
A Política Agrícola Comum (PAC) foi a primeira política efetivamente comum, tendo os seus objetivos sido enunciados logo em 1957, no Tratado de Roma. Daí até aos primeiros consensos, ou seja, ao primeiro conjunto de regras comuns, decorreram ainda cinco anos, pelo que podemos considerar 1962 como o ano do nascimento oficial da PAC.
Naquela época, ainda na ressaca da II Guerra Mundial, a Europa vivia um quadro alimentar deficitário e a PAC foi um reflexo disso mesmo, procurando conjugar o aumento da produtividade da agricultura e, por essa via, a segurança dos abastecimentos com preços razoáveis aos consumidores. Foi bem sucedida. No entanto, este sucesso deveu-se, em grande medida àquilo que poderá ser considerado um "erro fatal" inicial da PAC: a fixação dos preços dos cereais em níveis exageradamente elevados — mais de 50% acima do mercado mundial —, o que acabou por arrastar a generalidade dos preços agrícolas para níveis também exagerados e, entre outras consequências, gerar enormes excedentes, em grande medida produzidos de forma ineficiente.
Esta evolução, que converteu a Europa de deficitária em excedentária, teve uma expressão orçamental de tal forma significativa que obrigou, depois de uma série de ajustamentos menores, a uma reforma profunda, culminada em 1992.
Nesta reforma, foram conjugadas medidas tendentes a uma redução dos preços da produção agrícola, aproximando-os dos preços do mercado mundial, com um "pacote" designado medidas de acompanhamento, no qual se destacavam as medidas agroambientais. Estas medidas eram justificadas pela necessidade de reconhecimento e remuneração do papel dos agricultores na preservação do ambiente e da paisagem rural e consistiam em ajudas para promover a adoção de métodos produtivos com baixo risco para o ambiente, o abandono de práticas prejudiciais para a conservação da natureza e da paisagem e ainda um sistema de ajudas para a manutenção, em boas condições, de superfícies agrícolas abandonadas.
A lógica para o cálculo dos valores das ajudas agroambientais a pagar aos agricultores assentava na compensação das "suas perdas de rendimento devidas a uma redução da produção e/ou [a] um aumento dos custos de produção, bem como pelo papel que desempenham no melhoramento do ambiente"[1].
Como se constata naquela redação, apesar de haver, desde o início, abertura para remunerar aquilo que atualmente se designa por serviços dos ecossistemas, conceito à data ainda não consolidado, a opção genérica, pelo menos em Portugal, aparenta ter sido sempre a via da compensação das perdas de rendimento decorrentes do cumprimento das ações específicas de cada medida agroambiental. Foi este o único figurino das medidas agroambientais em Portugal, de 1994 a 2022.
Este modelo de pagamentos agroambientais baseados no cumprimento de ações pré-definidas tem vindo a ser alvo de escrutínio e de crítica crescente, ambos potenciados pela dificuldade — nunca resolvida — em demonstrar que, dos recursos financeiros a elas afetos, decorrem resultados não só mensuráveis como no sentido pretendido. Esta questão, face a alguma complexidade que encerra, será tema de outro texto a publicar brevemente.
Com a entrada em vigor do Plano Estratégico da Política Agrícola Comum (PEPAC), em fevereiro de 2023, é disponibilizada pela primeira vez uma intervenção que rompe com o paradigma das medidas agroambientais por ações, dando flexibilidade ao agricultor nas opções de gestão que toma — ou seja não lhe impondo nenhuma ação específica — e remunerando exclusivamente a obtenção de resultados mensuráveis que expressem benefícios ambientais e climáticos, nomeadamente em termos de biodiversidade, associados aos sistemas de produção agrossilvopastoris em montado de sobro e azinho ou carvalho negral[2].
Face à incerteza associada à novidade desta medida e à forma como decorreria a sua gestão, o âmbito geográfico de aplicação foi, de forma cautelar, restringido a duas áreas geográficas determinadas, uma centrada no Sítio de Monfurado e a outra centrada no Parque Natural do Vale do Guadiana.
As parcelas candidatas a esta medida designada Gestão do Montado por Resultados são avaliadas anualmente pela medição de resultados em quatro domínios (solo, regeneração, pastagem e elementos singulares/habitats remanescentes), sendo esses resultados posteriormente consolidados numa pontuação final, a variar entre 0 e 10. Os agricultores aderentes são pagos exclusivamente em função dessa pontuação final, sendo os pagamentos crescentes à medida que a referida pontuação aumenta[3].
Não obstante o âmbito geográfico restrito, os recursos financeiros afetos à medida (598.000 €/ano) mostraram-se insuficientes face ao elevado interesse demonstrado pelos agricultores, pelo que, dos quase 37.000 ha candidatos, apenas foram aprovados cerca de 6500 ha, distribuídos por 184 parcelas, com a limitação adicional de apenas ter sido aprovada uma parcela por agricultor, com áreas a variar entre 20 e 50 ha[4].
Esta forma de apoio acomoda, de forma robusta, aquela que é talvez a principal crítica feita às medidas por ações ou práticas, que assenta precisamente no elevado grau de incerteza associado aos resultados, nomeadamente se existem e, existindo, se são os pretendidos. No caso da Gestão do Montado por Resultados, há a certeza praticamente absoluta de que os recursos afetos à medida estão a gerar, de facto, os resultados pretendidos.
É esta mitigação da incerteza que torna este tipo de medidas interessantes, não só pelo potencial de geração de resultados efetivos, mas também por contribuir para alguma pacificação no que concerne à PAC e ao seu financiamento, questão sempre dada a tensões e vista por alguns setores da nossa sociedade com incompreensão, quando não com desconfiança, em virtude de lhe serem frequentemente atribuídas consequências lesivas do ambiente.
É um primeiro passo que, com todas as aprendizagens que possibilitará, abrirá seguramente uma via promissora para financiamento das explorações agrícolas que demonstrem disponibilidade para assumir compromissos firmes para a salvaguarda e melhoria do ambiente. Permitem-lhes adicionalmente apresentarem-se perante a sociedade como agentes económicos que, além da produção de alimentos e fibras — comum a toda a agricultura — produzem, comprovadamente, benefícios ambientais que são, de forma contratualizada, remunerados por essa mesma sociedade. É um acréscimo de transparência que fará toda a diferença em futuras evoluções da PAC.
[1] Cf. considerandos do Regulamento (CEE) N.º 2078/92, do Conselho de 30 de junho de 1992.
[2] Cf. Portaria n.º 54-A/2023 de 27 de fevereiro.
[3] Note-se que só há lugar a pagamentos nos casos em que a pontuação final seja, no mínimo, 5; os níveis de pontuação de 0 a 4 não têm qualquer pagamento associado.
[4] Monfurado: entre 25 e 50 ha; Vale do Guadiana: entre 20 e 50 ha.
Engenheiro Agrónomo e Agricultor
As Crónicas Rurais incidem sobre temas relacionados com o mundo rural, com uma periodicidade semanal. São asseguradas por um grupo de autores relacionados com o setor, que incluem Afonso Bulhão Martins, Cristina Nobre Soares, Filipe Corrêa Figueira, João Madeira, Marisa Costa, Pedro Miguel Santos e Susana Brígido.