
Passo em frente a esta janela quase todos os dias, no meu passeio matinal para comprar jornais — sim, pertenço a uma espécie em vias de extinção.
A janela espelha um prédio que, há muitos anos, foi uma bela construção, de janelas amplas e fachada larga e altiva, desenho marcado por cantoneira trabalhada que se foi desfazendo com o andar do tempo. Este último inverno deu-lhe um golpe forte, as coisas ficaram piores, o pedaço do passeio em frente foi isolado, não fosse alguma coisa cair. Agora colocaram umas chapas, que protegem a rua do desfazer do edifício.
Quem passa vê ruínas, a porta entaipada e uma parede coberta de graffiti. Fazem-me impressão estes prédios assim, em decomposição, de janela aberta para a destruição. Fico sempre a pensar que o estão a deixar desmoronar-se, para depois construírem um mamarracho, em vez de o recuperarem. Ponho-me a imaginar como seriam as salas que, de fora, parecem ter sido grandes e de pé direito alto. Visualizo corredores compridos, sei que atrás há um belo logradouro, agora parecido com uma mata selvagem.
Estes pedaços de ruína no meio da cidade são o sinal do que correu mal na vida de alguém, talvez de uma zanga familiar entre herdeiros que não se entendem. Até pode ser que a história seja outra, mas o que quer que tenha sido, o resultado é este: um sítio destruído, para onde se espreita por uma janela arruinada.
É um bocado o retrato do país depois das eleições. Em meio século, tudo se decompôs, ninguém sabe bem como voltar a ganhar a confiança e construir, em vez de apenas contemplar a destruição e explorá-la.
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