Vivemos num momento de transição democrática: as democracias liberais que floresceram na Europa depois do fim da Segunda Grande Guerra estão em crise e esta crise é particularmente reveladora na ascensão do populismo na Europa e, sobretudo, na sua capacidade para ganharem eleições e permanecerem no poder depois de o terem conquistado.

Para debater este importante tema, organizei a 23 de Junho na Livraria Martins, em Lisboa, um debate com o jornalista Henrique Mesquita e o antigo candidato presidencial e empresário Henrique Neto. O debate foi construído em torno do livro "A Explosão do Populismo" de John B. Judis e começou pela definição do que é "Populismo" como a construção de uma mensagem política que contrapõe o "povo" (daí o termo "populismo") a uma elite a qual é considerada – de igual forma: no populismo de esquerda e de direita – como moralmente inferior ao povo seja esta elite económica ou política é tida, sempre, pelos populistas como sendo mais corrupta, imoral e decadente do que os princípios moral e eticamente superiores intrinsecamente demonstrados pelo povo ou pelo "cidadão comum".

Ser Populista é ser, assim, profundamente moralista, deter uma convicção muito profunda da sua superioridade moral sobre as elites: sejam elas políticas ou económicas e sociais. Por isso mesmo observamos um "desvio moral" nas posições publicamente assumidas pelos partidos que mais se identificam com os espectro extremista e populista português com uma reiterada de uma superioridade moral sobre os partidos centristas que, por vezes, ironicamente se vira frequentemente contra quem usa essa ferramenta dado que, em última instância, não são os partidos que são "bons" ou "maus": são os seus militantes e "bons" ou "maus" militantes existem em todos os partidos embora, de facto, os "maus" (corruptos, venais e interesseiros) sejam mais atraídos pelos partidos de poder porque é deles que dependem a concessão de prebendas, empregos ou ajustes directos.

Alguns pontos sobre o que é o "Populismo" a partir do debate:

1. O Populismo vive de contraposições e eixos. O Populismo de Esquerda é Diádico (opõe Povo a Ricos/Poderosos) enquanto que o Populismo de Direita é Triádico (opõe Povo a Ricos/Poderosos e a Grupo (étnico, instituições europeias, subsidio-dependentes, inimigo externo, etc).

2. O Populismo é incapaz de conciliar opostos e alimenta-se, precisamente, da oposição e contradição entre ideias divergentes. É consequentemente um inimigo dos consensos e do diálogo vivendo e crescendo a partir da formação de grupos radicalmente opostos e inconciliáveis. Cresce a sua massa eleitoral e de apoiantes sempre que um regime permite que exista uma determinada quantidade de exigências não satisfeitas e cresce tanto mais quanto maior e mais antiga for essa quantidade.

3. O Povo dos Populistas não é sempre o mesmo: Pode ser a pequena burguesia e os pequenos comerciantes dos subúrbios e do interior de França ou evoluir para o operariado industrial da Bretanha (FN de Marine Le Pen) ou para os pequenos agricultores e trabalhadores da indústria dos Estados do interior dos EUA com Trump.

4. Os partidos Populistas prosperam eleitoralmente em momentos de crise económica e social e, pontualmente, conseguem mesmo conquistar e preservar o poder (Syriza na Grécia e Orban  na Hungria) através da moderação e centralização do seu discurso ou prática governativa.

5. Os populistas são agentes catalisadores da mudança indicando que existem problemas que preocupam ou afectam massas significativas da população e que, pelo menos momentaneamente, os partidos de sistema (centristas e moderados) recusam ver ou reconhecer com o mesmo grau de valor que é percepcionado pelo seu eleitorado convencional.

6. O sucesso dos Populistas revela que estamos, nessa fase, num momento de alteração da mundovisão predominante que é alimentado pela desigualdade económica e de capacidade de influenciar a conduções dos assuntos nacionais: isto significa que uma sociedade onde o populismo floresce é uma sociedade onde a democracia é pouco participada e participativa e uma economia onde os níveis de desigualdade já atingiram um nível muito elevado.

7. Os líderes populistas caracterizam-se por incorporarem no seu discurso (não necessariamente nas suas políticas ou programas) demagogia, com liderança carismática, um determinado tipo superficial e hipersimplista de "discurso de café" com um palco eleitoral (multiplicando os votos que cativam logo que conquistam pelo menos um assento no Parlamento nacional).

8. Pode parecer paradoxal mas o crescimento do populismo alimenta-se mais do eleitorado tradicional dos partidos de centro-esquerda e de base operária (partidos socialistas e comunistas) do que do eleitorado conservador que vota ao centro direita e na extrema direita. O crescimento do populismo desde a década de 1990 tem dependido muito da reacção à imposição do "neoliberalismo" pelos partidos socialistas europeus e ao abandono do Keynesianismo por parte do FMI e da visão dominante nas instituições europeias.

9. O populismo de direita dos dias de hoje já não é o mesmo do final do século XX: hoje foca-se menos na redução da carga fiscal e no combate às despesas do Estado e do comunismo e mais na redução da imigração e dos apoios do Estado às classes trabalhadoras. Por isso mesmo cresceu mais nos grupos sociais que antes eram o esteio principal da esquerda e os partidos populistas de direita são hoje, essencialmente, "partidos de trabalhadores" da "classe operária" se não na gramática e terminologia pelo menos na prática programática e discursiva.

10. Há um elemento muito importante e distintivo que caracteriza os partidos populistas de esquerda e de direita: a grande importância que é dada ao líder que é assumido como o intérprete ideal da massa anónima de militantes, simpatizantes e eleitores. Este líder - para o ser - tem que ser muito carismático e afirmar-se como um membro que ascendeu à posição de "povo" como quem se afirma contra os "de cima" e a "casta".

11. O Populismo de Esquerda está actualmente num momento de crise eleitoral (que poder ser apenas transitório) mas, desde a década de 1990 conseguiu afirmar-se mais no sul da Europa do que no norte e em países e momentos de maior fragilidade económica. A norte e centro da Europa, prosperou e ainda prospera (agora com força renovada e com sinais também em Portugal e Espanha) o populismo de direita que, tradicionalmente, conseguiu cativar mais eleitores de maior idade, maiores rendimentos e com cepticismo em relação ao projecto europeu.

12. Se no século passado o populismo de direita centrava o seu discurso no antisemitismo, nos regimes fascistas e no sistema nazi alemão e esses motivos era recuperados no discurso do primeiro populismo (do pai Le Pen) em França agora no novo populismo - de maior impacto eleitoral - o discurso deixou cair essas temáticas e substituiu-as por Estado Social, Soberanismo e, até, a exigência da separação dos bancos de investimento dos bancos de retalho: temas tradicionalmente ocupados pela esquerda.

A ascensão ao poder de um partido populista pode ser difícil de impedir e isso mesmo é demonstrado pelo aconteceu na Polónia, com o Partido da Lei e da Justiça, com o Fidesz na Hungria e, mais recentemente, em Itália. Mas há várias abordagens que podem impedir a implantação deste tipo de partidos na Europa e, designadamente, em Portugal:

a) Mais e melhor educação cívica: explicando como funcionam as instituições democráticas e como podem ser usadas pelos cidadãos a seu favor. A melhoria da educação cívica irá também aumentar os níveis de participação dos cidadãos e reduzir os níveis de abstenção, fazendo simultaneamente aumentar o pensamento crítico o que terá efeitos directos no apelo da mensagem populista.

b) Aumentar o dinamismo da sociedade civil tornando-a como um contrapoder ao populismo: o uso de protestos e a monitorização dos desvios populistas de novos ou de partidos existentes agirá como uma forma de reduzir o seu apelo.

c) Melhorar a qualidade das instituições democráticas e do sistema de Justiça. Uma democracia representativa devidamente doseada com ferramentas participativas será mais resistente à tomada de poder dos populistas porque lhes retirará espaço de manobra. Decisões participadas, transparentes e de qualidade irão reduzir o campo do protesto que alimenta o crescimento destes partidos e instituições independentes (no funcionalismo público, nas polícias e na Justiça) poderão garantir que a democracia continua a funcionar mesmo se um partido populista conquistar o poder.

d) Desenvolver o combate à corrupção. Sabendo que o discurso anti-corrupção é, tantas vezes, o mote principal dos populismos é essencial dotar as instituições de investigação policial e o sistema de justiça de meios adequados para um combate eficaz e rápido à corrupção. Um país com baixos índices de corrupção é também (assim o demonstram vários estudos internacionais) um país economicamente mais desenvolvido e como a desigualdade económica representa um papel importante no apelo do populismo poderá servir assim também como um remédio ao seu crescimento.

e) Não permitir a imposição do "pensamento único" a todos os partidos de poder ou que o cerne das decisões políticas sejam tomadas de forma não participada e não democrática em instituições externas (europeias ou internacionais). Combatemos o populismo oferecendo aos eleitores alternativas eleitorais que respondam aos seus anseios e aspirações e alternativas diferentes. A simplificação dos modos de acesso dos partidos ao parlamento (por exemplo pela aparição de círculos eleitorais de compensação) ou a redução dos requisitos para a formação de novos partidos pode multiplicar a quantidade de opções eleitorais e, consequentemente, aumentar a possibilidade de escolha por parte dos eleitores e diluir o eleitorado populista.

Rui Martins | Eleito local em Lisboa pelo PS à Assembleia de Freguesia do Areeiro (Lisboa), dirigente associativo e fundador da Iniciativa CpC: Cidadãos pela Cibersegurança

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.