Para um agricultor, de regadio como de sequeiro, a água é tudo. Em dois artigos proponho-me a dissecar quem são os donos da água – e, portanto, disto tudo, no Alentejo.

Hoje, limitar-me-ei à EDIA. A posteriori tratarei do que vejo como seu maior empecilho: a EDP.

Como já tive oportunidade de referir, a EDIA e o investimento do Alqueva mereciam lugar de destaque nas aulas de Economia do Secundário no Alentejo ou estudos de caso de Políticas Públicas nas Universidades do país inteiro, tal foi o seu sucesso. A EDIA é gerida profissionalmente por partes com uma missão clara de serviço público e pensamento de longo prazo.

Terá de evitar o que a sua própria competência pode gerar, isto é, uma prepotência crescente que a metamorfoseia numa repartição quasi-pública pejada de “pequenos poderosos”. Esse combate é feito com transparência na comunicação e uma gestão participada em íntima conexão e alinhamento com os seus regantes.

Com vista a esse alinhamento, não deverá, a meu ver, continuar a assumir um papel de mediador entre estes e o Estado ou a EDP, mas sim focar-se, completamente, na assunção das suas obrigações perante os agricultores – obrigações estas resultantes dos múltiplos roadshows que propalaram ou dos investimentos que alavancaram com promessas de garantia de água, em qualidade e quantidade, para inúmeras culturas.

Explico-me.

O principal valor acrescentado ao agricultor que a água traz é a sua capacidade de mitigação do risco de produção, sendo, portanto, a redução da volatilidade o maior ativo da água.

Financeiramente, se sabemos que os agricultores profissionais investem com base no rendimento ajustado ao risco do investimento, derivamos que a existência de irrigação funciona como um catalisador de investimento agrícola ao diminuir o risco associado ao investimento e, consequentemente, leva a que a taxa de retorno esperada seja mais baixa o que, por sua vez, alarga o leque de potenciais investimentos no setor agrícola.

Foi aqui que a EDIA, com a sua ação continuada ao longo de décadas, desde 1995 até aos atuais quase 100% de utilização, nos deixou, confirmando a tese com todo o investimento que conseguiu desbloquear.

Ora, um corolário por demais evidente do quase axioma acima descrito é que, se as políticas relativas aos direitos da água, alocação da mesma ou possibilidades de aplicação tiverem alterações drásticas e frequentes punitivas para o agricultor, a água perderá este seu maior valor – o de mitigação do risco.

Se um investidor “enterra” – literalmente – o seu dinheiro num investimento a longo prazo e, a meio, mudam as regras do jogo a seu desfavor, o Estado ou o perímetro de rega em causa está a assumir-se como uma contraparte de má-fé e a afastar a possibilidade de investimento sem exigência de retornos mirabolantes (como quando um investidor se decide a apostar na Venezuela, por exemplo).

Se a EDIA não quer passar por contraparte de má-fé, tem de ser consequente com o que prometeu aos agricultores e defender, pública e ativamente, sem quaisquer rodeios, as alocações que lhes prometeu e a todos a quantos prometeu.

Poderá começar por aquela que vejo como a principal limitação – o seu volume concessionado.

A EDIA é concessionária de um volume de 590hm3 por ano para Agricultura e 30hm3 para abastecimento público e industrial. Pese embora a capacidade total de armazenamento ascenda a 4.150hm3 e a capacidade útil ascenda a aproximadamente 3.150hm3, apenas para a Albufeira do Alqueva. Adicionalmente, existem outras massas ao dispor da EDIA, integradas num complexo composto por 69 barragens, reservatórios e açudes.

Com capacidade útil para, confortavelmente, quatro anos, o problema parece não residir na escassez de água para rega, mas sim no subaproveitamento de uma capacidade instalada que as atuais dinâmicas de um Setor Agrícola Alentejano renovado, moderno e eficiente no uso da água estão prontas para aproveitar no seu máximo potencial.

A falta de água em Portugal é uma falsa questão de quem não quer olhar para os dados porque os mesmos contrariam a sua ideologia e o mesmo me parece acontecer com o Alqueva, pois, na verdade, até no estudo de impacto ambiental da albufeira do Alqueva de 1995, já vinham previstos 950hm3 para agricultura (página 23 – “Segundo o EIA, prevê-se que, em situação de plena utilização, serão necessários cerca de 900 a 950hm3 por ano para regar os 110.000ha” – nota para o facto de já irmos quase nos 150.000 com 590hm3…).

Desde 2010, altura em que a albufeira descarregou pela primeira vez, a cota mínima foi sempre superior aos 144 metros. O volume mínimo armazenado foi, portanto, da ordem dos 2.700hm3, o que significa que o volume útil era da ordem dos 1.700hm3 – isto representa armazenagem suficiente para três anos de concessão, sendo que esta cota se atingiu… depois de três anos de seca no período 2017-2020! O próprio eng. José Pedro Salema referiu recentemente (3h05m) que o sistema está pensado para ter um ano crítico a cada 30 – abdicar de desenvolvimento e atividade económica durante 29 anos para ter um trigésimo de restrições é, evidentemente, castrador.

Ou seja, há 15 anos, desde que a barragem encheu pela primeira vez, não se utilizaram os seus últimos 60% ao mesmo tempo que os caudais ecológicos têm sido, consistentemente, superados – só com as descargas de 2024, tinha-se feito mais uma campanha de rega. Em 2025, não tendo ainda os dados completos, talvez fossem mais duas…

Estes dados – juntamente com os recentemente publicados pela AGRO.GES em O Olival e o Amendoal no EFMA - Cenários sobre a disponibilização de Água para a Rega – confirmam que devia ser aumentado o volume concessionado.

Ademais, a EDIA devia ser a primeira a defendê-lo para honrar as suas promessas.

No mesmo estudo, se refere que, salvo eventuais restrições técnicas do próprio sistema, mesmo incorporando uma redução das afluências e um aumento dos consumos (devido ao aumento da evapotranspiração), se poderia aumentar o volume concessionado para rega até cerca de 1.000hm3, sem prescindir de quase dois anos de resiliência do sistema, valor perfeitamente alinhado com os restantes perímetros do país.

Destarte, a EDIA precisa, com urgência, de: i) assumir o backlog de agricultores, nomeadamente, os seus precários autorizados (destrinçando o trigo do joio e nunca deixando passar pelos pingos da chuva os “cowboys” que plantaram já a seguir ao Despacho do Ministro Capoulas Santos); ii) retirar os perímetros confinantes da sua posição de mão estendida e incerteza, espoletando, concomitantemente, a profissionalização da sua gestão; iii) respeitar os compromissos assumidos com as culturas já atualmente presentes que precisam de mais água do que a que é atribuída;

Um dos empecilhos ao aumento da concessão para a rega tenho em crer ser a EDP, assunto sobre o qual me debruçarei na segunda parte deste artigo.

Mestre em Engenharia Agronómica e em Finanças e Mercados Financeiros

As Crónicas Rurais incidem sobre temas relacionados com o mundo rural, com uma periodicidade semanal. São asseguradas por um grupo de autores relacionados com o setor, que incluem Afonso Bulhão Martins, Cristina Nobre Soares, Filipe Corrêa Figueira, João Madeira, Marisa Costa, Pedro Miguel Santos e Susana Brígido.