Quase 1 milhão: 907.386 votos. É esta a dimensão da destruição de Pedro Nuno Santos em menos de ano e meio à frente do PS.

De uma maioria absoluta, o jovem turco que ameaçava deixar a dívida por pagar e os alemães de pernas a tremer, o ex-ministro que nem na derrota se cansou de acusar de incompetência quem não foi capaz de resolver em 11 meses o estrago de nove anos dos seus governos socialistas, incluindo uma geringonça com a extrema-esquerda por ele montada, fez o segundo pior resultado da história do PS (sim, segundo; lá iremos).

Mesmo com um banho de imagem e aulas de comportamento, a ousadia de pedir para si o voto inclinado para aqueles que antes convencera a apoiar o PS na coligação negativa que governou o país (não serve de nada votarem Livre e BE, esses votos são-nos úteis, repetiu e repetiu e repetiu) e a insistência em não abandonar a piscina de lama que quis salpicar para todos à sua volta só lhe rendeu a humilhação de deixar o partido como antes saíra do governo: empurrado borda fora, a esbracejar os mesmos argumentos pífios que só aos seus ouvidos e aos da sua clique (ou claque?) fazem sentido.

Chumbado pelos portugueses, Pedro Nuno Santos transformou a maioria absoluta de António Costa num terceiro lugar para o PS (o empate a 58 deputados desfaz-se assim que entrem os votos dos emigrantes) que ficará para a História. Atrás de um partido que nem uma década tem de existência.

O homem que viu a própria vitória no reflexo da bolha, que durante meses o promoveu a única escolha possível, conseguiu a proeza de perder uma média de dois deputados por mês desde as últimas legislativas, sentando agora 58 no Parlamento. Pior, só Almeida Santos fizera na entrada de Cavaco Silva, em 1985 (57 deputados eleitos), porque até Vítor Constâncio chegou aos 60 assentos quando o PSD fez a primeira maioria absoluta (em 1987). Nesses idos anos 80, Santos e Constâncio convenceram mais de um quinto dos 5,7 milhões de votantes; ontem, Pedro Nuno arregimentou 23,38% dos 6 milhões de pessoas que foram às urnas numa participação apenas igualada há 30 anos (a abstenção no território nacional ficou pelos 35,62%).

Evolução da Abstenção nas Legislativas
Evolução da Abstenção nas Legislativas créditos: CNE

Meros seis meses depois de nascer, com 66 mil votos, o Chega conseguia estrear-se na Assembleia e André Ventura comentava o seu feito com a seguinte frase: "Garanto-vos que daqui a oito anos seremos o maior partido de Portugal" — delírios de grandeza, desprezaram.

Isso foi em 2019. Três anos depois, Ventura chegava a uma dúzia de eleitos e em 2024 quadruplicava o resultado, com os 50 deputados a serem olhados com tanto choque quanta certeza de que o balão insuflado estava pronto a rebentar.

Passados seis anos sobre aquela frase, a saltitar sobre facas afiadas e a tropeçar em pedras e paredes por inépcia ou voluntária irascibilidade, revela resistência de fibra elástica, capaz de suplantar o grupo parlamentar socialista. Contados os votos da emigração, aos "50 fascistas" que Fernando Rosas queria obliterar do Parlamento somar-se-ão neste 2025 ainda outros dez (talvez mais), muitos deles legitimados nos históricos bastiões da extrema-esquerda, cujos problemas e preocupações foram ignorados durante décadas. Descartados como parte de uma realidade que não se quer ver, Beja, Setúbal e Portalegre renderam-se ao Chega, que se afirmou em praticamente todo o território — até a Grândola, vila morena, ficou a 37 votos de virar.

Estranho? Só para quem se deixa cegar pelos discursos politicamente certificados que hoje dominam os palcos mas têm muito pouco que ver com o sentimento dominante e o que se vive pelo país. Dúvidas houvesse, ponha-se os olhos na ilha chamada Mariana Mortágua, após os portugueses transformarem o Bloco numa solitária pecinha de lego que não encaixa em parte alguma.

Continuar a insultar os portugueses como a advogada de causas apresentada como arma contra Ventura — "a votação no Chega é uma prova da estupidez de demasiados portugueses", escreveu no X — é, isso sim, prova de pouca inteligência e menos empatia. Mais ainda quando a esquerda se queda reduzida a restos: tudo por junto, incluindo o PS e contando até o recém-chegado JPP e o PAN (que não tem opção ideológica mas recusa qualquer possibilidade que venha da direita), soma menos 19 deputados do que a AD a solo (70 contra 89).

Feitas as contas e ainda podendo somar mais um ou dois deputados pelos círculos da emigração, a AD, o governo e muito particularmente Luís Montenegro foram escolhidos para governar. Sem sombra de dúvidas ou possibilidade de interpretações. Cerca de 2 milhões de portugueses, um terço de todos os que votaram, legitimaram o primeiro-ministro e referendaram como absurdo as "perguntas sem resposta", o "caso não ilegal mas pouco ético" e todos as ofensas de caráter com que tentaram derrubá-lo, precipitando as segundas legislativas em dois anos.

A esquerda anacrónica desintegrou-se, os liberais tornaram a subir, ainda que sofrendo os efeitos de um governo mais aberto a enfrentar o que aflige quem não vê a "diversidade cultural" através de película higiénica e purpurinas; ainda que penalizada pelas propostas económicas mais aproximadas das de uma AD que só entende como "radicais e perigosas" quem julgava ter o desígnio e a superioridade moral para escolher pelo povo o que é melhor para ele.

E agora, já entendemos o ponto em que estamos ou vamos continuar a desprezar os cada vez mais descontentes portugueses e a descartar a democracia sempre que ela resulta em escolha diferente da que o megafone propaga?

Diretora editorial