Eu não acredito em papéis de género. Por exemplo, eu faço xixi sentado. Constantemente. Aliás, eu raramente desperdiço uma oportunidade para estar sentado. A minha namorada, por exemplo, não faz xixi de pé. Mas isso é ela que é retrógrada.
Nós implementámos papéis de género na nossa relação por uma questão de gestão de aptidões, digamos. Por exemplo, em viagem, eu tenho a função de carregar as mochilas dos dois. A minha namorada, por sua vez, tem a função de dizer que eu falo de carregar as mochilas como se fosse uma grande coisa.
Fomos à Turquia recentemente. E, assumindo o meu papel de género de logística de aeroporto, foi com vontade de responder ao desafio que lidei com o facto de o nosso voo não aparecer no ecrã. A minha namorada imediatamente insistiu que eu pedisse ajuda, mas eu sou orgulhoso, e não quero pedir ajuda para cumprir o meu papel de género, que ela também não pede ajuda quando é para falar mal da minha mãe.
Quando finalmente me dei por vencido, perguntei a um jovem trabalhador do aeroporto de Barcelona se sabia onde é que se apanhava o avião para a Turquia, como se fosse o 502 para o Bolhão. E atenção que perguntei em espanhol, que eu até me safo. Não vou estar aqui a gabar-me, mas eu digo gracias com th. O homem do aeroporto quando ouviu até se assustou. "Ui, não o posso deixar passar com a cascavel do Harry Potter no bolso."
E eu: "Não é uma serpente, é apenas o meu espanhol perfeito." E ele: "Ah ok. Turquia não é? Depende. Turquia faz parte da União Europeia?"
Pronto, como se eu precisasse de passar mais vergonhas à frente da mulher que preciso que me confie a educação dos seus filhos. A minha resposta não a impressionou. "Pá, não sei. Eles jogam o Euro…"
O senhor do aeroporto fez-me ver que isso não podia ser critério porque a Austrália também participava na Eurovisão. E, de facto, fala-se muito pouco do quão permissivo é o prefixo Euro. O prefixo Euro tem a mesma utilidade que o verbo “see”: é para inglês ver.
Chegamos ao voo.
Eu gosto de ver as demonstrações de segurança. Mas um bocadinho como xadrez: gosto de ver, mas não percebo. Se calhar sou eu que sou muito literal, mas eu acho que de acordo com os procedimentos de segurança as nossas chances de sobrevivência são quase nulas. Primeiro eles começam por indicar as saídas de emergência com a mesma vontade que eu tenho de ir aos saldos da Bershka dar opinião sobre croptops. As saídas de emergência são todas em sítios diferentes do avião, mas quando as indicam os pulsos deles mexem três centímetros. Mesmo como quem diz: não te preocupes que se isto cair o que não vai faltar são saídas.
E é como vos digo, se calhar sou eu que sou muito literal, mas como é que nós vamos sobreviver se há tipo três coletes salva-vidas no avião todo e já têm todos nome, e pertencem a um tal de Demo Only?
Outra, em caso de quebra de pressão, com a minha sorte? Claro que não me vai calhar a hospedeira que sabe fazer descer misteriosamente da mão máscaras de oxigénio. Não vai. O mágico da máscara vai para a fila de trás. Certinho.
Mas neste voo também estava tranquilo. Aconteça o que acontecer, estou no lugar 11A. A nova primeira classe.
Aqui chegados digo-vos que fiquei sem forma de terminar a crónica. Um bocadinho meta esta parte, eu sei. Perguntei a um amigo que não vou nomear, como é que achas que posso acabar uma crónica sobre papéis de género e aviões? Disse-me que escrevesse algo sobre não estar nada preocupado com as demonstrações de segurança até porque estou no lugar 11A mas depois o piloto fala no intercomunicador e vai-se a ver era uma mulher, o que me preocupa imediatamente devido ao estereótipo de que as mulheres não sabem conduzir.
O que seria acabar assim?! Que ultraje.
Comediante Estagiário