Dizer que as Pequenas e Médias Empresas (PME) são o motor da economia portuguesa tornou-se um lugar-comum, repetido em discursos políticos e planos estratégicos. É uma ideia reconfortante, mas esconde fragilidades estruturais.
Não sei se são o motor da economia portuguesa, mas sei que constituem quase a totalidade do tecido empresarial. Representam 99,9% das empresas, segundo a Pordata, valor muito próximo da média da União Europeia (UE) (99,8%). Em Portugal as PME representam 76% do emprego (o que compara com 64,4% na média da UE, de acordo com o Eurostat) e 67,7% do valor acrescentado (51,8% na UE). Ou seja, Portugal tem, proporcionalmente, mais pessoas a trabalhar em PME e uma maior dependência destas para gerar riqueza, face à média da UE.
Destas PME, 96,1% são na realidade microempresas, com menos de dez trabalhadores e volume de negócios inferior a dois milhões de euros. Portugal é o 5.º país da UE com a maior percentagem do valor acrescentado gerado por microempresas (cerca de 45%, contra 35% em média na UE), o que sugere um peso elevado deste tipo de estrutura empresarial na economia portuguesa.
Longe de ser positivo, este cenário expõe uma economia fragmentada, pouco escalável e carente de empresas com capacidade transformadora. Sugere que não temos grandes empresas internacionais com posições dominantes que gerem elevado valor acrescentado e, consequentemente, a criação de emprego bem remunerado. Basta ver que os quatro países europeus em que as microempresas têm menor peso na geração do valor acrescentado são Irlanda, Alemanha, França, e Suécia.
As PME portuguesas apresentam hoje indicadores económicos e financeiros relativamente sólidos, com baixos níveis de endividamento e boa gestão de custos. No entanto, a sua reduzida dimensão limita seriamente a inovação e impede economias de escala. Esta limitação impede a conquista de quotas de mercado geradoras de valor acrescentado que, por inerência, permitiria o pagamento de salários mais elevados.
Esta situação fez-me lembrar da lenda do Nó Górdio, segundo a qual existiu um nó de uma corda impossível de desatar, e que Alexandre, o Grande, resolveu simplesmente cortando-o. Em Portugal enfrentamos um verdadeiro nó górdio: uma economia dominada por PME que, por muito relevantes que sejam, não têm escala para gerar salários mais altos nem competir à escala global. Poderíamos tentar desatar o nó, ou seja, esperar que as PME cresçam e se tornem grandes. Ou, como fez Alexandre, talvez seja altura de cortar o nó em vez de tentar desatá-lo. Mas como?
Fusões. Uma das formas mais rápidas de ganhar quota de mercado é através da fusão de empresas, especialmente dentro do mesmo setor. Com isso, aumenta-se o poder para inovar ou alcançar ganhos de eficiência. O problema é que com fusão, vem confusão – e não é apenas um jogo de palavras. É um facto que a literatura científica sobre fusões tem apontado inúmeros problemas pós-fusão, muitos dos quais geram perda de valor para os acionistas. Admitindo que os estudos estão corretos, é preciso notar que a quase totalidade dos mesmos centra-se sobre empresas cotadas em bolsa (e não PME), e que o objetivo dos investigadores é avaliar os ganhos para os acionistas, mas raramente analisam os benefícios para os trabalhadores ou para o tecido económico nacional.
E como incentivar as fusões? Embora existam incentivos fiscais à capitalização das empresas (redução de imposto para empresas que aumentem os seus capitais), a verdade é que existe um desincentivo fiscal ao ganho de dimensão. Hoje, duas PME que se fundam podem ver a sua carga fiscal agravada (por passarem para o escalão de IRC superior), apesar de estarem a criar uma empresa mais competitiva e sustentável. O sistema penaliza o crescimento. Existe ainda um limite à dedutibilidade dos gastos de financiamento, em que a empresa que resultaria da fusão, ao somar os seus empréstimos, poderia ser impedida de deduzir fiscalmente esses juros. Ou seja, o nosso sistema fiscal está feito para penalizar as empresas de maior dimensão. Não admira que se criem grupos de sociedades, algumas vezes informais, em que as atividades se vão dividindo pelas várias firmas.
Se fiscalmente temos outro nó górdio (seria melhor simplificar todo o sistema tributário), a solução não pode ser apenas fiscal. O ganho de dimensão deveria ser um propósito em si. Um conceito cultural, que tem de ser incutido nas escolas de gestão e no pensamento dos futuros empreendedores, para que a próxima geração de empreendedores pense em grande desde o início. A ambição e o desafio de construir uma grande empresa, com todos os seus problemas e dificuldades, mas também com todos os seus benefícios, permitirá cortar, de vez, o nó górdio dos baixos salários que nos aprisiona.
Economista do Norte