Vladimir Putin não quer a paz, não quer realmente negociar e, imune a qualquer tipo de pressão diplomática, não desiste dos seus objetivos. Mesmo quando coagido pelos europeus e agora, ao que tudo indica, também por Donald Trump não dá sinais de querer renunciar aos objetivos que delineou para a guerra na Ucrânia.

Friedrich Merz, o atual chanceler alemão, ciente disso e no que respeita ao apoio à Ucrânia está a transformar as posições excessivamente prudentes do seu antecessor, Olaf Scholz, avançando numa postura muito mais afirmativa e categórica. É dele a recente afirmação de que, até à data, “todos os esforços diplomáticos junto da Rússia falharam” e assim sendo, o tempo da diplomacia parece estar a esgotar-se. Como referi em artigo anterior, nas palavras do chanceler Friedrich Merz, “a Alemanha está de volta”. Tendo o propósito de se converter na maior potência militar da Europa. Parece ser o terminus de uma postura política alemã, pós-Segunda Guerra Mundial que perdurou por décadas e se caracteriza por uma grande cautela em tudo que diga respeito ao desenvolvimento e emprego do seu poder militar, sobretudo na vertente externa.

Numa visão claramente menos restritiva do papel charneira que a Alemanha quer desempenhar no contexto europeu, o chanceler alemão coloca agora em marcha uma nova iniciativa conjunta entre Berlim e Kiev. Em parceria e na Ucrânia serão produzidos mísseis de longo alcance capazes de atingir em profundidade o território russo.

A Alemanha acordou em finais de fevereiro de 2022 para a dura realidade que representou a invasão em grande escala da Ucrânia. O então chanceler Scholz não perdeu tempo em anunciar a necessidade imperiosa de modernizar as suas Forças Armadas, disponibilizando para tal um pacote inicial de 100 mil milhões de euros acompanhado da promessa de incrementar, claramente, o investimento alemão na defesa. Porém, este fundo tornou-se manifestamente insuficiente face ao desinvestimento de décadas no período pós-Guerra Fria. Acaba por ser visivelmente reforçado em 2025, através de uma nova tranche de 200 mil milhões, acompanhado da promessa de um investimento em Defesa que deverá atingir os 5% do PIB em 2031.  Especificamente e no que respeita ao apoio à Ucrânia, a Alemanha anunciou um pacote inicial de 7 mil milhões de euros que ascenderá aos 11 mil milhões ao longo do presente ano de 2025. Neste envelope financeiro estarão incluídas pelo menos duas baterias Patriot, como complemento dos sistemas de defesa antiaérea IRIS-T, dos conhecidos Flankpanzer Gepard e Skynex, tão eficazes no combate à crescente ameaça de drones de ataque que todos os dias pululam nos céus da Ucrânia. Para além de muitos outros tipos de equipamento militar que fazem, no todo, da Alemanha o segundo maior contribuinte líquido do esforço de guerra ucraniano — logo a seguir aos EUA.

A grande novidade é a adoção de uma estratégia mais abrangente que tem por objetivo investir no complexo militar industrial ucraniano com a finalidade de impulsionar a respetiva autossuficiência, evitando as dependências excessivas dos fornecimentos ocidentais. Este esforço, não sendo exclusivo da Alemanha, está já a produzir muito bons resultados. É, pois, bem conhecida a extraordinária capacidade que a Ucrânia tem vindo a demonstrar no desenvolvimento das suas próprias armas, só não indo mais além por escassez de recursos financeiros. Podemos afirmar que no capítulo dos drones a Ucrânia é praticamente autónoma, tendo produzido no ano de 2024 cerca de 200 mil drones de várias categorias, por mês.

A Alemanha está fortemente apostada no desenvolvimento e produção conjunta com a Ucrânia de sistemas mais eficazes e mais letais. Trata-se de mísseis balísticos e de cruzeiro de longo alcance.  E é justamente neste contexto de cooperação mútua que as recentes declarações se inscrevem. Na passada semana, no dia 09 de julho, o chanceler alemão refere categoricamente no Bundestag “que todos os meios diplomáticos possíveis para encontrar uma solução para a invasão russa da Ucrânia foram tentados, tendo redundado num fracasso total”. O ataque massivo a Kiev no dia anterior, sendo o maior desde que esta guerra se iniciou, é a prova cabal da “surdez” de Putin e de que o Kremlin não tem qualquer interesse em negociar um cessar-fogo ou a paz. A perceção que retemos é a de que a Rússia prossegue com a sua guerra de agressão ilegal, continuando a cometer completas atrocidades, a acumular crimes de guerra sucessivos e sem dar quaisquer indícios de querer desacelerar o passo. De momento é tempo perdido esperar que a via diplomática funcione. Ainda não estamos nessa fase, nem estaremos enquanto Putin acreditar que consegue quebrar, pelo terror, a vontade indomável das populações ucranianas e que os ocidentais, mais dia menos dia, se cansarão de apoiar a Ucrânia. Vladimir Putin crê piamente numa vitória militar. Estará ele a chegar a um ponto de não retorno? Da mesma forma que chegou Adolf Hitler durante na Segunda Guerra Mundial, com uma visão míope da realidade, acreditando apenas nas suas convicções e naqueles que lhe levavam boas novas. Os arautos da desgraça, como naquele tempo, vão sendo sumariamente eliminados. Convém referir que a metodologia está a diversificar-se, da tradicional queda de uma qualquer varanda ou janela de um andar elevado, passou-se para o suicídio encenado na própria viatura.

Sem dúvida que Friedrich Merz representa uma linha mais firme e incisiva do que o seu antecessor, que embora tenha apoiado sempre a Ucrânia se manteve renitente em lhe proporcionar os meios ofensivos capazes de atingir alvos militares na profundidade do território russo. Assim é convicção do atual chanceler que romper com um posicionamento demasiado cauteloso, fornecendo armas de longo alcance, sem qualquer tipo de restrições de emprego à Ucrânia, é o caminho certo. Faz todo o sentido disponibilizar-lhe as ferramentas necessárias para esta poder melhor conduzir operações militares, visando todo o espaço operacional, atacando e desarticulando a logística de produção russa, as suas bases aéreas, os seus postos de comando e as suas principais rotas de abastecimento.

Para todos os que se dedicam ao estudo da polemologia, é óbvio que não há guerra que se ganhe apenas defendendo.  Também para estes, é do mais elementar senso comum que em matéria de operações militares “apenas a ofensiva conduz a resultados decisivos". Trata-se de um princípio da guerra que enfatiza a importância da ação ofensiva para alcançar resultados definitivos num qualquer conflito. A ofensiva, através de ações de ataque, é vista como a forma mais eficaz de impor a nossa vontade sobre um determinado adversário ou inimigo, quebrar sua resistência e alcançar os objetivos traçados pelo escalão político. Sim, porque a guerra, não sendo um fim em si mesma, “mais não é do que a continuação da política por outros meios”, como postula o general prussiano Carl von Clausewitz no seu tratado “Vom Krieg”.

A Leste, nada de novo, como certamente diria Erich Maria Remarque. Como seria de esperar, o Kremlin reagiu furiosamente. Dmitry Peskov acusou Berlim de militarização e nazificação, ameaçando retaliar.

De facto, nesta fase, a diplomacia parece ter mesmo chegado ao fim. Pelo menos de momento e nos tempos mais próximos. A guerra segue o seu curso e não parece ter fim à vista.

Major General//Escreve semanalmente no SAPO, à sexta-feira