
Júlio Machado Vaz fez uma publicação emotiva que gerou mais de 300 comentários e mais de 200 partilhas. "Quando os números são de carne e osso", começou por dizer o conhecido médico psiquiatra sobre um caso de violência doméstica do qual a vítima era uma pessoa que conhecia.
"A minha ex-empregada foi morta pelo ex-marido, que se suicidou a seguir. Antes disso fora agredida em privado e em público várias vezes. Pediu ajuda e ela não veio. Amanhã ou no fim do mês será um número nas estatísticas", escreveu.
"Cá em casa era uma mulher pálida, triste, às vezes queixosa, nunca esperançada. Quando eu entrava a horas inesperadas, tinha de me anunciar em voz alta para que não entrasse em pânico. Deixou de vir porque morava longe. Morreu porque uma sociedade inteira vivia longe dela. (Aqui entre nós)", acrescentou.
Entre os comentários, houve uma que chamou particularmente à atenção: "Quando os números têm rosto… e o rosto podia ser o meu. Li este texto com um nó na garganta, não só por ela, essa mulher de carne e osso, que gritou em silêncio tantas vezes, mas também por mim. Porque eu já fui essa mulher. Já vivi esse medo de abrir a porta, esse pânico quando o silêncio era interrompido por um passo mais brusco, essa esperança que morre todos os dias um pouco", contou a internauta.
"Já fui ignorada. Já pedi ajuda. Já achei que talvez fosse normal. Já me calei para não incomodar, para não expor, para não ter de me explicar. Já me disseram que 'ele parecia tão calmo', que 'devia ser exagero'. E enquanto isso, fui desaparecendo por dentro. A violência doméstica não começa com um murro. Começa com um olhar que desvaloriza, com uma palavra que humilha, com um controlo disfarçado de amor. Vai crescendo devagar, sem que se note muito, até que já é tarde, até que a vítima se convence de que a culpa é dela ,ou que não há saída", continuou.
"Hoje, estou viva. Mas há dias em que não sei muito bem como. E cada mulher que morre às mãos de quem dizia amá-la é uma ferida aberta em todas nós. Não somos números. Somos histórias interrompidas, sonhos adiados, vidas que a indiferença tornou descartáveis. Este texto devia ser lido por todos. Mas mais do que isso, devia ser vivido com a urgência de quem percebe que o silêncio mata. E que amar, proteger e agir não é só um dever moral, é um dever humano", rematou.
Caso tenha conhecimento de uma situação de violência doméstica pode procurar ajuda junto dos seguintes contactos:
APAV – 116 006
SOS Criança – 116 111
SOS Mulher – 808 200 175
SOS Voz Amiga – 800 209 899
SOS Voz Adolescente – 800 202 484
UMAR – Centro de Cultura e Intervenção Feminista – 218 873 005