

Renato Ferreira
Professor do ensino básico e secundário. Poeta e fotógrafo amador nos tempos livres. Licenciado em Línguas e Literaturas Modernas pela FLUP e Pós-graduado em Supervisão pedagógica e formação de formadores.Ainda a separação de poderes (parte2), agora com as comissões de inquérito parlamentar em pano de fundo.
Os regimes democráticos foram abraçando, ao longo dos últimos duzentos anos a separação dos poderes: o executivo, o do Governo; o legislativo, atribuído ao Parlamento e o judicial, o dos Magistrados e dos Tribunais. Por separação entenda-se que cada um deles é independente dos outros dois e não pode, ou não deve, sofrer a influência ou interferência de um dos outros. O problema são aquelas coisas que enchem o inferno: os retrocessos.
No segundo capítulo sobre este assunto, quero abordar a perspectiva das Comissões de Inquérito Parlamentar. Na origem, «a decisão de realizar um inquérito parlamentar é tomada pelo Plenário da Assembleia da República, que aprova a constituição de uma Comissão de Inquérito, através da qual este será concretizado.» (fonte: https://www.parlamento.pt). É legítimo isto? É. Têm, estas CIP, agido de forma impoluta? Pois…

Vamos, então, a uma breve expedição comentada pelas páginas do Diário da República:
O Regime Jurídico dos Inquéritos Parlamentares, Lei n.º 5/93, que ainda está em vigor, sujeito apenas a algumas operações cosméticas de semântica, afirma no seu artigo 13.º (Poderes das comissões): «As comissões parlamentares de inquérito gozam dos poderes de investigação das autoridades judiciais que a estas não estejam constitucionalmente reservados.» Isto devia significar na prática a impossibilidade de sobreposição de casos.
Artigo 1.º (Funções e objecto): «Os inquéritos parlamentares têm por função vigiar pelo cumprimento da Constituição e das leis e apreciar os actos do Governo e da Administração.». Nada a opor, bem antes pelo contrário, à fiscalização das pessoas enquanto funcionários do Estado e a sua responsabilidade na gestão da res pública. Quanto aos outros, eles estão sujeitos aos tribunais comuns (vide o número 3 do artigo 17.º: «Não é admitida, em caso algum, a recusa de comparência de funcionários, de agentes do Estado e de outras entidades públicas» e apenas a estes).
No artigo 5.º (Informação ao Procurador-Geral da República): a comunicação entre o Presidente da Assembleia da República e o PGR é estabelecida para determinar da eventual suspensão da CIP devido à existência de um processo criminal em curso. Tal como no artigo 13.º, isto devia significar na prática a impossibilidade de sobreposição de casos.
Surge-me uma pequena dúvida no articulado do número 6 do Artigo 6.º (Funcionamento da comissão): «É condição para a tomada de posse de membro da comissão, incluindo membros suplentes, declaração formal de inexistência de conflito de interesses em relação ao objeto do inquérito, bem como de compromisso de isenção…». Quem verifica esta isenção por parte de membros indicados pelos partidos políticos com assento no Parlamento, quando os inquiridos são membros ou notoriamente simpatizantes de outro partido? As transmissões em directo e os resumos jornalísticos nunca foram capazes de mostrar nem a isenção nem a sua verificação. Devo andar muito distraído.
A este propósito, quem se lembra dos inquéritos a Camarate, sob a Lei n.º 43/77, antes ainda desta legislação ter sido criada?
De tudo isto, parece resultar que a um conjunto de pessoas, não necessariamente qualificadas para o exercício do direito, é dada uma oportunidade para um jeu de rôle cuja consequência é apenas a «recomendação», vide a alínea e) do número 1 do artigo 20.º e um «projecto de resolução», vide o número 2 do artigo 21.º, a apresentar em Plenário na AR. Do que podemos ver de recentes CPI, só podemos concluir: felizmente!