Um líder partidário sente-se mal em pleno comício, vai parar ao hospital (o segundo, nesta campanha às Legislativas) e a comunidade cigana, que tem andado pelo país a persegui-lo e a apupá-lo — com muito poucos a indignar-se e a repudiar tudo o que isto implica de condicionamento mas também de potencial de insegurança explícita —, celebra à porta.

Cabeças-de-lista de outro partido saltam de paraquedas para provar que continuam jovens à beira dos 70 anos e espalham vídeos pelas redes sociais em que dançam contra "os 50 fascistas no Parlamento", incitam à ocupação de casas, à eliminação da iniciativa privada e à espoliação das fortunas de família porque ninguém devia ter mais dinheiro do que os demais só porque os pais são ricos. Pouco importa se o pai construiu riqueza e até criou emprego, desenvolvimento e melhores condições na comunidade e no país, do filho só se pode dizer que teve a sorte de nascer numa família endinheirada; e se o filho multiplicou a riqueza foi só porque partiu de uma posição de vantagem.

Outros candidatos leiloam fatos estragados por terroristas climáticos e acariciam gatinhos, enquanto os dois que disputam o lugar de primeiro-ministro pedem encarecidamente que lhes deem uma maioria absoluta impossível de alcançar e votem útil, quando os eleitores estão mais divididos do que nunca e não arredam pé das crenças pregadas nas respetivas bolhas.

De projetos de futuro para o país — daqueles que vão além do penso rápido na saúde e na habitação e potenciam crescimento, reformas estruturais e desenvolvimento social — ninguém quer falar. Porque também poucos querem ouvir e o que importa é ganhar votos, não governar para criar futuro —  e nessa guerra vale mais continuar a falar de aparências e soluções instantâneas (mesmo que inconcretizáveis) do que de projetos que levam anos a produzir efeitos.

Pelo meio, todos garantem que são contribuidores ativos para uma estabilidade que permita governar, porque o país não pode andar sempre em eleições, nem poderá tê-las no próximo ano, conforme lembrou o Presidente da República. Mas como?

Como, se há uma cerca higiénica a isolar a direita mais radical — também por culpa própria, dada a irresponsabilidade e falta de sentido de Estado demonstradas no último ano de governação à direita —, retirando-a das contas de uma possível maioria desse lado, apesar de ter mais de um quinto do Parlamento por sua conta, com agora mais fortes possibilidades de aumentar esse número?

Como, se os partidos da extrema-esquerda se fragmentaram e perderam a já reduzida relevância que mostraram ter nas últimas eleições, sendo até desprezados agora pelo maior promotor da geringonça —  que passa os dias a lembrar que foi bom, mas acabou-se e no domingo é preciso é votar no PS para Pedro Nuno ganhar e governar, mesmo que a esquerda toda junta valha bem menos do que a direita?

Como, se os dois partidos mais votados, nas atuais lideranças, dificilmente encontrarão pontos comuns que possam garantir um governo que consiga sequer passar o Orçamento do Estado? E se algum dos líderes cair de imediato na derrota, entender-se-á o seu sucessor mandatado para acordos urgentes? Estará disposto a que a sua primeira marca seja uma diluição, uma cedência ao seu mais direto adversário político?

Dificilmente Montenegro aceitará viabilizar um governo minoritário socialista num Parlamento maioritariamente sentado à direita, sobretudo depois de ter sido sucessivamente boicotado (com o PS a votar com o Chega medidas com impacto orçamental, como o fim das portagens nas SCUT, ou a chumbar propostas como o IRS da AD) e chantageado (o presidente da Assembleia só passou com a contrapartida de ser um socialista a sentar-se na cadeira metade do tempo) por Pedro Nuno Santos.

Por outro lado, o próprio Pedro Nuno Santos tem sido tão claro na soberba com que aguarda essa sua viabilização por parte da AD quanto o é no asco que tem à direita, agitando diariamente a "ameaça radical e perigosa" que é a possibilidade de um governo AD+IL, vociferando que "não se pode levar a sério Montenegro" e repetindo que "a AD não é confiável" porque quer privatizar tudo e mais um par de botas. Claro que o líder do PS também não é favorável ao voto mais à esquerda. Bom, bom, é que votem nele para evitar o horror de um executivo à direita e a chatice de ele ter de andar com Mariana, Tavares e Raimundo ao colo e ver-se na mesma de mãos atadas...

Com as sondagens a não sair da cepa torta e quase um quinto dos eleitores sem saberem ainda o que fazem ao boletim de voto, a única fórmula onde hoje se vislumbra uma possibilidade de entendimento com futuro é numa solução em que AD e IL tenham resultados que lhes permitam, juntas, chegar à maioria da representação parlamentar e executar uma estratégia baseada em programas eleitorais que estão hoje muitíssimo mais próximos do que há um ano.

Qualquer que seja o resultado de domingo, o que verdadeiramente vai contar é o que vai acontecer a partir de segunda-feira, num cenário aparentemente claro de maioria de votos à direita mas sem soluções de estabilidade óbvias, para já. E com mais duas eleições a acontecer nos próximos meses: as autárquicas de outubro e as presidenciais de janeiro. A quatro dias das legislativas, a única certeza é a indefinição do cenário pós-eleições. E que o PCP será vencedor, como sempre.

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