
O Cinema São Jorge, em Lisboa, foi palco do primeiro dia do Festival Política 2025, que teve início ontem, dia 24 de abril.
Entre as diversas atividades programadas, pelas 18h00, iniciou-se o “Cara-a-cara com deputados e deputadas”, um espaço de diálogo aberto entre o público e representantes parlamentares dos principais partidos com assento na Assembleia da República: BE, IL, LIVRE, PAN, PCP, PS e PSD.
O Diário do Distrito marcou presença e colocou uma questão a todos os partidos, no contexto do 25 de Abril: “Os ideais da Revolução dos Cravos, nomeadamente os que se centram na igualdade social, estão a ser levados adiante pelos últimos governos e pelo governo atual?”
As respostas revelaram diferentes perspetivas sobre o estado atual da democracia e da justiça social em Portugal.
Bloco de Esquerda (BE): “O atual governo não cumpre o princípio da igualdade”
Fabian Figueiredo disse em termos de sim ou não, a resposta e não.
O deputado sublinhou que, Portugal tem uma constituição, que valoriza, as políticas públicas, ou seja, que o princípio da igualdade é um princípio constitucional.
Concretizado na legislação portuguesa através de várias leis de base que criam os nossos serviços públicos.
O representante do Bloco de Esquerda ainda destacou que os 51 anos do 25 de Abril representam também 51 anos de construção do Estado Social em Portugal.
“Apesar de algumas medidas já existirem antes, foi com o fim do fascismo que se iniciou verdadeiramente a criação de um sistema de proteção social democrático, inspirado nos modelos europeus do pós-guerra” disse a citar exemplos como o Serviço Nacional de Saúde, a escola pública universal, o acesso a apoios sociais, o direito ao trabalho e a valorização do salário mínimo.
Ainda criticou a atuação da direita portuguesa no governo, acusando-a de tentar desmontar o Estado Social, especialmente na área da saúde.
Destacando o desinvestimento atual na saúde, o aumento das transferências para o setor privado e as tentativas de limitar o acesso ao SNS por parte de imigrantes em situação irregular.
“cidadãos nacionais, imigrantes ou mesmo apátridas, ninguém pode ser discriminado pelo facto de não, não ter cidadania, por isso também tem que ter acesso ao serviço nacional de saúde,” reiterou o deputado.
Apontou também a crise habitacional como reflexo da desigualdade económica crescente, bem como o ataque da direita a conquistas em matéria de direitos sexuais e reprodutivos.
“Nós (Bloco de Esquerda) estamos na luta para manter o edificado progressista da lei portuguesa, para fazer frente todas as formas de de discriminação que elas entrelaçam-se”. Fabian Figueiredo conclui.
Partido Social Democrata (PSD): “É preciso transformar igualdade formal em igualdade material”
Eva Brás Pinho (PSD) afirmou que o 25 de Abril trouxe igualdade formal através da lei, mas destacou que a verdadeira liberdade exige condições económicas que permitam escolhas e autonomia.
Para isso, defende a importância do investimento em áreas essenciais, sublinhando que a liberdade só se concretiza plenamente com igualdade material.
“para termos -liberdade-, e para sermos livres, temos que ter condições económicas para poder ter opções de escolha e para seguir os nossos projetos de vida”.
E isso exige, um investimento em várias áreas essenciais, algo que segundo a representante do PSD, o governo tem vindo a realizar.
A deputada salientou investimentos significativos na habitação, através do PRR e do Orçamento de Estado, que visam construir cerca de 59 mil fogos.
Destacou ainda a valorização de 19 carreiras da Administração Pública, os acordos com professores e o aumento do salário mínimo.
Brás Pinho mencionou medidas como a isenção do IMT para a primeira habitação e o reforço do programa Porta 65, como formas de facilitar o acesso à habitação por parte dos jovens.
A deputada do PSD considera fundamental o acordo com os professores sobre a recuperação do tempo de serviço, sublinhando o impacto positivo tanto para os docentes como para os alunos.
Destacando a educação como pilar essencial para a mobilidade social ”é o que permite a alguém que não nasceu em um berço de ouro possa subir na vida e possa chegar mais longe”
Referiu ainda que, antes da dissolução do Parlamento, o governo trabalhava na revisão do Regime Jurídico das Instituições de Ensino Superior, medida crucial para garantir um ensino superior mais robusto, competitivo e com impacto direto no aumento dos salários.
Também sublinhou o aumento dos salários, “o governo chegou a acordo na Constituição Social precisamente para fazer um aumento do salário mínimo para fazer um aumento do salário médio e isso é fundamental num país como Portugal que tem salários baixíssimos.”
Pessoas-Animais-Natureza (PAN): “A igualdade está a ser desrespeitada”
Inês Sousa Real (PAN) Não acredita que os sentimentos de abril estão a ser cumpridos, ou seja, especialmente na questão da igualdade.
Criticando a revogação de manuais escolares sobre direitos fundamentais e o desrespeito pela disciplina de Cidadania e Desenvolvimento, acusando o governo de ceder à pressão de agendas da extrema-direita. “Está por concretizar o 25 de Abril quando não se promove a igualdade e o respeito pela diferença.”
Defendendo o papel da escola na promoção de valores democráticos e de igualdade de género.
A deputada do PAN afirmou que um dos principais legados do 25 de Abril é a igualdade e o respeito pela diferença, incluindo identidade e orientação sexual.
No entanto, considera que o governo atual falha em garantir esses princípios.
A representante do PAN destaca, ainda, a gravidade da violência doméstica e dos abusos sexuais, especialmente contra jovens e mulheres, como problemas que exigem maior resposta, referindo-se a ineficácia no combate à violência doméstica e sexual, e a necessidade urgente de reforçar o quadro penal para punir e prevenir crimes, como a partilha não consentida de conteúdos íntimos.
“Nos últimos anos o que nós temos visto é o que diz desrespeito aos crimes de violência doméstica ou de violência sexual tem existido, não só demasiadas vezes a ser aplicado à suspensão da pena” sublinhando também que não tem havido uma pena de prisão efetiva.
Inês real ainda alerta para a dificuldade em proteger eficazmente as vítimas de violência doméstica, sublinhando que, apesar das 34 mil denúncias anuais, continuam a ocorrer mortes, e este cenário transmite um sentimento de impunidade e revela falhas na dissuasão destes crimes.
Defendendo ainda que o atual quadro penal é insuficiente para lidar com crimes relacionados com a partilha de conteúdos sexuais não consentidos.
Defende a responsabilização das plataformas digitais na remoção imediata desses conteúdos e alerta para a necessidade de combater atitudes sociais que normalizam ou não denunciam essas práticas.
“Acho que temos todo o dever de não promover nem aceitar que haja influências, por exemplo, a poder pôr em causa o direito de uma mulher a sair à noite se tiver namorado”.
LIVRE: “O Governo desvaloriza os ideais de Abril”
Paulo Muacho (LIVRE) lamentou a decisão do governo de declarar luto nacional pela morte do Papa Francisco, que coincidiu com as celebrações do 25 de Abril, considerando-a um sinal de desvalorização simbólica da data.
Ainda destacando o fato, de que foi o próprio governo que escolheu a data para o luto nacional e, que no Vaticano o luto só começa a 26 de abril ,ou seja, Portugal também poderia ter optado por essa data, é comemorado a liberdade.
Ainda reitera que na sua opinião, o governo não está a cumprir aquilo que a Constituição Portuguesa diz, que é basicamente aquilo que sai do 25 de Abril.
“Ao olhar, por exemplo, para as questões da saúde, aquilo que a nossa Constituição diz é que nós devemos ter um Serviço Nacional de Saúde gratuito, universal, acessível a todas as pessoas”
Criticou também o desvio de fundos públicos para o setor privado na saúde, indo contra o princípio constitucional de um SNS gratuito e universal, “isso até pode ser feito com algumas boas intenções de querer resolver problemas, mas isso mais à frente vai gerar essa falta de acesso de muita gente”, dificultando deste modo, o acesso igualitário à saúde.
Portanto, de acordo com o representante do LIVRE, não está a cumprir com aquilo que era o sonho do 25 de Abril.
Principalmente ao falarmos, de uma escola pública, forte, em que toda a gente, independentemente da condição financeira, pudesse ter o acesso a mesma qualidade de educação,com o apoio social em todas as matérias.
Considerando a liberdade do direito reprodutivo, Paulo Muacho ainda diz que este não é só um problema deste governo em específico, mas também dos últimos governos, porque mesmo que exista uma lei a prever o direito ao aborto, na prática há muitos entraves a quem quer realizar esse procedimento.
Desde da falta de médicos que possam fazer esse procedimento, até a hospitais que dizem que naqueleloal não se faz esse tipo de procedimento, o que é ilegal.
Portanto, as pessoas têm de andar muitos quilómetros para poderem aceder a um médico que faça este procedimento, “e isso é logo um entrave, para quem tem menos dinheiro vai ter menos possibilidades de vir a Lisboa, ou ir ao Porto, ou a Coimbra, ou uma cidade grande para fazer um aborto”, reitera o deputado do LIVRE.
Portanto, é principalmente uma questão do governo tomar medidas para garantir que, dando isso na lei, deve ser um acesso também universal e fácil em todo o país, sem criar entraves que sejam desnecessários.
Iniciativa Liberal (IL): “Todos os governos, com erros e acertos, cumpriram o 25 de Abril”
Rodrigo Saraiva (IL) adotou uma posição mais moderada, afirmando que, apesar de divergências ideológicas, “todos os governos contribuíram, em maior ou menor grau, para cumprir os objetivos do 25 de Abril”.
Iniciando por dizer, que não considera esta uma pergunta que não é totalmente justa,visto que este governo, esteve apenas 11 meses em função.
Apesar das dificuldades ao longo das últimas cinco décadas — incluindo períodos de instabilidade como o “Verão Quente” e três bancarrotas, uma delas recente (2010-2011), que levaram à intervenção da Troika (FMI, Comissão Europeia e BCE) —, disse que, com concordâncias e discordâncias, os sucessivos governos foram, essencialmente, cumprindo os objetivos do 25 de Abril, especialmente após a estabilização da democracia.
“Estruturalmente, hoje existe menos pobreza, a população está com mais níveis de educação, foi possível integrarmos o espaço europeu e tudo que a União Europeia nos trouxe” reitera o deputado da Iniciativa Liberal.
Referindo-se à música da banda que é o Xutes é Pontapés, “De Bragança a Lisboa são 9 horas de distância”, o que já não são 9 horas de distância nos dias atuais.
Referiu os avanços em liberdade, saúde, educação e mobilidade social, ainda que reconhecendo falhas persistentes.
Destacou a necessidade de adaptação dos serviços públicos à realidade atual, como os novos modelos de trabalho e o impacto da inteligência artificial. A Iniciativa Liberal defende um modelo de governação mais adaptativo, que consiga responder às rápidas mudanças sociais e tecnológicas.
Porque na saúde o acesso está com muitos problemas, porque na educação há muitos problemas, quer de acesso, quer de uma adaptação do nosso sistema de educação àquilo que são as novas dinâmicas da sociedade, já não há, as pessoas já não trabalham das 9 às 5, os horários são outros, o ambiente escolar não se modelou, não se adaptou a isto.
Portanto, é preciso também, não é só uma questão de progressos e de evolução que é preciso fazer, a todo momento é preciso haver uma capacidade dos governos de se adaptarem às circunstâncias que vão aparecendo.
Ainda frisando, que estamos vivendo uma nova revolução industrial, no âmbito da inteligência artificial, “isto vai trazer mudanças sociais brutais, é preciso os governos olharem, estarem atentos e saberem adaptar-se, não vale a pena combater, é como tentar travar o vento com as mãos”.
Concluindo que de forma transversal, todos os governos ao longo da história da nossa democracia, eu acho que todos, com concordâncias e discordâncias, todos cumpriram os objetivos de abril.
Partido Comunista Português (PCP): “As políticas atuais não aprofundam Abril”
António Filipe (PCP) sublinhou que Portugal conquistou as liberdades, “nós criámos o Serviço Nacional de Saúde, nós valorizámos a escola pública, nós conseguimos reduzir muito o analfabetismo, há 50 anos tínhamos 30% da população analfabeta, analfabetismo literal. O país evoluiu muito e, portanto, estes 50 anos de democracia valeram a pena. “
Segundo o representante do PCP, os governos dos últimos anos não têm tido políticas no sentido de aprofundar esse caminho, de reduzir as desigualdades sociais, de valorizar o Serviço Nacional de Saúde, e de valorizar a escola pública.
O PCP, compreende que os governos deviam adotar políticas de investimento social que estivessem à altura das expectativas e dos valores que inspiraram a Revolução de 25 de Abril e que estão consagrados na Constituição.
O que António Felipe diz que infelizmente, não tem se demonstrado, a realidade.
O deputado, ainda apontou falhas graves no acesso à saúde e à educação, a persistência dos baixos salários e a emigração jovem como provas de um desinvestimento nas áreas sociais.
Alertou ainda para o risco de perda de confiança na democracia, caso os problemas sociais não sejam resolvidos de forma justa, e ressaltou a necessidade de políticas públicas de forte investimento.
O representante do PCP ainda defende que é responsabilidade dos governos investir nessas áreas e afirmou que é essencial defender os valores da democracia, mesmo diante das dificuldades.
“a democracia tem inimigos, pessoas que procuram culpar o regime democrático pelas dificuldades que temos, como se a culpa fosse a democracia ou como se a falta de democracia resolvesse esses problemas, que obviamente não resolveria”
O deputado acredita que é legítimo que as pessoas se sintam descontentes com a forma como o país tem sido governado e que, idealmente, deveriam buscar ativamente uma alternativa política para dar resposta a esses problemas.
Frisando ainda que um governo ao “responder melhor aos problemas que as pessoas sentem é uma forma de valorizar a democracia e de a reforçar”.
Partido Socialista (PS): “Todos os governos contribuíram, mas a esquerda promove melhor os valores de Abril”
Alexandra Leitão (PS) optou por uma visão equilibrada, valorizando a evolução do país em indicadores como a taxa de analfabetismo, esperança média de vida e escolaridade.
A representante do PS, reafirmou os valores de Abril, que “são a igualdade, a liberdade, a tolerância, a solidariedade e a paz também”.
Fazendo uma crítica ao Governo, por querer cancelar as festividades, em luto pelo Papa, especialmente ao considerar, o amante do diálogo, e da democracia, que o Sumo Pontífice foi.
“O Papa Francisco gostaria seguramente que nós celebrássemos o 25 de Abril e eu hoje mesmo li um texto do Papa Francisco que tem uma frase muito bonita que é, a democracia é fazermos juntos, é resolvermos juntos os problemas de todos”, sublinha a deputada.
Referindo que de um modo, todos os governos, eu quero todos os governos que tivemos, vieram a apoiar os ideais da Revolução dos Cravos “uns mais da minha ótica do que outros, eu sou do Partido Socialista, mas todos eles contribuíram para a evolução enorme que o nosso país teve desde 74 “.
A deputada ainda refere-se às melhorias nos índices de educação, saúde e outros aspectos sociais, como as taxas de analfabetismo, o nível de escolaridade, a mortalidade infantil, e a esperança de vida, que são claramente reflexos das conquistas de Abril.
Esses avanços são testemunhos de como a Revolução de 25 de Abril contribuiu para um desenvolvimento significativo no país.
Segundo, Alexandra Leitão algumas questões, como a universalidade dos serviços públicos e a defesa de direitos sociais essenciais, são áreas em que as políticas do centro-esquerdo têm avançado mais eficazmente do que as da direita, e acredita fielmente que essas são vitórias que devem ser preservadas e promovidas.
Porém, independentemente das diferenças políticas, os valores fundamentais da Revolução de Abril continuam a ser a base do nosso progresso, e é crucial que se mantenham vivos no debate político e na ação governamental.
O legado de Abril deve ser protegido e adaptado às necessidades da sociedade contemporânea, para garantir que todos possam beneficiar dos direitos conquistados.
Em conclusão a sessão “Cara-a-cara com deputados e deputadas” revelou que, embora haja consenso sobre os avanços registados em democracia e desenvolvimento desde 1974, as visões que os diferentes partidos têm sobre o presente e o futuro dos ideais de Abril são profundamente distintas.
Enquanto a esquerda aponta retrocessos nas políticas sociais e de igualdade, o centro e a direita destacam os investimentos realizados e a necessidade de adaptação à realidade atual.
Num momento em que Portugal celebra 51 anos da Revolução dos Cravos, o Festival Política reafirma a importância de discutir, com espírito crítico e construtivo, os caminhos a seguir para concretizar plenamente os valores de liberdade, igualdade e solidariedade.
O Festival Política, continua a decorrer, até dia 26 de Abril, no Cinema São Jorge.