Depois de semanas a ouvir analistas, penso que já descobri a receita infalível para travar a direita radical.
A receita infalível para travar a direita radical é impor linhas vermelhas. Não fazer acordos de governo com a direita radical impede o eleitorado de os normalizar, travando o seu crescimento. Foi o que fizeram na Alemanha ou em França, onde a direita radical “só” teve 20% e 33% nas últimas eleições, respetivamente.
A receita infalível para travar a direita radical é não impor linhas vermelhas. Trazê-los para coligações de governo obriga-os a ter responsabilidades e fazer escolhas difíceis, retirando-lhes o benefício de serem outsiders, que depois se reflete numa perda de popularidade. Isso foi feito, por exemplo, na Finlândia ou na Áustria, onde a direita radical “só” teve 20% e 29% nas últimas eleições, respetivamente.
A receita infalível para travar a direita radical é aumentar as qualificações. Talvez assim as pessoas estejam mais preparadas para enfrentar a desinformação. Um bom sistema de educação é a garantia de que a direita radical não cresce. Por exemplo, na Finlândia ou na Suécia, conhecidos pelos seus sistemas de educação de qualidade, a direita radical “só” teve 20% nas últimas eleições.
A receita infalível é limitar a imigração. Demasiada imigração alimenta a direita radical. Se tivermos menos imigrantes, a direita radical deixa de crescer. Por exemplo, na Roménia onde os imigrantes são menos de 2% da população, “só” há três partidos de direita radical que “só” somaram 31% nas últimas legislativas.
A receita infalível é fazer crescer a economia e ter salários altos. Se as pessoas ganharem bem estarão mais felizes e não se sentirão tão atraídas para a direita radical. Por exemplo, na Holanda com os seus altos salários e bons serviços públicos, a direita radical “só” teve 23,5% nas últimas legislativas ficando em 1.º lugar.
Como o leitor já deve ter reparado, este texto é sarcástico. Não há uma receita simples e infalível. Se queremos verdadeiramente diminuir o crescimento da direita radical, precisamos de todas estas coisas ao mesmo tempo e ainda mais algumas. Precisamos de ser um país desenvolvido, organizado, seguro, com bons serviços públicos, Estado social forte, altos salários, pessoas altamente qualificadas, democracia participativa, leis de imigração restritivas e leis de nacionalidade muito exigentes. Ou seja, precisamos de ser a Suíça, onde a direita radical “só” teve 28% dos votos e ficou em 1.º nas últimas eleições.
Epílogo não sarcástico (agora, sim, prometo):
Há uns anos, li um relato de uma entrevista a um idoso bielorrusso (penso que num livro da Svetlana Alexievitch, mas não consegui rastrear) em que ele se queixava que na sua aldeia não havia escola, o centro de saúde não tinha médicos, as estradas eram uma lástima, os jovens saíam todos e a eletricidade estava sempre a falhar. Depois perguntavam-lhe o que achava do líder do seu país, ao que ele respondia que o adorava porque, apesar de a sua aldeia (de onde nunca tinha saído) estar cada vez pior, o resto do país estava cada vez melhor (de acordo com o que ouvia na rádio oficial do regime). Aquilo que vivia no seu dia-a-dia, sabia que estava cada vez pior, mas aquilo que apenas sabia pela informação oficial, acreditava que estava cada vez melhor. A vivência era má, mas a percepção era boa.
Lembrei-me desta história ao ver no jornal Público o estudo sobre a opinião dos portugueses em relação ao estado do seu município, país, Europa e mundo em relação ao que eram há dez anos. 70% consideram que o mundo está pior, 59% que a Europa está pior, 50% que o país está pior, mas apenas 27% consideram que o seu município está pior do que há dez anos. Os portugueses e, arrisco-me a antecipar, os europeus, são o oposto do idoso bielorrusso: estão satisfeitos com aquilo que vivenciam no seu dia-a-dia, mas acham que aquilo que está distante, que vão conhecendo quase só pelas redes sociais e noticiários, está pior. Acham que aquilo que vivem mesmo está melhor, mas aquilo que vão sabendo em segunda mão, pelos vídeos que lhes enchem o feed das redes sociais, piorou.
Existe aqui uma ligação qualquer entre este epílogo e o corpo principal do texto, mas deixarei para o leitor o esforço de a fazer.
Segundo epílogo (só ligeiramente sarcástico)
Quando eu ou um dos meus primos fazíamos queixinhas ao meu avô sobre algo que se tinha passado nas nossas brincadeiras, ele entoava uma versão alterada da música Coitado do Zé Maria, que Tony de Matos tinha lançado duas décadas antes. Não vou reproduzir aqui a letra alterada, mas era suficientemente humilhante para termos aprendido até hoje a enfrentar pequenos problemas sem queixumes e vitimizações excessivas. Não sei se foi uma boa lição para o nosso futuro.
Anos mais tarde, o primeiro Big Brother – um dos últimos programas de televisão a parar verdadeiramente o país – acabaria por ser ganho por um Zé Maria (literal e metafórico), cujo grande feito foi ter conseguido que todos sentissem imensa pena dele ao longo de quatro meses, ao ponto de lhe dar o prémio final.
Uns anos depois, José Sócrates – político inteligente de cariz autoritário, que prometia um país novo e tinha uma relação difícil com a verdade – ganharia duas eleições legislativas, uma delas com a primeira maioria absoluta do PS. Os portugueses que hoje têm entre 40 e 50 anos – a próxima casta de primeiros-ministros – entraram na idade adulta a pensar, possivelmente com razão, que para ser popular é preciso ser um misto de Sócrates e Zé Maria. Os historiadores vão divertir-se à brava quando estiverem a estudar estes anos.
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