruns internacionais e planos nacionais, ainda está longe de produzir efeitos visíveis na reorganização do nosso mercado laboral. Neste particular, a inovação parece circunscrita a nichos muito específicos ou concentrada em grandes centros urbanos, o que limita a diversificação da economia e inibe a criação de empregos altamente qualificados fora dos principais polos metropolitanos.
Não se estranha, por isso, que continuemos com desigualdades regionais profundas no que ao mercado de trabalho diz respeito. O Norte acolhe 34,6% da população empregada, graças a uma base industrial ainda resiliente. Já Lisboa lidera com uma taxa de atividade de 64,5%, reflexo direto da elevada concentração de serviços financeiros, tecnológicos e administrativos. E o resto do território? O resto é, literalmente, paisagem. Na verdade, a atividade económica e os centros de decisão continuam perigosamente concentrados em pontos específicos do litoral, enquanto o interior do país vai sendo progressivamente deixado à sua sorte — sem investimento estruturado, sem visão estratégica e, sobretudo, sem um plano robusto para fixar população jovem e qualificada e revitalizar o tecido económico regional.
O caso da juventude portuguesa merece, aliás, uma análise própria. Estamos perante aquela que é frequentemente considerada a geração mais qualificada de sempre, fruto do aumento expressivo da frequência no ensino superior e do investimento em competências técnicas e digitais. No entanto, esta qualificação não se tem traduzido em oportunidades laborais à altura. A taxa de desemprego entre os menores de 25 anos ronda os 18,2%, e muitos dos jovens que conseguem emprego acabam por aceitar funções desajustadas às suas qualificações. Mesmo entre os jovens que trabalham, as condições são frequentemente precárias. São comuns os contratos a prazo, os estágios não remunerados ou mal pagos, os vínculos laborais frágeis e a ausência de perspetivas de progressão profissional. Muitos jovens veem-se obrigados a aceitar empregos fora da sua área de formação, a viver com rendimentos que não permitem autonomia económica e a adiar — ou abdicar — de projetos de vida pessoal e familiar. Esta realidade gera frustração, insegurança e, não menos importante, contribui para a contínua emigração jovem: estima-se que cerca de 30% dos portugueses entre os 15 e os 39 anos vivam atualmente no estrangeiro.
Estes números são alarmantes e revelam um paradoxo doloroso. Portugal investe fortemente na formação dos seus jovens, mas falha de forma consistente na criação de um mercado de trabalho que os valorize e integre de forma digna. É justo reconhecer que têm sido feitos esforços, nomeadamente ao nível fiscal, como os incentivos ao emprego jovem com isenções progressivas de IRS. Contudo, medidas pontuais não substituem a necessidade de uma reforma estrutural profunda que garanta condições laborais dignas, remunerações justas e verdadeira mobilidade social. E, acima de tudo, que ofereça uma perspetiva de futuro aos jovens no seu próprio país.
Neste contexto, é inevitável repensar o modelo de desenvolvimento económico português. Criar mais emprego é, sem dúvida, positivo, mas está longe de ser suficiente. É necessário assegurar que esses empregos são estáveis, bem remunerados e com oportunidades reais de crescimento profissional. A velha estratégia de baixos salários como trunfo competitivo para atrair investimento estrangeiro esgotou-se. Portugal não pode nem deve competir pelo preço da mão-de-obra, mas tem condições para se afirmar pela qualificação, pela criatividade e pela inovação.
Uma parte decisiva do nosso futuro coletivo joga-se, assim, no mercado de trabalho. Num tempo marcado por mudanças rápidas — tecnológicas, demográficas, geopolíticas e climáticas —, é essencial garantir que a força laboral portuguesa não apenas acompanha estas transformações, mas se assume como protagonista ativa. Para isso, é necessário exercer liderança política, ter visão estratégica e coragem para implementar reformas estruturais — mesmo que estas não tragam ganhos eleitorais imediatos.
NOTA: Este artigo apenas expressa a opinião do seu autor, não representando a posição das entidades com as quais colabora.